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Abracadabra? O incidente de resolução de demandas repetitivas não faz milagres

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Abracadabra? O incidente de resolução de demandas repetitivas não faz milagres

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CPC 2015

ÍNDICE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS

IRDR

CPC 2015
CPC 2015

05/01/2015

O novo Código de Processo Civil (NCPC) aposta alto na técnica de julgamento por amostragem, mediante a qual, deparando-se o Judiciário com demandas repetitivas, admite-se o seu sobrestamento a fim de que seja estabelecida uma tese jurídica geral, que será tomada como premissa para o julgamento dos processos suspensos em etapa posterior. No regime do CPC/73, já contávamos com essa técnica em situações específicas, como na resolução da repercussão geral de recursos extraordinários repetitivos (art. 543-B), no julgamento de recursos especiais repetitivos (art. 543-C) e nos pedidos de uniformização repetitivos nos Juizados Especiais Federais (art. 14 da Lei 10.259/2001) e da Fazenda Pública (art. 19 da Lei 12.153/2009). O NCPC generaliza a técnica para todos os casos suscetíveis de litigiosidade seriada através do incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR).

O incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR)

Trata-se, é certo, de tendência no direito comparado. Costuma-se falar bastante no Musterverfahren do direito alemão – previsto no âmbito da jurisdição administrativa (desde 1991), do mercado de capitais (desde 2005) e da jurisdição sobre assistência e previdência social (desde 2008) –, mas outros exemplos importantes encontram-se na Group Litigation Order do direito inglês e nas técnicas de julgamento de casos-piloto por vezes adotadas nos Estados Unidos. Em nenhum desses países, é importante destacar, foram deixadas de lado as ações coletivas – Verbandsklagen, na Alemanha; representative actions, na Inglaterra e as conhecidas class actions, nos Estados Unidos.

Essa constatação nos conduz a uma importante conclusão: as técnicas de julgamento, como é o caso do IRDR, não podem tudo. Elas não servem para tomar – ao menos não completamente – o lugar das ações coletivas simplesmente porque os escopos perseguidos são parcialmente distintos.

Se é verdade que tanto as ações coletivas em matéria de direitos individuais homogêneos quanto às técnicas de julgamento por amostragem promovem segurança jurídica, isonomia e economia processual, ao propugnarem solução unificada para demandas envolvidas em litigiosidade seriada, não se pode ignorar que apenas as ações coletivas também visam a tutelar direitos essencialmente coletivos – difusos e coletivos stricto sensu – e a incrementar o acesso à justiça nos casos de danos pulverizados, ou seja, que individualmente podem até ser desprezíveis, mas que certamente assumem significativa proporção se globalmente considerados.

Ilustrativo, nesse sentido, o exemplo da caixa de sabão em pó que vem com cem gramas a menos do que está na embalagem. Não adianta pensar em IRDR para essa situação, porque não vale a pena sequer instaurar um processo individual, quanto mais o ajuizamento de demandas individuais repetitivas.

O Brasil ainda deverá, a seu tempo, enfrentar o problema da disciplina legislativa das ações coletivas. A técnica de julgamento por amostragem, que veio a ser implementada anos mais tarde que as ações coletivas, tem ganhado muito mais prestígio nas últimas reformas processuais por razões pragmáticas.

Existe a esperança de que o IRDR possa ajudar a conter a massa de processos repetitivos que hoje assola o Judiciário, ao passo que semelhante papel, por razões não muito bem definidas, não costuma ser atribuído às ações coletivas. E, convenhamos, em um sistema já trabalhando muito além do limite de sua capacidade, preocupações em torno do acesso à justiça não entram na pauta do dia.

Contente-se, portanto, com as insuficiências de nossas ações coletivas atuais ou, se não quiser esperar, tente a sorte em algum juizado especial abarrotado. E torça para que não venha uma decisão dessas técnicas de julgamento por amostragem e suspenda o seu processo individual por prazo indeterminado.

No regime do NCPC, ao menos, é estabelecido prazo limite de um ano de suspensão para o julgamento do IRDR. Mas a previsão da aplicação da tese jurídica geral também para os processos nos juizados especiais do Estado ou da região do tribunal em que se processar o incidente, para dizer o mínimo, é de constitucionalidade duvidosa.

Note-se: no regime atual, o Superior Tribunal de Justiça não pode, em regra, rever decisões proferidas nos juizados especiais em sede de Recurso Especial (Enunciado 203 da Súmula do STJ).

A instituição, por via jurisprudencial, da Reclamação para rever o mérito de decisões dos juizados estaduais contrárias à orientação do STJ (Resolução 12/2009) já foi uma medida sem amparo na Carta Magna – muito além das hipóteses clássicas de preservação da competência ou de garantia da autoridade das decisões a que alude o art. 105, I, f da Constituição. A aplicação do IRDR no âmbito do STJ para os juizados especiais, então, não encontra previsão alguma ao longo de todo o texto constitucional.

Não se questiona que poderia ser até conveniente a aplicação do IRDR também aos juizados – embora seja bem difícil explicar para um cidadão leigo, que ingressou em juízo sem advogado, que seu processo dependerá da resolução de uma tese jurídica geral num incidente do qual ele não participará diretamente.

Mas o NCPC não pode fazer milagres: essa ampliação da incidência do IRDR deveria passar pelos meios próprios no Congresso Nacional, vale dizer, uma emenda à Constituição que contemplasse tal possibilidade.

Também em relação ao IRDR instaurado nos tribunais inferiores há problemas para a sua aplicação aos juizados especiais, que foram estruturados como um microssistema próprio, que não deve sofrer interferência dos tribunais. Não por acaso, o STF já decidiu na QO-RE 388.846, (Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 9.9.2004) que o juízo de admissibilidade dos Recursos Extraordinários nos juizados especiais compete ao presidente da Turma Recursal, não ao órgão responsável pelo juízo de admissibilidade no Tribunal de Justiça ou Regional Federal correspondente.

Apenas em uma situação muito específica – mandado de segurança para fins de controle da competência do juizado, nunca para a revisão do mérito – tem sido admitido o manejo de medida perante os tribunais, mais uma vez por construção jurisprudencial, contra decisão das turmas recursais dos juizados especiais (ver, nesse sentido, o leading case, STJ, RMS 17.524, Corte Especial, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 2.8.2006).

Na verdade, sequer deveria ter sido admitida no NCPC a possibilidade de instauração do IRDR, senão nos tribunais superiores – ressalva apenas para os casos de discussão em torno da interpretação do direito local, situação em que, aí sim, seria adequado o IRDR nos tribunais de justiça estaduais.

Corre-se o risco, por exemplo, de se criar tese jurídica geral em São Paulo incompatível com a firmada no Rio de Janeiro. Pior: é possível que, não sendo interpostos recursos para os tribunais superiores nem no Rio ou São Paulo, sobrevenha decisão posterior do STJ – oriunda, por exemplo, de um terceiro IRDR no Rio Grande do Sul – contrária ao que se estabeleceu nos outros dois estados.

E muitos processos no Rio ou em São Paulo já podem ter transitado em julgado (!). Nessa situação, o que fazer? Deixar conviver uma massa de decisões contraditórias do ponto de vista lógico Brasil afora, o que o IRDR quis combater – mas acabou chancelando? Ou admitir ações rescisórias para reverter as decisões de todos esses processos no Rio de Janeiro e em São Paulo? Vamos chegar ao ponto de ter que lidar com um inusitado… Incidente de Resolução de Rescisórias Repetitivas?

Tudo isso é resultado de um fenômeno paradoxal que atinge não apenas o IRDR, mas perpassa todo o NCPC. Buscou-se atender, a um só tempo, interesses de naturezas pública e privada sem maior preocupação sistemática.

No caso do IRDR, há inegáveis fundamentos de ordem publicística para assegurar a isonomia e a segurança jurídica – e que se revelam em algumas regras importantes, como a possibilidade de instauração de ofício ou por extenso rol de legitimados, a previsão de ampla publicidade e divulgação pelo Conselho Nacional de Justiça, a atuação do Ministério Público como custos legis.

Ao mesmo tempo, de forma até surpreendente, para que um IRDR local sobre matéria de lei federal atinja escopo nacional e o ponto máximo da uniformização da jurisprudência, que é um de seus objetivos, deixa-se ao alvedrio das partes a interposição de recurso especial ou extraordinário.

O NCPC pode até ter apostado que, nesses casos, dificilmente não será interposto o recurso especial ou extraordinário. Mas, como toda aposta, envolve riscos. Confiar nas partes – com todas as suas vicissitudes – para que o IRDR atinja plenamente os objetivos a que se propõe não parece, nem de longe, a solução mais adequada.

Enfim, essas são apenas algumas breves reflexões que evidenciam que o IRDR, sem dúvidas, é um instrumento importante para lidar com a litigiosidade seriada. Mas, como qualquer instrumento processual, também tem seus limites e possibilidades.

O IRDR não pode substituir as ações coletivas. Não pode fazer sumir, de uma hora para outra, o excessivo número de demandas ajuizadas no Brasil, problema que encontra suas raízes em fatores muito além do processo civil, mais precisamente em questões de ordem social, política e econômica.

Não pode confiar que as partes – que nem sempre estarão interessadas nos fins publicísticos do IRDR – invariavelmente apresentarão recurso especial ou extraordinário. E também não pode, por fim, querer atropelar a Constituição, ampliando indevidamente sua esfera de incidência para os juizados especiais.


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