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Ricardo Resende

Ricardo Resende

19/11/2014

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Recentemente, o Tribunal Superior do Trabalho julgou ação civil pública proposta pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) em face do Banco Central, na qual o MPT arguiu a nulidade, por ser discriminatória, de cláusula constante de edital de licitação que previu a impossibilidade de contratação, pela empresa terceirizada, de vigilante que apresentasse restrição creditícia, mediante consulta em serviços de proteção ao crédito.

Discute-se, nesse sentido, a possibilidade de negar acesso a emprego a trabalhador que possua restrições creditícias junto a serviços de proteção ao crédito, por exemplo, o Serasa ou o SPC. A questão envolve, de um lado, o exercício do poder diretivo pelo empregador, e, de outro, a dignidade do trabalhador.

O poder diretivo do empregador compreende a “faculdade de estatuir as normas que deverão reger a organização e o funcionamento dos serviços da empresa, bem como os métodos de execução das respectivas tarefas”[1], o que inclui, naturalmente, os procedimentos relativos à contratação dos empregados. Tal poder decorre do contrato de trabalho e, notadamente, da assunção dos riscos do empreendimento pelo empregador (art. 2º da CLT).

Ocorre que o poder diretivo do empregador encontra limites nos direitos fundamentais do trabalhador, dentre os quais podem ser destacados a dignidade da pessoa humana, a igualdade e a intimidade[2]. Alice Monteiro de Barros assevera que “a dificuldade consiste em estabelecer limites entre o direito à intimidade do trabalhador e o direito de dirigir a atividade do empregado, conferido ao empregador pelo art. 2º da CLT”[3].

A solução, consoante a doutrina e a jurisprudência majoritárias, passa pela maior distinção possível entre a figura do empregado e a da pessoa do trabalhador. Nesse sentido, Arion Sayão Romita observa que “a tendência atual revelada pelo direito do trabalho brasileiro leva a distinguir entre a atividade do trabalhador, enquanto tal, e o próprio prestador de serviços, enquanto pessoa”[4].

No mesmo diapasão, Alice Monteiro de Barros observa que

Conclui a saudosa doutrinadora que “informações sobre a esfera da vida privada do empregado só se permitem excepcionalmente quando apresentam relevância para a execução das funções que serão executadas, em nome da liberdade de contratação conferida ao empregador”. Assim, por exemplo, em casos específicos admite-se a exigência de atestados de antecedentes criminais do trabalhador para admissão ao emprego, desde que as funções que serão exercidas recomendem tal cautela. É o que ocorre, v. g., com os vigilantes, conforme previsão expressa do art. 16, VI, da Lei nº 7.102/1983.

Seguindo tal linha de raciocínio, a doutrina e a jurisprudência amplamente dominantes têm considerado ilegal, por consistir em ato discriminatório, a negativa de contratação baseada unicamente na inscrição do trabalhador em lista de devedores mantida por órgão de proteção ao crédito. Ademais, nessa hipótese há desvio de finalidade na utilização do banco de dados previsto no art. 43 da Lei nº 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor).

A vedação à discriminação tem previsão constitucional, pois a CRFB/1988 estabelece que a República Federativa do Brasil tem como fundamentos a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) e os valores sociais do trabalho (art. 1º, IV). Por sua vez, dispõe o art. 3º, IV, da Carta Magna que constitui objetivo fundamental da República Federativa do Brasil promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. No mesmo sentido, o art. 5º da Constituição assegura que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza (caput), bem como garante serem invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas (inciso X).

Por fim, o inciso XIII do supramencionado art. 5º estabelece que é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer, ou seja, somente a lei pode impor restrições ao trabalhador no que diz respeito ao acesso ao emprego. No âmbito supralegal[6], a Convenção nº 111 da Organização Internacional do Trabalho, promulgada pelo Decreto nº 62.150/1968, veda quaisquer formas de discriminação em matéria de emprego e profissão, o que alcança, naturalmente, o acesso ao emprego (art. 1º, item 3, da Convenção nº 111).

Ainda que pouco abrangente, por considerar apenas algumas hipóteses de discriminação, a Lei nº 9.029/1995, que dispõe sobre práticas discriminatórias para efeitos admissionais ou de permanência da relação jurídica de trabalho, estabelece, em seu art. 1º, que fica proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de emprego por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade. Não obstante, frise-se, seja tal lei pouco abrangente, fica claro que a discriminação no momento da contratação de trabalhadores é prática vedada também no plano da legislação infraconstitucional.

Esse tem sido, também, o entendimento prevalecente no âmbito da jurisprudência. A título de exemplo, mencione-se a ementa do julgamento do recurso de revista[7] referente ao processo em epígrafe:

No mesmo sentido, as seguintes decisões recentes:

Destarte, o empregador não pode se valer da utilização de informações constantes de bancos de dados mantidos por entidades de proteção ao crédito como critério de seleção na admissão de empregados, sob pena de configuração de conduta discriminatória, a qual sujeita o infrator à reparação do dano, nos termos do sistema constitucional vigente.


[1]  SÜSSEKIND, Arnaldo. Curso de direito do trabalho. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2010. p. 278.

[2] RESENDE, Ricardo. Direito do trabalho esquematizado. 4. ed. São Paulo: Método, 2014. p. 309.

[3] BARROS, Alice Monteiro de. Proteção à intimidade do empregado. 2. ed. São Paulo: LTr, 2009. p. 73.

[4] ROMITA, Arion Sayão. Direitos fundamentais nas relações de trabalho. São Paulo: LTr, 2005. p. 258.

[5] BARROS, Alice Monteiro de. Op. cit., p. 56.

[6] Conforme entendimento do STF (RE 446343-SP), os tratados e convenções internacionais que versem sobre direitos humanos, e que não forem aprovados nos termos do art. 5º, § 3º, da CRFB/1988, têm status normativo supralegal.

[7] Aos 19.09.2014 foi publicado o acórdão proferido pela SDI-1 em face do AgR-E-ED-RR-123800-10.2007.5.06.0008, mantendo a decisão da 7ª Turma.

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