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Novo CPC: vale apostar na conciliação/mediação?

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NOVO CPC

PROCESSO CIVIL

Novo CPC: vale apostar na conciliação/mediação?

CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

CONCILIAÇÃO

CPC

CPC 2015

MEDIAÇÃO

NOVO CPC

Fernando Gajardoni
Fernando Gajardoni

26/01/2015

Sempre fui um real entusiasta da substituição da cultura da sentença pela cultura da pacificação. Em 2004 participei, com outros colegas, de um projeto piloto do TJSP e do CEBEPEJ (Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais), para implantar, pioneiramente no Estado de São Paulo, um projeto de gerenciamento de processos na justiça estadual de 1º grau (Processo CSM G-37.979/04).

Objetivava-se, entre outras coisas, fomentar a prática da conciliação/mediação, estabelecendo que o magistrado, ao fazer o controle das iniciais distribuídas, encaminhasse aqueles casos que, efetivamente, vislumbrasse a possibilidade da autocomposição, para uma audiência inaugural facultativa, realizada por um setor de mediação/conciliação da unidade, composto não por juízes, mas sim por advogados voluntários, psicólogos, assistentes sociais e estagiários. Obtido o acordo, o processo acabava por ali mesmo. Infrutífero, o réu sabia que, a contar da audiência, tinha o prazo de 15 (quinze) dias para contestar via advogado.

A experiência foi um sucesso total, com a celebração de acordo em mais de 50% dos conflitos mediados/conciliados [1]. Avaliou-se que o êxito do projeto se deveu aos seguintes fatores: 1º) a conciliação/mediação não era obrigatória; 2º) a audiência só se realizava nos processos que os direitos admitissem a autocomposição, mas desde que o magistrado vislumbrasse, à luz da controvérsia e do comportamento das partes em casos pretéritos semelhantes, a possibilidade de acordo (Tribunal Multi Portas); 3º) o ato era realizado por conciliadores/mediadores treinados/vocacionados para a prática, e não pelos juízes (que podiam dedicar seu tempo às decisões, sentenças, etc.); 4º) as audiências aconteciam rapidamente, em um intervalo máximo de 90 dias da propositura da ação; e 5º) as audiências de conciliação/mediação eram gratuitas e facultativas, podendo quaisquer das partes, sem sanções, declinar o desinteresse na audiência ou não comparecer ao ato designado.

O Novo CPC, de modo absolutamente correto, aposta muitas de suas fichas na solução consensual dos conflitos. O texto base, aprovado no Senado, usa as expressões “mediação” e “conciliação” ao menos 44 (quarenta e quatro) vezes, colocando, entre as normas fundamentais do processo civil, o dever do Estado de incentivar a solução consensual dos conflitos (art. 3º, §§ 2º e 3º do CPC/2015).

Disciplina, ainda, a figura do mediador/conciliador – profissional qualificado por prévio curso de capacitação, recrutado por concurso público (cargo público) ou mediante cadastramento junto ao Poder Judiciário (art. 167 do CPC/2014) –, que, doravante, será remunerado conforme regramento a ser editado pelo CNJ/Tribunais. E o mais importante: estabelece que nas ações de rito comum (modelo procedimental que substituirá os ritos ordinário e sumário), o juiz, logo ao despachar inicial, designará audiência de conciliação ou de mediação, a ser conduzida, onde houver, necessariamente por conciliador ou mediador.

Alguns fatores legislativos e materiais, contudo, podem comprometer a eficácia desta audiência inaugural de conciliação/mediação, ou mesmo causar perplexidade nas partes e procuradores.

Vale apostar na conciliação/mediação?

De fato, a audiência de conciliação/mediação será quase obrigatória. Só não será realizada se o direito em debate não admitir autocomposição, ou se ambas as partes, expressamente, declinarem desinteresse (art. 331, § 5º, do CPC/2015), vedado ao magistrado “dispensar” o ato, mesmo vislumbrando a total improbabilidade do acordo.

Ora, um Código tão festejado por ser democrático e dar voz às partes, contraditoriamente, não privilegia a vontade delas; não dispensa o ato, tal como constava na versão do Senado, quando quaisquer das partes (e não apenas ambas) declinarem desinteresse; não confia no juiz a aferição dos casos em que a mediação/conciliação não tem a menor chance de frutificar.

A opção traz problemas práticos concretos: a) quebra-se aquilo que de mais caro há nos métodos consensuais de solução de conflito, a autonomia da vontade, lançada pelo próprio legislador como princípio da mediação (art. 166 CPC/2015); b) burocratiza-se a mediação/conciliação, obrigando todas as partes, mesmo não querendo, a se submeter a ela, simplesmente porque uma delas deseja; e c) dá azo a manobras processuais protelatórias, com um dos demandados aceitando a audiência, apenas, para ganhar mais alguns meses de tramitação processual, sem possibilidade de intervenção judicial para obstar a manobra; e d) torna maior o custo do processo, pois além do pagamento pelos serviços do mediador/conciliador, o demandado domiciliado em outra localidade, praticamente em todas as ações, deverá se deslocar para a audiência de mediação/conciliação no foro da propositura.

E tudo isso temperado pela cominação de que o não comparecimento injustificado ao ato será considerado ato atentatório à dignidade da justiça, sancionando-se o ausente com multa de até dois por cento da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, revertida em favor da União ou do Estado (art. 331, § 8º, CPC/2015).

Há, também, a questão do custo com a mediação/conciliação judicial, atualmente prestada voluntariamente por abnegados profissionais.
Como não há almoço grátis, o Novo CPC estabelece que, ressalvada a situação dos conciliadores/mediadores detentores de cargo público, os demais receberão pelo seu trabalho remuneração prevista em tabela fixada pelo tribunal, conforme parâmetros estabelecidos pelo CNJ. Mas à exceção dos beneficiários da Justiça Gratuita – cuja mediação/conciliação será feita, graciosamente, por centros privados cadastrados ou mediadores/conciliadores voluntários –, o Novo CPC não deixa claro quem pagará por isto.

Pese a omissão do art. 84 do CPC/2015 (em enunciar a remuneração dos mediadores/conciliadores como despesas processuais), cogita-se que quem pagará pela mediação/conciliação sejam as partes, na forma do art. 82 do CPC/2015 (o que tornará mais caro o ato de demandar). Se forem mesmo elas como se cogita, só fará sentido o autor antecipar o pagamento se ele desejar o ato; se não declinar, na inicial, desinteresse.

Não havendo interesse, competirá ao réu, caso também não manifeste desinteresse pelo ato, antecipar o pagamento por ele, mesmo o processo tendo mal começado. Realizada a audiência por ausência de declinação de quaisquer das partes, se houver acordo, as partes deliberarão sobre as despesas processuais (art. 90, § 2º, CPC/2015). Não havendo, ao final o vencido pagará a despesa com a mediação/conciliação (art. 82, § 2º, CPC/2015).

Ou seja, a impressão que se tem é que poucos vão querer antecipar o custo da mediação/conciliação judicial, consequentemente, declinando desinteresse no ato. Se quisessem, teriam pagado pela mediação/conciliação extrajudicial. E a audiência inaugural de mediação/conciliação, de quase obrigatória, somente acabaria por acontecer nos casos em que: a) as partes se dispusessem antecipar o pagamento pelo ato; b) nos que MP, Defensoria Pública e Fazendas fossem partes (já que não precisam antecipar pagamento – art. 91 CPC/2015); e c) nos casos de partes beneficiárias da Justiça Gratuita (onde o ato é “grátis”).

Aliás, mesmo nos casos de gratuidade judiciária, o sucesso da audiência inaugural de conciliação/mediação fica a depender da existência de mediadores/conciliadores voluntários, ou câmaras privadas de mediação cadastradas para prestar este serviço. Se não houver e o juiz tiver que realizar audiência inaugural em todos os processos, será literalmente o caos. Não só pelo atraso que isto representará no processamento dos feitos. Mas também porque isto viola, expressamente, o princípio da confidenciabilidade da mediação (art. 166 do CPC/2015).

Poderia se cogitar de o custeio dos honorários do mediador/conciliador ser integralmente suportado pelos Tribunais, com verbas de seu orçamento. Mas a opção, além de não estar clara no Novo CPC, esbarraria nas restrições orçamentárias do Poder Judiciário, bem como levaria ao necessário aumento das custas processuais. Certamente o Judiciário acabaria optando pelo modelo de voluntariado que precariamente funciona atualmente.

Enfim, vale apostar na conciliação/mediação, tal como faz o Novo CPC. Mas para ela funcionar a contento, indispensável que as partes sejam deixadas livres para decidir pela participação ou não no ato; que haja estrutura adequada nas unidades judiciais ou nos CEJUSCs, para que o magistrado seja desonerado do encargo de presidir as audiências inaugurais do rito comum (o que não é sequer recomendado tecnicamente); que o custeio da mediação/conciliação seja repensado, melhor disciplinado, a fim de remunerar adequadamente o profissional, mas sem inviabilizar a participação das partes neste importante ato.

[1] – Tanto que o TJSP editou, logo ao fim do projeto piloto, e muito antes da Resolução 125/2010 do CNJ (que trata da política nacional de resolução adequada de conflitos pelo Poder Judiciário), os provimentos n. 893/2004 e 953/2005, autorizando a instalação dos setores de conciliação/mediação em todas as Comarcas do Estado.


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