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PROCESSO CIVIL

Contraditório cooperando de Boa-Fé: por uma Nova Gramática do Processo

BOA-FÉ

CONTRADITÓRIO

DEBATE PRÉVIO

GRAMÁTICA

NCPC

NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Zulmar Duarte

Zulmar Duarte

15/01/2015

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A aprovação de um Código, passe o truísmo, é, em si, um fato novo.

Ainda assim, certo é que o Novo Código de Processo Civil (NCPC) não importa em alteração substancial da modelagem processual atual (o que pode aviar crítica à sua edição). Porém, tampouco menos correto que o NCPC traz novidades dignas de um novo marco legislativo.

De qualquer sorte, nesta primeira coluna, em vez de focar os defeitos, optamos por visualizar o há que de bem feito no Código, desejosos, com o espírito renovado pelo ano iniciado, que o fato em si do Código, aliado às suas benfeitorias, seja suficiente a um processo melhor do que se tem hoje (basta isso ao seu êxito).

Feito o registro, podemos dizer, logo não terá qualquer sabor de novidade sustentar que o NCPC adotou uma tessitura aberta aos princípios e valores constitucionais, assentando, e assentando-se, numa nova principiologia processual.

Eis o ponto. Levando a cabo e cristalizando a tendência doutrinária dominante, o Código, em especial, incorporou formal e conjuntamente uma tríade de princípios processuais: o contraditório, a cooperação e a boa-fé.

Para além de sua positivação, o concerto que o Código assegurou-lhes em diversos preceptivos, no seu trabalhar conjugado e preordenado em um sem-número de situações processuais, importa numa nova compreensão do processo, uma nova gramática[1] processual.

Tenha-se presente, a doutrina processual, em diferentes tendências e acentuações, tem por superada a compreensão do processo alheio ao resultado, em que a (in)justiça do processo é verificada tão somente com base em critérios procedimentais de valoração.

Os aportes teóricos no tema são muitos e coincidentes quanto ao que almejam como resultado do processo ou, melhor, um processo de resultados[2], posto que com diferentes polos metodológicos, matizes e acendramentos.

Nada obstante a importância do processo para refrear arbitrariedades na sua previsibilidade, propugna-se uma nova perspectiva processual, seja a partir do seu ângulo externo pela instrumentalidade[3], seja endogenamente na sua organização, conformação e funcionamento pelo formalismo valorativo[4], concretizando, através e também por potencialidades do instrumento, a passagem do dever ser ao ser[5].

Essa nova compreensão do processo, que esculpiu no contraditório uma feição diferente, bem como conjugou-o com novos postulados (cooperação e boa-fé), é própria ao processo jurisdicional que se pretende democrático,  que tem substrato na comparticipação e no policentrismo decorrentes da aplicação dinâmica do contraditório[6].

A nova cariz do contraditório, marcada, como rugas de expressão, pela cooperação e pela boa-fé, assegura equilíbrio nas posições processuais pelo diálogo paritário, verbalizado de boa-fé, ainda que persista a inexorável assimetria no momento da decisão[7].

Por todos, recolhe-se a lição do saudoso ÁLVARO DE OLIVEIRA: “Em face dessa realidade, mesmo a vontade do juiz não se exibe totalmente soberana, na medida em que condicionada, de um ou outro modo, à vontade e ao comportamento das partes, pelo que representam de iniciativa, estímulo, resistência ou concordância, e isso sem falar nos limites impostos pelo próprio sistema. A vontade e atividade das partes tendem, outrossim, a se plasmar e adequar aos estímulos decorrentes do comportamento do juiz e do adversário. Por isso mesmo, o juiz e as partes nunca estão sós no processo; o processo não é um monólogo: é um diálogo, uma conversação, uma troca de propostas, de respostas, de réplicas; um intercâmbio de ações e reações, de estímulos e impulsos contrários, de ataques e contra-ataques.”[8]

O NCPC, sem dúvida, abraçou e fez sua concepção de processo, tanto por reconhecer e incorporar os princípios do contraditório, da cooperação e da boa-fé (artigos 5o, 6o, 7o e 9o) quanto e principalmente por enlaçar tais princípios em diversos dos seus comandos, assegurando sua mútua inter-relação e zonas de interferência (sem pretensão de exaurimento, artigos 115, 139, 145, § 2o, I, 274, 315, 319, 320, § 1o, 327, II, 349, 354, § 3o, 369, 432, 486, §§ 1o e 3o e 500).

No Código, fazendo-se paralelo com a sintaxe, o contraditório é sujeito, elemento essencial da oração, sobre o qual opera o verbo, para imprimir uma forma de ação contínua (cooperação), tudo qualificado pela boa-fé (locução adjetiva).

Em uma frase expressiva dessa nova compreensão: o contraditório exercido em ambiente de colaboração e necessariamente qualificado pela boa-fé.

Não só no plano funcional, nos estratos de estruturação gramatical, que as expressões podem ser consideradas, mas também, perdoem a nova alegoria, na dimensão semântica. O contraditório, no que conjugado com a cooperação e a boa-fé, passa a ter um sentido e alcance diverso e mais extenso do que antes da conurbação.

O contraditório, quando sofre a influência da cooperação, passa a ser redimensionado como processo dialógico, em que se estruturam dialeticamente as ações e reações das partes envolvidas, ficando afastadas posições processuais solipsistas, assim entendidas como não previamente submetidas ao debate.

Demais disso, esse contraditório, influenciado pela cooperação, deve se desenvolver numa atmosfera qualificada pela boa-fé, delimitativa do aspecto denotado, pelo que o exercício das atividades processuais das partes também têm que atender à dimensão ética, arquétipo (standard) valorativo da legitimidade dos atos processuais.

A par disso, cooperação atua sobre o contraditório para ampliar o seu raio de alcance, pelo que não existem mais questões para serem enfrentadas no processo, senão questões discutidas e debatidas a serem decididas. O debate prévio e efetivo é condição para decidir

Ao revés, a boa-fé trabalha, quase sempre, em sentido inverso, excluindo do âmbito do contraditório questões desqualificadas pelo viés da eticidade, não passíveis de ingressar, pela nódoa, no âmbito do processo democrático.

O contraditório é acionado pelo verbo (cooperação), mas nos limites da locução adjetiva (de boa-fé). A cooperação atua de forma inclusiva, ampliando as potencialidades do contraditório, enquanto a locução adjetiva (boa-fé) exclui referências não abrangidas pela qualidade (especificação) atribuída.

Essa é a síntese do contraditório imbuído no Código, impondo-se, em tempos de novo acordo ortográfico, uma nova gramática do processo — contraditório cooperando de boa-fé: sujeito, verbo e locução adjetiva de uma nova gramática do processo.


[1] BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. 37. ed. rev., ampl. e atual. conforme o novo Acordo Ortográfico. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009.
[2] BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do processo e técnica processual. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2010.
[3] DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 14. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2009.
[4] OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Do formalismo no processo civil. São Paulo: Saraiva, 1997.
[5] CARNELUTTI, Francesco. Diritto e processo. Nápoles, 1985. p. 258.
[6] NUNES, Dierle José Coelho. Processo jurisdicional democrático. Curitiba: Juruá, 2008.
[7] MITIDIERO, Daniel. Colaboração no processo civil: pressupostos sociais, lógicos e éticos. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2011.
[8] OLIVEIRA, op. cit., p. 114.
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