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Planos de Demissão Incentivada na Atual Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal

CONTRATO DE TRABALHO

EMPREGADO

EMPREGO

OJ 270

ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL 270 DA SBDI-I

PDV

PROGRAMA DE INCENTIVO À DEMISSÃO VOLUNTÁRIA

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 590.415

STF

SÚMULA 330

Gustavo Filipe Barbosa Garcia

Gustavo Filipe Barbosa Garcia

04/05/2015

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Muito se tem debatido, na doutrina e na jurisprudência, a respeito da validade e do alcance da adesão aos chamados planos de demissão incentivada, no âmbito das relações de trabalho[1].

O entendimento anteriormente firmado pelo Tribunal Superior do Trabalho, conforme a Orientação Jurisprudencial 270 da SBDI-I, é no sentido de que:

Programa de incentivo à demissão voluntária. Transação extrajudicial. Parcelas oriundas do extinto contrato de trabalho. Efeitos. A transação extrajudicial que importa rescisão do contrato de trabalho ante a adesão do empregado a plano de demissão voluntária implica quitação exclusivamente das parcelas e valores constantes do recibo.

Aplicava-se, em essência, a previsão do art. 477, § 2.º, da CLT, ao dispor que “o instrumento de rescisão ou recibo de quitação, qualquer que seja a causa ou forma de dissolução do contrato, deve ter especificada a natureza de cada parcela paga ao empregado e discriminado o seu valor, sendo válida a quitação, apenas, relativamente às mesmas parcelas”.

Com isso, entendia-se que, mesmo no caso de adesão aos planos de demissão incentivada, “a quitação passada pelo empregado, com assistência de entidade sindical de sua categoria, ao empregador, com observância dos requisitos exigidos nos parágrafos do art. 477 da CLT, tem eficácia liberatória em relação às parcelas expressamente consignadas no recibo, salvo se oposta ressalva expressa e especificada ao valor dado à parcela ou parcelas impugnadas” (Súmula 330 do TST).

Entretanto, essa “quitação não abrange parcelas não consignadas no recibo de quitação e, consequentemente, seus reflexos em outras parcelas, ainda que estas constem desse recibo” (Súmula 330, inciso I, do TST).

Ademais, “quanto a direitos que deveriam ter sido satisfeitos durante a vigência do contrato de trabalho, a quitação é válida em relação ao período expressamente consignado no recibo de quitação” (Súmula 330, inciso II, do TST).

Firmou-se ainda o entendimento de que a natureza jurídica do valor pago a título de incentivo à demissão voluntária é indenizatória, como forma de compensar a perda do emprego (mas não servindo para compensar outras verbas trabalhistas devidas), segundo a Orientação Jurisprudencial 207 da SBDI-I do TST:

Programa de incentivo à demissão voluntária. Indenização. Imposto de renda. Não incidência. A indenização paga em virtude de adesão a programa de incentivo à demissão voluntária não está sujeita à incidência do imposto de renda.

A Lei 8.212/1991, no art. 28, § 9.º, alínea e, item 5, também prevê que não integram o salário de contribuição as importâncias “recebidas a título de incentivo à demissão”, afastando a incidência de contribuição previdenciária.

Além disso, salientando a impossibilidade de compensação da indenização paga em razão da adesão aos planos de demissão incentivada com outros créditos trabalhistas, reconhecidos posteriormente em juízo, cabe destacar a Orientação Jurisprudencial 356 da SBDI-I do TST:

Programa de incentivo à demissão voluntária (pdv). Créditos trabalhistas reconhecidos em juízo. Compensação. Impossibilidade. Os créditos tipicamente trabalhistas reconhecidos em juízo não são suscetíveis de compensação com a indenização paga em decorrência de adesão do trabalhador a Programa de Incentivo à Demissão Voluntária (PDV).

Não obstante, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, em 30 de abril de 2015, no Recurso Extraordinário 590.415, com repercussão geral reconhecida, fixou a tese de que a “transação extrajudicial que importa rescisão do contrato de trabalho, em razão de adesão voluntária do empregado a plano de dispensa incentivada, enseja quitação ampla e irrestrita de todas as parcelas objeto do contrato de emprego, caso essa condição tenha constado expressamente do acordo coletivo que aprovou o plano, bem como dos demais instrumentos celebrados com o empregado[2].

De acordo com a argumentação constante do voto do relator, Ministro Luís Roberto Barroso, a assimetria inerente à relação individual de emprego não se observa, ao menos não com a mesma intensidade, no âmbito das relações coletivas de trabalho.

Reconheceu-se, assim, que o Direito Coletivo do Trabalho possui peculiaridades e fundamentos próprios, com destaque aos princípios da equivalência dos contratantes coletivos, da lealdade na negociação coletiva e da adequação setorial negociada.

A Constituição da República, nesse enfoque, prestigia a legitimidade da solução dos conflitos trabalhistas de forma negociada, dando origem a instrumentos normativos produzidos pela autonomia privada coletiva, com destaque às convenções e aos acordos coletivos do trabalho.

Nesse sentido, em consonância com o art. 7.º, incisos VI, XIII, XIV e XXVI, da Constituição Federal de 1988, são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social, a “irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo”, a “compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho”, a “jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva” e o “reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho”.

Além disso, o art. 8.º, incisos III e VI, do texto constitucional acentua ser livre a associação profissional ou sindical, sendo atribuição dos sindicatos “a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria”, com a obrigatoriedade de sua participação “nas negociações coletivas de trabalho”.

Essa ênfase na autocomposição dos conflitos trabalhistas também é reconhecida no âmbito da Organização Internacional do Trabalho, conforme a Convenção 98, de 1949, aprovada no Brasil pelo Decreto Legislativo 49/1952 e promulgada pelo Decreto 33.196/1953, que dispõe sobre o direito de organização sindical e de negociação coletiva, e a Convenção 154, aprovada internamente pelo Decreto Legislativo 22/1992 e promulgada pelo Decreto 1.256/1994, versando sobre o fomento à negociação coletiva.

A negociação coletiva de trabalho, portanto, concretiza o diálogo e a democracia na sociedade, permitindo que os próprios interessados estabeleçam as normas mais adequadas para a superação dos conflitos em favor da paz social.

Prevaleceu o entendimento de que os referidos planos de demissão incentivada, quando aprovados por meio de convenções e acordos coletivos, “desempenham a relevante função de minimizar riscos e danos trabalhistas”. Concluiu-se, assim, que “não há qualquer argumento que justifique o não reconhecimento da quitação plena outorgada pela reclamante ou que enseje a invalidade do acordo coletivo que a autorizou. Ao fazê-lo, a decisão recorrida incorreu em violação ao art. 7.º, XXVI, da Constituição, uma vez que negou reconhecimento ao acordo coletivo com base em fundamentos ilegítimos, sendo de destacar que o respeito a tais acordos preserva o interesse da classe trabalhadora de dispor desse instrumento essencial à adequação das normas trabalhistas aos momentos de crise e à minimização dos danos ensejados por dispensas em massa” (STF, Pleno, RE 590.415/SC, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, j. 30.04.2015).

Para a melhor compreensão da matéria, transcreve-se a ementa do referido julgado:

DIREITO DO TRABALHO. ACORDO COLETIVO. PLANO DE DISPENSA INCENTIVADA. VALIDADE E EFEITOS. 1. Plano de dispensa incentivada aprovado em acordo coletivo que contou com ampla participação dos empregados. Previsão de vantagens aos trabalhadores, bem como quitação de toda e qualquer parcela decorrente de relação de emprego. Faculdade do empregado de optar ou não pelo plano. 2. Validade da quitação ampla. Não incidência, na hipótese, do art. 477, § 2.º, da Consolidação das Leis do Trabalho, que restringe a eficácia liberatória da quitação aos valores e às parcelas discriminadas no termo de rescisão exclusivamente. 3. No âmbito do direito coletivo do trabalho não se verifica a mesma situação de assimetria de poder presente nas relações individuais de trabalho. Como consequência, a autonomia coletiva da vontade não se encontra sujeita aos mesmos limites que a autonomia individual. 4. A Constituição de 1988, em seu art. 7.º, XXVI, prestigiou a autonomia coletiva da vontade e a autocomposição dos conflitos trabalhistas, acompanhando a tendência mundial ao crescente reconhecimento dos mecanismos de negociação coletiva, retratada na Convenção n. 98/1949 e na Convenção n. 154/1981 da Organização Internacional do Trabalho. O reconhecimento dos acordos e convenções coletivas permite que os trabalhadores contribuam para a formulação das normas que regerão a sua própria vida. 5. Os planos de dispensa incentivada permitem reduzir as repercussões sociais das dispensas, assegurando àqueles que optam por seu desligamento da empresa condições econômicas mais vantajosas do que aquelas que decorreriam do mero desligamento por decisão do empregador. É importante, por isso, assegurar a credibilidade de tais planos, a fim de preservar a sua função protetiva e de não desestimular o seu uso. 7. Provimento do recurso extraordinário. Afirmação, em repercussão geral, da seguinte tese: […]” (STF, Pleno, RE 590.415/SC, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, j. 30.04.2015).

Tendo em vista essa importante decisão, torna-se imperioso distinguir os planos de incentivo à demissão estabelecidos de forma unilateral, ou seja, apenas pelo empregador, daqueles pactuados por meio de negociação coletiva, com a participação dos sindicatos das categorias econômicas, constando de acordos coletivos de trabalho.

Na última hipótese, havendo cláusula que prevê a quitação ampla, geral e irrestrita de todos os direitos decorrentes do contrato de trabalho, que se extinguiu justamente em razão da adesão voluntária do empregado ao plano de incentivo à demissão, conferindo eficácia liberatória geral, prevaleceu o entendimento quanto à sua plena validade, exatamente por ser prevista em instrumento normativo pactuado com o sindicato que representa a categoria profissional, no exercício da autonomia da vontade coletiva.

Ainda assim, em termos reais e concretos, a nova orientação da jurisprudência parece não se sensibilizar com o fato de que, apesar de a cláusula que institui o plano de incentivo à demissão ser pactuada na esfera das relações coletivas de trabalho, mais especificamente por meio de negociação coletiva, em que as partes estão em condição relativamente isonômica, a adesão, em si, é feita pelo próprio empregado, no âmbito da relação individual de emprego, na qual vigora o princípio da indisponibilidade, pois a sua posição é de nítida assimetria, bem como de vulnerabilidade social e econômica em face do empregador.

Em regra, o empregado, ciente da irremediável perda do emprego, apenas adere formalmente ao plano de demissão incentivada, por já saber da inviabilidade de manutenção do contrato de trabalho.

Em verdade, também não se pode confundir o pagamento, como forma de extinção das obrigações (arts. 304 e seguintes do Código Civil de 2002), com a transação, que é modalidade contratual (arts. 840 e seguintes do Código Civil de 2002).

A rigor, a mera adesão a plano de demissão incentivada não possui natureza jurídica de transação, ainda que extrajudicial, pois ausente qualquer litígio, ainda que em potencial, por não se verificar o requisito da controvérsia, a ser solucionada por meio de concessões recíprocas das partes envolvidas.

Não se poderia, portanto, aplicar a eficácia da transação a instituto que não tem essa natureza jurídica, mas de simples pagamento de verbas rescisórias, mesmo com o acréscimo de parcela indenizatória, por se ter aderido ao programa de demissão, instituído para atender a eventuais interesses econômicos, financeiros, tecnológicos ou de gestão da empresa, a qual corre o risco do seu próprio empreendimento.

É imperioso não se confundir a possibilidade de transação, dentro de certos limites, na esfera da relação coletiva de trabalho, por meio de negociação coletiva, voltada à fixação genérica e abstrata de direitos e condições de trabalho, com uma suposta transação na esfera da relação individual de trabalho, entre empregado e empregador, a qual, em conformidade com o sistema jurídico em vigor, apenas é admitida perante órgãos específicos, voltados à pacificação de conflitos, como as Comissões de Conciliação Prévia (arts. 625-A e seguintes da CLT), possivelmente os centros de solução consensual de conflitos (arts. 165 e seguintes do CPC de 2015), os núcleos de conciliação e mediação e a própria Justiça do Trabalho (art. 764 da CLT).

A assistência prestada pelo órgão do Ministério do Trabalho e Emprego, ou mesmo pela entidade sindical, no pagamento das verbas rescisórias, evidentemente, não tem qualquer conotação transacional, muito menos coletiva, justamente porque visa apenas a quitar valores incontroversos e devidos pelo empregador.

Como se pode notar, essa quitação ampla e irrestrita de todas as verbas decorrentes do contrato de trabalho, decorrente do mero pagamento de parcelas devidas e reconhecidas pelo empregador, sob o nome formal de adesão a plano de demissão incentivada, ainda que previsto em cláusula de acordo coletivo, pode acabar atingindo o direito fundamental de se postularem prestações sociais e trabalhistas inadimplidas, em desprestígio à garantia de efetivo acesso à ordem jurídica justa (art. 5.º, inciso XXXV, da Constituição da República), distanciando-se do mandamento constitucional de valorização social do trabalho.


[1] Cf. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito do trabalho. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 714-721.
[2] Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/RE590415Voto.pdf>.

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