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Guilherme de Souza Nucci

Guilherme de Souza Nucci

16/06/2015

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A República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito, tendo por fundamento a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF). Dentre seus objetivos essenciais está a erradicação da pobreza e da marginalização, com a redução das desigualdades sociais e regionais (art. 3º, III, CF). Além disso, “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza” (art. 5º, caput, CF).

Diante da meridiana clareza do texto constitucional, não se pode cogitar de acolher, sob a ótica do Estado Democrático de Direito, a distinção entre pessoas, para o fim de recolhimento ao cárcere, baseado em títulos e cargos, sem qualquer vínculo com a necessidade. Por isso, é inconstitucional a prisão especial, prevista, em particular, no art. 295 do Código de Processo Penal, e em outras normas de legislação especial.

Preceitua o referido art. 295: “Serão recolhidos a quartéis ou a prisão especial, à disposição da autoridade competente, quando sujeitos a prisão antes de condenação definitiva: I – os ministros de Estado; II – os governadores ou interventores de Estados ou Territórios, o prefeito do Distrito Federal, seus respectivos secretários, os prefeitos municipais, os vereadores e os chefes de Polícia; III – os membros do Parlamento Nacional, do Conselho de Economia Nacional e das Assembleias Legislativas dos Estados; IV – os cidadãos inscritos no “e; Livro de Mérito”e;; V – os oficiais das Forças Armadas e os militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios; VI – os magistrados; VII – os diplomados por qualquer das faculdades superiores da República; VIII – os ministros de confissão religiosa; IX – os ministros do Tribunal de Contas; X – os cidadãos que já tiverem exercido efetivamente a função de jurado, salvo quando excluídos da lista por motivo de incapacidade para o exercício daquela função; XI – os delegados de polícia e os guardas-civis dos Estados e Territórios, ativos e inativos. § 1o A prisão especial, prevista neste Código ou em outras leis, consiste exclusivamente no recolhimento em local distinto da prisão comum.§ 2o Não havendo estabelecimento específico para o preso especial, este será recolhido em cela distinta do mesmo estabelecimento. § 3o A cela especial poderá consistir em alojamento coletivo, atendidos os requisitos de salubridade do ambiente, pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequados à existência humana. § 4º. O preso especial não será transportado juntamente com o preso comum. § 5o Os demais direitos e deveres do preso especial serão os mesmos do preso comum”.

Observa-se a preocupação da lei em isolar o denominado preso especial de outra categoria de presos, o comum. Eles não poderão nem mesmo ser transportados juntos numa só viatura (§ 4º). Chega-se ao ponto de especificar o óbvio, vale dizer, a cela especial deverá atender a requisitos de salubridade do ambiente, com fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequados à existência humana (§ 3º). Ora, por acaso os chamados presos comuns não teriam direito às mesmas celas, devidamente adequadas à sua existência, humanos que também são? Quais fatores levam o legislador a pretender a separação – inclusive no transporte – entre especiais e comuns? Não há, sob nosso entendimento, explicação plausível para tanto.

Os presos provisórios, recolhidos ao cárcere por força de prisão cautelar, devem – todos eles – ficar separados dos condenados definitivamente. Precisam, ainda, ser divididos entre reincidentes e primários; entre portadores de maus antecedentes e de bons antecedentes; entre praticantes de crimes graves e crimes médios ou leves. Essas são as naturais e justas divisões entre presos, não porque ocupam cargos especiais ou possuem qualquer nobre titulação, mas pelo fato de não merecerem conviver com pessoas humanas diferenciadasno plano criminal.

Se a prisão é provisória, podendo o processo redundar em absolvição, não é correto misturar o preso cautelar com o condenado, visto pretender-se evitar qualquer influência negativa deste em relação àquele. O mesmo se diga das demais formas de separação. Porém, colocar em lugares distintos o médico, por ter diploma de curso superior, e o carpinteiro, por ser iletrado, ambos tendo cometido o crime de homicídio, por exemplo, além de serem primários e sem antecedentes, é uma demonstração inequívoca de desigualdade condenável. Inexiste razão plausível para que o médico não possa dividir uma cela com o carpinteiro. A periculosidade de ambos é semelhante, logo, não se pode alegar qualquer risco.

A realidade, difícil de ser absorvida, em verdade, demonstra que a prisão especial torna-se uma necessidade para a classe privilegiada da nação brasileira, pois se sabe que as celas são lotadas, imundas e insalubres, em grande parte dos casos. Por isso, assegurando-se um lugar especial para aguardar o julgamento, pode-se exigir do Estado providências para que tal cela seja alcançada. Afinal, há previsão expressa no art. 295. O descumprimento daria margem à alegação de constrangimento ilegal e, por via de consequência, habilitaria à concessão de habeas corpus, deferindo-se a liberdade ou a prisão domiciliar.

A classe pobre da população, quando ingressa na prisão provisória, embora devesse receber o mesmo trato e zelo, não dispõe de norma expressa, determinando até mesmo os requisitos da cela, como salubridade, com fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico. Então, se postas em lugar fechado, sem luz direta, gelado ou muito quente, desde que não ultrapassado o prazo razoável de duração da prisão, aí podem ser mantidas, sem que se justifique a concessão de habeas corpus.

Pode-se argumentar que profissionais ligados à Justiça criminal ou ao Estado-investigação, se forem presos, poderiam ser mortos na cadeia, caso não houvesse separação. Ora, tal medida é diferente. Colocar um policial em presídio apropriado, quando em prisão cautelar, não diz respeito, simplesmente, ao seu status em sociedade, mas à segurança de sua vida. O mesmo não ocorre com o exemplo supra citado do médico e do carpinteiro, que necessitem dividir a mesma cela.

Não bastasse a existência da prisão especial, encontramos várias carreiras jurídicas com prisão super especial, não desejando permanecer nem mesmo na cela de médicos, engenheiros, químicos, professores, jornalistas etc. São merecedores de sala de Estado-Maior das Forças Armadas, como os juízes, advogados e membros do Ministério Público, por exemplo. As leis especiais criam a prisão mais que especial, dando ensejo, caso não encontradas em determinada Comarca, à concessão de habeas corpus para que sejam recolhidos em prisão domiciliar.

O quadro exposto retrata um Brasil dividido por castas, em matéria de prisão cautelar: os comuns, os especiais e os super especiais. Nada disso é compatível com a igualdade de todos os brasileiros perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. O cuidado com a prisão provisória deve existir, sem dúvida, porém voltado à pessoa do criminoso (o que fez, quem é e qual seu passado em matéria criminal). Separações, por cautela e para preservação da dignidade e da vida humana, somente devem ser acolhidas, quando disserem respeito a fatos e não a títulos.

A prisão especial representa um resquício de desigualdade inadmissível para o Estado Democrático de Direito no Brasil.


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