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Luiz Guilherme Loureiro

Luiz Guilherme Loureiro

29/04/2015

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Os registradores e os notários integram duas instituições distintas que, por meios e instrumentos jurídicos diversos, perseguem objetivos e finalidades semelhantes, dentre os quais se avulta a segurança jurídica.

Com efeito, os registros públicos e o notariado integram, com outras entidades, o denominado sistema jurídico preventivo. Na tutela dos direitos e liberdades individuais, o Estado pode escolher, em regra, dois tipos de procedimentos jurídicos: o sistema repressivo e o sistema preventivo.

No primeiro tipo, o Estado atribui uma sanção às condutas que violam as normas jurídicas. Em outras palavras, o ordenamento jurídico garante o exercício de direitos e liberdades públicas até certo limite, que não prejudique ou impeça o exercício das mesmas faculdades pelos demais membros da sociedade civil. A transgressão a tal limite é tipificada como um ato infracional e acarreta uma sanção (de natureza penal, civil ou administrativa) pronunciada pelo juiz competente.

No segundo tipo (sistema preventivo), o exercício do direito é condicionado a um controle prévio destinado a prevenir seus abusos. Enquanto o regime repressivo se preocupa em punir o autor do ato ilícito, com a esperança de que o exemplo de um castigo severo possua um efeito dissuasivo, a prevenção procura, atuando sobre as causas, impedir a infração.

No pensamento comum ou na linguagem leiga, o termo “prevenção” tem uma conotação liberal, evoca maior liberdade de ação por parte do particular. No entanto, na verdade, como bem observam Rivero e Moutouh,[1] o regime repressivo é mais comum nos sistemas políticos mais liberais, e o regime preventivo é preferido nos Estados que optam por uma maior regulamentação da vida social e econômica.

O princípio do sistema de repressão é de que a liberdade é a regra e, portanto, tudo o que não é proibido pela lei é permitido. Ele parte do pressuposto de que o cidadão conhece a lei e, por conseguinte, sabe de antemão o que pode e o que não pode fazer: se ele decide passar do limite, o faz como homem livre que optou pelo risco da sanção. Logo, esse sistema expressa as ideias liberais do Estado mínimo: só intervêm aqueles poderes estatais que a tradição liberal considera mais eficazes (o legislador e o juiz), sem qualquer espaço para intervenção do Executivo na esfera da conduta particular.

Do ponto de vista do cidadão, alguns autores sustentam que esse sistema permite o exercício imediato da liberdade, uma vez que não impõe a observância de nenhuma formalidade prévia que sirva de obstáculo ou retarde o ato de vontade. Por outro lado, uma vez lesado o seu direito pelo ato ilícito de outrem, somente lhe resta pedir ao juiz a indenização e torcer para que o infrator tenha patrimônio suficiente para cumprir tal obrigação, ou, então, contratar um seguro que lhe garanta a indenização dos danos sofridos.

O sistema preventivo é considerado menos liberal porque suscita a intervenção prévia de um agente estatal. Em regra, essa autoridade exerce uma atividade administrativa, identificada com o Poder Executivo, visto pelo liberalismo com o máximo de suspeita (ob. cit., p. 229). Os autores liberais temem que essa intervenção seja mais sensível à preocupação com a ordem do que ao respeito à liberdade, e consideram, ademais, que ela restringe a liberdade das partes.

Essa incompatibilidade entre os dois regimes, entretanto, não é constante. Assim como as modalidades do regime repressivo podem diminuir ou mesmo suprimir seu valor liberal, também o caráter autoritário do regime preventivo pode ser atenuado de acordo com as formas que ele assume na prática. Na realidade, existem várias modalidades de regime preventivo que não implicam grandes obstáculos à liberdade, podendo até mesmo reforçar esse direito, e que, além do mais, garantem outros direitos fundamentais e valores essenciais ao cidadão é à sociedade, como a segurança jurídica e a tutela da propriedade e da família.

Dentre as modalidades do sistema preventivo menos atentatórias à liberdade tão cara ao ideal liberalista, incluem-se a publicidade registral e o documento notarial. Ambos os institutos tutelam preventivamente os mais importantes direitos dos cidadãos.

O notário, ao intervir no contrato e dar forma jurídica à vontade das partes, assegura a validade e a eficácia dos direitos e obrigações daí decorrentes. Para tanto, ele observa o princípio da legalidade, mediante a exigência e análise dos documentos exigidos por lei para a realização do negócio jurídico pretendido (qualificação notarial). Além do mais, esse profissional tem a obrigação de assessorar as partes, explicando os efeitos e as consequências do ato que pretendem celebrar. Em outras palavras, ele confere maior segurança às relações jurídicas, evitando ou mitigando a possibilidade de litígios futuros, ou mesmo desencorajando as demandas de má-fé, uma vez que caberia ao autor destruir a presunção de veracidade e a autenticidade do documento notarial.

O registrador, ao qualificar os fatos, atos e títulos que podem ter acesso ao registro público, assegura a cognoscibilidade de informações relevantes para terceiros, tais como: a identidade e o estado civil de uma pessoa; a composição de uma sociedade, seu capital social e as normas que a regem; a circulação de direitos obrigacionais e creditícios; e a titularidade da propriedade e demais direitos reais imobiliários. Dependendo de sua natureza, o registro faz prova de fatos jurídicos, garante a oponibilidade e mesmo a constituição de determinados direitos: para a aquisição de direitos reais imobiliários por atos entre vivos, além do título (ex. escritura pública), é preciso que se verifique o modo (inscrição no Registro de Imóveis).

Todavia, além de conferir segurança, validade, eficácia e publicidade de fatos, atos e direitos dos particulares, tanto o notário quanto o registrador cumprem outra importante função em benefício da sociedade e do Estado, sem qualquer ônus para os cofres públicos, e que se traduz no dever de prestar determinadas informações que possibilitam a adoção e o aperfeiçoamento de políticas estatais das mais diversas naturezas.

Com efeito, as funções notariais e de registro, embora exercidas por particulares em caráter privado, constituem funções estatais (art. 236, CF), de cujo controle o Estado não pode desprender-se. O bom funcionamento de tais atividades está sob a garantia do Estado, de modo que não pode ser prestada senão por notários e registradores sujeitos a esse poder de controle estatal. É justamente a submissão a esse controle estatal que obriga aqueles profissionais do direito ao cumprimento de um dever de informação perante as autoridades estatais, além da sujeição a um poder de fiscalização.

São cada vez mais numerosos as obrigações de informação e os deveres de cooperação que recaem sobre esses profissionais: vão desde o dever de cooperar com a arrecadação fiscal ao dever de prevenir crimes financeiros, como a fraude tributária, a corrupção e a lavagem de dinheiro. Apenas a título de ilustração, sem a preocupação de apresentar um rol exaustivo, podemos citar alguns dos deveres de informação e de colaboração que recaem sobre os notários e registradores.

No campo fiscal, podem ser citados os deveres de fiscalizar o recolhimento dos tributos incidentes sobre os atos que realizam (v.g., ITDMC e ITBI), de remeter à Receita Federal as declarações sobre operações imobiliárias – DOI (Instrução Normativa 1.112/2010). Em alguns Estados, como São Paulo, o notário é obrigado a informar quinzenalmente a Fazenda Estadual e remeter dados sobre escrituras públicas (por meio telemático) em que há recolhimento de tributo estadual.

Também devem ser remetidas a esse órgão informações sobre transferência de veículos e cópia digital do documento respectivo por ocasião do reconhecimento de firma por autenticidade das partes para que o Estado possa recolher o IPVA do novo proprietário (Lei Estadual 13.296, de 23 de dezembro de 2008). Além das cópias digitalizadas, frente e verso, dos certificados de registro de veículo preenchidos e com firma reconhecida por autenticidade, em arquivo no formato “PDF” e com assinatura digital contida em documento do tipo P7S, devem ser enviadas no prazo de 72 horas as seguintes informações: a) dados do veículo; b)? Renavam; c) placa; d) número do CRV (Espelho); e) dados do adquirente; f)?tipo de documento (CPF/CNPJ); g) número do documento; h) nome; i) endereço completo, com logradouro, número, complemento, bairro, CEP, município e entidade federativa; j)?data da transferência; k) data do reconhecimento da firma; l)?número do livro de registro, número da folha e número do ato; m) dados do reconhecimento da firma do adquirente?(data do reconhecimento da firma, número e fls. do livro, número do ato); e n) nome do arquivo imagem transmitido.

Tal atividade desobriga o adquirente de proceder ao registro do veículo no Detran, e não implica qualquer custo para ele (salvo o pagamento dos emolumentos pelo reconhecimento de firma e extração das cópias autenticadas). Na verdade, trata-se de imposição de uma obrigação tributária acessória ao notário, pois o descumprimento do dever de informação, ou sua prestação inexata ou incompleta, estão sujeitos à imposição da multa equivalente ao valor de 30 UFESPs por veículo, cerca de R$ 604,20 (art. 39, III, da Lei 13.296/08).[2]

Até algum tempo atrás, esses profissionais deviam exigir a certidão negativa de débito (CND) fornecida pelo órgão competente, para a lavratura de escritura pública, alienação ou oneração, a qualquer título, de bem imóvel ou direito a ele relativo, e ainda naquelas que tinham por objeto a incorporação, cisão ou fusão de sociedades, dentre outros atos (art. 47 da Lei 8212/1991 e Lei 7.711/1998). No entanto, o STF considerou que tal exigência caracteriza uma sanção política, proibida pela Constituição.[3] Contudo, tal exigência perdura em atos como a lavratura de escritura de inventário e partilha (uma vez que devem ser pagas as despesas do falecido antes da partilha do ativo) e averbação de construção (verificação da obrigação de pagamento da contribuição social devida aos obreiros).

No campo penal, os notários e registradores têm o dever de informação ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), sempre que houver fundada suspeita de que o negócio no qual intervém se destina à lavagem de dinheiro ou outro delito financeiro (Resolução COAF 24/2013). Cabe-lhes avaliar a existência de fatos suspeitos nas operações de seus clientes, que possam configurar sérios indícios dos crimes de lavagem de dinheiro.

Devem, por exemplo, ser comunicados ao COAF: a) a operação que aparente não ser resultante de atividades ou negócios usuais do cliente ou do seu ramo de negócio; b) a operação cuja origem ou fundamentação econômica ou legal não sejam claramente aferíveis; c) o negócio incompatível com o patrimônio ou com a capacidade econômico-financeira do cliente; e d) o contrato cujo beneficiário final não é possível identificar. Também deve ser comunicada qualquer operação que envolva o pagamento ou recebimento de valor igual ou superior a R$ 30.000,00 (trinta mil reais) ou equivalente em outra moeda, em espécie ou por meio de cheque emitido ao portador, inclusive a compra ou venda de bens móveis ou imóveis que integrem o ativo das pessoas jurídicas.

No que tange à defesa da soberania e à política de segurança, a Lei 5.709/1971 determina aos notários e registradores de imóvel o envio trimestral, à Corregedoria-Geral da Justiça e ao Ministério da Agricultura, de informações sobre aquisições de áreas rurais por pessoas estrangeiras, com menção dos nomes e identificação dos contratantes, descrição do imóvel e transcrição da autorização do órgão competente. A inobservância da obrigação em tela implica a perda da delegação (art. 11).

Outras informações exigidas particularmente dos registradores civis das pessoas naturais visam auxiliar na formulação de políticas governamentais ou dificultar fraudes contra órgãos públicos relacionadas à identificação da pessoa.

Visando a concretização da primeira finalidade, dispõem os art. 49 e 50 da Lei 6.015 que ele deve remeter trimestralmente à Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, e também às circunscrições militares e eleitorais, informações sobre nascimentos, casamentos e óbitos ocorridos no trimestre anterior, sob pena de multa de um a cinco salários mínimos, sem prejuízo da ação penal que no caso couber e sanção administrativa (art. 31, I, Lei 8.935/1994).

Recentemente, foi editada a Lei 13.114/2015 que obriga o registrador civil a comunicar o óbito à Receita Federal e à Secretaria de Segurança Pública da unidade da Federação que tenha emitido a cédula de identidade, exceto se, em razão da idade do falecido, essa informação for manifestamente desnecessária (nova redação do parágrafo único do art. 80 da Lei 6.015/1973). Ao contrário dos dispositivos supracitados, o novo preceito não impõe pena de multa em caso de descumprimento. No entanto, a não observância dessa regra jurídica implica responsabilidade administrativa disciplinar, nos termos do art. 31, I, da Lei 8.935/1994.

Cabe repetir que os deveres de informação e cooperação antes mencionados são apenas exemplificativos. Outros são exigidos por leis. A par das normas já existentes, novas atribuições poderiam ser visadas pelo legislador, dada a sua importância para a sociedade e para o Estado, como o fornecimento de informações, aos municípios e autoridades ambientais, de operações que importem em mutação jurídico-real de imóveis urbanos ou que sejam do interesse da política de proteção do meio ambiente urbano e natural.[4]

Do que foi exposto conclui-se que os notários e os registradores exercem funções de grande relevância para o particular, consistentes na tutela das liberdades públicas, tais como a liberdade de contratar com conhecimento de causa, a igualdade e solidariedade contratual, a propriedade privada, a prova da identidade e do estado civil e familiar, entre outras. Como agentes formadores do sistema preventivo do direito, esses profissionais reforçam a segurança jurídica e a paz social, sem que seja necessário recorrer ao Judiciário, o que beneficia a administração da justiça e a sociedade como um todo. Ademais, eles atuam, ainda que indiretamente e sem qualquer ônus, como uma espécie de fiadores do cumprimento de deveres de um Estado Democrático de Direito, como aqueles que dizem respeito à observância das leis de ordem pública, ao recolhimento dos tributos necessários para o custeio da máquina pública, ao combate à lavagem de dinheiro e outros ilícitos, dentre outras missões e políticas estatais relevantes.


[1]Liberdades públicas, São Paulo: Martins Fontes, p. 121 e seguintes.
[2] Artigo 39. Constituem condutas passíveis de imposição de multa: (…); III – deixar de prestar informações quando obrigado, ou fazê-lo de forma inexata ou incompleta: multa correspondente a 30 (trinta) UFESPs por veículo.
[3] STF, ADI 173, Rel. Min. Joaquim Barbosa.
[4] Codificações normativas de alguns estados preveem normas que determinam que o notário e o registrador informem as autoridades municipais sobre escrituras e registros que importem transmissão de domínio ou posse para fins de atualização do cadastro imobiliário e cobrança do IPTU e outros tributos municipais concernente ao imóvel urbano.

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