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Mudança legislativa em Portugal torna incerto o futuro dos exames de Ordem

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27/09/2013

Até o começo do ano, a regra em Portugal podia até não agradar a todos, mas era clara. Todo bacharel em Direito tinha de fazer um estágio obrigatório de 18 meses e duas provas — uma delas durante o estágio e outra no final — para obter carteira da Ordem dos Advogados e trabalhar como defensor. Desde janeiro, no entanto, os dois exames da Ordem subiram no telhado e ninguém sabe mais se vão continuar a existir.

A causadora da crise atende por um número. É a Lei 2/2013, que entrou em vigor no dia 10 de janeiro deste ano, com o objetivo de frear a fúria das associações profissionais em controlar o mercado. A norma passou a prever que o acesso à profissão depende apenas da formação superior. Via de regra, uma vez com a faculdade concluída e o diploma em mãos, o recém-formado tem direito a atuar no mercado de trabalho que escolheu.

A lei prevê como exceção que, quando houver interesse público, pode ser exigido estágio obrigatório e uma avaliação de conhecimentos uma vez concluído esse estágio. Esses requisitos devem ser impostos pelo estatuto da associação profissional. A norma não lista quais são profissões de interesse público.

A interpretação da Ordem dos Advogados de Portugal é de que a Advocacia, por ser uma atividade essencial ao funcionamento da Justiça e à garantia dos direitos fundamentais de todo cidadão, se encaixa nessa exceção. Pode, portanto, impor exames que atestem a competência dos recém-formados. Neste ponto, há pouco para se discutir. A tese é sustentada pela comunidade jurídica e mantida pelos tribunais.

A grande questão é que a nova lei impôs um prazo para que cada associação profissional aprovasse um novo estatuto se adequando às mudanças. Esse prazo terminou em maio e ainda não foi aprovado um novo estatuto para a Ordem dos Advogados. Anteprojeto foi enviado pela Advocacia à Assembleia Parlamentar portuguesa em fevereiro, mas ainda não foi discutido nem votado.

Vácuo legislativo

O atual presidente da Ordem dos Advogados de Portugal, o bastonário Antonio Marinho e Pinto, não é das figuras mais queridas no governo. Aliás, antes mesmo de o anteprojeto sair da Ordem, foi motivo de polêmica e discussão entre os presidentes das seccionais, que discordavam de diversos pontos defendidos por Pinto. Essa falta de carisma combinada com sua língua afiada pode estar atrapalhando a tramitação do projeto de mudança do estatuto. Enquanto isso, bacharéis de Direito têm se apoiado num pretenso vácuo legislativo para tentar escapar de qualquer avaliação e obter o registro profissional apenas com a apresentação do diploma.

O mais recente exame feito pela Ordem aconteceu em junho. Foi a chamada Prova de Aferição, destinada a avaliar os primeiros seis meses do estágio obrigatório. Só quem passa nela pode seguir em frente para mais um ano de estágio e, então, a Prova de Agregação, que é o exame final para conseguir a inscrição definitiva na entidade.

Um pouco antes da prova de junho, estagiários foram à Justiça pedir a suspensão do exame com base na falta de fundamentação legislativa. O argumento defendido foi o de que o atual Estatuto da Ordem perdeu a eficácia em maio, quando acabou o prazo fixado pela Lei 2/2013. Por essa tese, não há nenhuma legislação que sustente a avaliação dos estagiários. “As referidas provas de aferição são lesivas e violadoras do direito fundamental de escolha do exercício da profissão”, diz um dos pedidos feitos à Justiça.

No Tribunal Administrativo de Lisboa, a questão foi enfrentada pelo menos duas vezes e, em cada uma, foi decidida de uma forma. Dias antes do exame, um juiz suspendeu liminarmente a prova e outro manteve. Em julho, mais uma vez, o tribunal analisou pedido semelhante e, dessa vez, não analisou o mérito da discussão. Já que o exame já tinha sido concluído, o juiz considerou que o pedido tinha perdido o objeto (clique aqui para ler a decisão).

No final de agosto, o mesmo tribunal analisou outro viés da discussão. Dessa vez, um grupo de bacharéis questionava a Prova de Agregação, última avaliação antes do registro definitivo. O argumento dos estudantes era o mesmo: o vácuo legislativo. Nesse julgamento, o Tribunal Administrativo de Lisboa aprofundou sua análise e considerou que, enquanto não for aprovado um novo estatuto, o atual Estatuto da Ordem dos Advogados continua em vigor.

“Os requisitos impostos afiguram-se adequados, necessários e proporcionais em vista à efetivação do direito fundamental de acesso ao Direito e aos tribunais e ao bom funcionamento da administração da Justiça, sendo certo que a norma constitucional que consagra a liberdade de escolha de profissão, que engloba, além do mais, o direito de ingresso na profissão, prevê expressamente ‘restrições legais impostas pelo interesse coletivo’ (artigo 47, nº 1, da Constituição da República Portuguesa)”, diz trecho da decisão (clique aqui para ler).

A discussão, no entanto, está longe do fim. Pelo menos, até ser aprovado novo Estatuto da Ordem, as provas de aferição e agregação devem continuar sendo discutidas na Justiça. E, mesmo depois, o provável é que a nova regulamentação seja questionada frente aos limites impostos pela Lei 2/2013.

O pai da educação

A melhor qualificação dos profissionais de Direito é uma das principais bandeiras do presidente da Ordem dos Advogados portuguesas, Marinho e Pinto. O bastonário reclama para quem quiser ouvir que, com a reforma do ensino superior em toda a Europa, no chamado Processo de Bolonha, a qualidade da formação profissional decaiu. Desde que assumiu o comando da entidade, em 2008, Pinto vem impondo novas regras para impedir, como ele diz, que profissionais mal preparados cheguem ao mercado.

Duas dessas exigências criadas pelo bastonário já foram invalidadas pelo Tribunal Constitucional português. Uma delas era mais um exame para quem quer ser advogado. Em 2009, pouco depois de assumir o cargo, Pinto aprovou uma norma interna que criava um exame obrigatório para ingressar no estagiário obrigatório. O graduado que não passasse nesse exame ficava num limbo profissional: tinha o diploma universitário em mãos, mas não podia atuar nem estagiar.

A primeira prova foi aplicada em março do ano de 2010 e foi um fracasso. O índice de reprovação foi de quase 90%. Dos 288 graduados que fizeram a prova, só 32 foram aprovados. A Justiça foi inundada de questionamentos dos recém-formados sobre a legalidade da exigência e muitos escritórios ignoraram a reprovação e continuaram contratando bacharéis para atuar como estagiários.

Em janeiro de 2011, o Tribunal Constitucional considerou que a prova para ingressar no estágio obrigatório violava a previsão de reserva de lei. Para os juízes, ela teria de ser criada por meio de legislação aprovada pela Assembleia Parlamentar portuguesa, e não por ato da própria Ordem, como foi (clique aqui para ler mais).

Um ano depois, em fevereiro de 2012, o mesmo tribunal anulou outra norma imposta por Pinto. Dessa vez, foi a quarentena que os estagiários tinham de se submeter caso fossem reprovados na prova de aferição, feita após seis meses de estágio. Todos os reprovados só poderiam repetir o exame após um período de três anos. Nesse tempo, não podiam mais estagiar na advocacia.

O Tribunal Constitucional considerou que a exigência restringia indevidamente o acesso à profissão, o que é vetado pela Constituição de Portugal. A decisão provocou a ira de Marinho e Pinto. “O que o Tribunal Constitucional pretende, no fundo, é obrigar a Ordem dos Advogados a receber e dar formação a milhares de licenciados despreparados juridicamente, diplomados por universidades que mercantilizaram totalmente o ensino do Direito e exploram inescrupulosamente as ilusões de uma juventude sem esperanças, vendendo-lhes licenciaturas que, em bom rigor, não servem para nada e que até o Estado (que as criou) rejeita”, afirmou o bastonário na ocasião.

Fonte: Consultor Jurídico

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