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Como identificar a Lesão levíssima: a Regra dos 6 passos e outros aspectos

ART. 209 DO CPM

CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

COM

CRIME DE LESÃO CORPORAL

CRIMES MILITARES

ERROR IN PROCEDENDO

FORÇAS ARMADAS

ILICITUDE

JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL

JUSTIÇA MILITAR

Adriano Alves-Marreiros

Adriano Alves-Marreiros

18/06/2015

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Importante ressaltar o que dispõe o CPM sobre as lesões levíssimas. Enquanto qualquer aplicação do chamado Princípio da Insignificância no CP é meramente supralegal e, por isso, questionável, no caso do CPM é coisa positivada neste artigo e nos crimes contra o patrimônio. Vejamos:

Lesão levíssima

§ 6º No caso de lesões levíssimas, o juiz pode considerar a infração como disciplinar.

Em primeiro lugar, temos que saber o que são lesões levíssimas. A lei não define e não é tão freqüente na jurisprudência. Entendemos que, para chegarmos a tal conceito, teríamos que partir da definição de lesão corporal leve. E o curioso é que praticamente todos os autores definem a lesão leve, por esse mesmo critério de exclusão em relação às lesões graves – as que não forem graves segundo as hipóteses arroladas na lei – até porque o CP comum não trata de lesões levíssimas, termo exclusivo do CPM, e do CPM de 1969, pois não constava dos CPM de 1891 e 1944. Ao comentar o artigo 209, Ramagem Badaró faz grandes análises de praticamente tudo, mas restringe-se a dizer que “no caso do Parágrafo 6odeste artigo em análise,sendo levíssimas as lesões, faculta a lei penal que o julgador considere o fato como infração disciplinar”. Assis discorre bastante sobre a natureza jurídica do dispositivo, sobre uma suposta confusão e impropriedade de o CPM facultar ao juiz considerar a infração como disciplinar. Mas não soluciona o problema de definir o que seria uma lesão levíssima. Consulta a vários outros autores não dá soluções e a jurisprudência é casuística, dizendo que esta ou aquela lesão não é ou é levíssima. Acreditamos que a fórmula comum, e que abrangerá essas hipóteses casuísticas que a jurisprudência cita e servirá para analisar outras, se baseia em método semelhante ao usado pela doutrina para a leve. Se não há causa perigo de vida, debilidade permanente de membro, sentido ou função, ou incapacidade para as ocupações habituais, por mais de trinta dias, enfermidade incurável, perda ou inutilização de membro, sentido ou função, incapacidade permanente para o trabalho, ou deformidade duradoura, a lesão, no direito comum seria sempre leve. O mesmo no militar, mas temos que definir a levíssima. Ora, a contrario senso a lesão leve seria aquela que não causasse efeitos permanentes nem por tempo superior ao definido na Lei, isto é, a lesão corporal que atenda a qualquer uma das seguintes condições:

  1. causa debilidade temporária de membro, sentido ou função que não incapacite para as ocupações habituais ou incapacite por 30 dias ou menos;
  2. por outra razão incapacita para as ocupações habituais, por trinta dias ou menos;
  3. causa enfermidade curável, incapacidade temporária de membro, sentido ou função que não incapacitem para as ocupações habituais ou incapacitem por30 dias ou menos;
  4. causa incapacidade temporária para o trabalho por menos de trinta dias ou
  5. causa deformidade temporária, que não incapacite para as ocupações habituais ou incapacite por 30 dias ou menos.

Com base nessa lógica, a lesão levíssima seria aquela que atenda simultaneamente a todas as seguintes condições:

Passo 1: não causa perigo de vida:

Passo 2: não causa qualquer debilidade de membro, sentido ou função nem por brevíssimo período de tempo;

Passo 3: não incapacita para as ocupações habituais, nem por brevíssimo período de tempo;

Passo 4: não causa nenhuma enfermidade, nenhuma incapacidade de membro, sentido ou função, nem por brevíssimo período de tempo;

Passo 5: não causa incapacidade para o trabalho nem por brevíssimo período de tempo e

Passo 6: não causa qualquer deformidade.

Verificado, passo a passo, o atendimento às 6 condições, teremos uma lesão levíssima. Eis a Regra dos 6 Passos. Com isso, podemos exemplificar que lesões corporais como hiperemia, pequenas equimoses, arranhões e outros não se enquadrariam a não se que incapacitem para alguma ocupação habitual em razão, por exemplo, de necessidades estéticas envolvidas.

Caso 1:

Um militar pratica lesão corporal contra uma civil, em local sob administração militar. A lesão é um pequeno arranhão superficial no rosto, mas a moça é modelo fotográfico, não podendo fotografar enquanto não sumir o arranhão. A lesão não será levíssima… pois após passar pelos dois primeiros passos, não atende à condição do terceiro.

Caso 2:

Em um quartel, durante a instrução, um soldado se irrita com outro e o agride provocando um pequeno corte (solução de continuidade) no braço. A vítima precisa deixar a instrução e ser levada ao medico do quartel para limpeza e curativo. Embora não tenha sido necessário levar pontos, o procedimento medico era necessário para estancar o sangramento que não parava por si só. A lesão não atende o Passo 3 e não será levíssima: o soldado ficou incapacitado para as funções habituais, perdendo a instrução em razão da intervenção medica necessária.

Outra questão sobre a lesão levíssima no CPM é sobre a possibilidade de o juiz considerar a infração como disciplinar. Em primeiro lugar, precisamos explicar o uso da palavra “juiz” no CPPM:

Função do juiz

Art. 36. O juiz proverá a regularidade do processo e a execução da lei, e manterá a ordem no curso dos respectivos atos, podendo, para tal fim, requisitar a fôrça militar.

1º Sempre que êste Código se refere a juiz abrange, nesta denominação, quaisquer autoridades judiciárias, singulares ou colegiadas, no exercício das respectivas competências atributivas ou processuais.

Embora muitos queiram lembrar apenas do caput, olvidando o parágrafo, por vezes convenientemente, a regra decorrente do §1o do artigo é que na fase extraprocessual as decisões são monocráticas do juiz-auditor ou do juiz de direito do juízo militar (nas justiças militares estaduais e na distrital) e na processual as decisões são do conselho, estando as exceções contidas expressamente no CPPM ou nas LOJM. Vale lembrar que nas justiças militares estaduais e na distrital o processo e julgamento dos policiais e bombeiros militares por crimes contra civis é de competência do juiz de direito.

Sobre a desclassificação decorrente do §6o

Assis é incisivo ao negar a possibilidade de desclassificar um crime militar para transgressão disciplinar e cita Romeiro em reforço. Pugna o autor pela independência das instâncias. Afirma que a redação anterior do RDE e a atual, além do RDAer e RDM dispõem no mesmo sentido:

RDE

Art. 14 (…)

§ 6º Quando, por ocasião do julgamento do crime, este for descaracterizado para transgressão ou a denúncia for rejeitada, a falta cometida deverá ser apreciada, para efeito de punição, pela autoridade a que estiver subordinado o faltoso.

Discordamos totalmente, com todo o respeito. Por que razão a Lei não poderia autorizar, ou melhor, determinar a possibilidade de considerar um fato como transgressão disciplinar, vez que não há qualquer inconstitucionalidade, e porque, há muito, essa independência de instâncias é minimizada pela Lei 6.880 e pelos regulamentos disciplinares. É preciso compreender tais normas sistematicamente, dentro de um contexto, em lugar de pinçar um único dispositivo e concluir a partir dele, isoladamente.

Do Estatuto dos Militares, Lei 6.880/1980 e que teve revisões recentes, consta:

Art. 42. A violação das obrigações ou dos deveres militares constituirá crime, contravenção ou transgressão disciplinar, conforme dispuser a legislação ouregulamentação específicas.

 § 1º A violação dos preceitos da ética militar será tão mais grave quanto mais elevado for o grau hierárquico de quem a cometer.

§ 2° No concurso de crime militar e de contravenção ou transgressão disciplinar, quando forem da mesma natureza, será aplicada somente a pena relativa ao crime. (grifei)

Conforme a Lei, ratione legis, e a regulamentação, que não pode ser contra legem. E não é, como veremos infra. Ainda do Estatuto:

Art. 46. O Código Penal Militar relaciona e classifica os crimes militares, em tempo de paz e em tempo de guerra, e dispõe sobre a aplicação aos militares das penas correspondentes aos crimes por eles cometidos.

Reconhece, assim, o CPM para definir crimes militares.

Já nos regulamentos militares, temos o artigo 6o do RDM, 14 do RDE e 8o do RDAer, dispondo no mesmo sentido:

Art. 14. Transgressão disciplinar é toda ação praticada pelo militar contrária aos preceitos estatuídos no ordenamento jurídico pátrio ofensiva à ética, aos deveres e às obrigações militares, mesmo na sua manifestação elementar e simples, ou, ainda, que afete a honra pessoal, o pundonor militar e o decoro da classe.

Este conceito ontológico poderia causar certa confusão, e causa, mas o § 1º a resolve.

§ 1º Quando a conduta praticada estiver tipificada em lei como crime ou contravenção penal, não se caracterizará transgressão disciplinar.

Logo, de forma bem feliz, fica clara a prevalência da hipótese de crime, embora em termos de Direito Administrativo em geral não houvesse óbice para tratar como crime e transgressão em esferas independentes. Aliás, apesar desta exceção, o Parágrafo seguinte dispõe:

§ 2º As responsabilidades nas esferas cível, criminal e administrativa são independentes entre si e podem ser apuradas concomitantemente.

O dispositivo não vale para a dupla natureza de crime e transgressão (contravenção disciplinar na Marinha), versando, evidentemente, sobre outros aspectos administrativos, o que se confirma no § 4º:

§ 4º No concurso de crime e transgressão disciplinar, quando forem da mesma natureza, esta é absorvida por aquele e aplica-se somente a pena relativa ao crime.

No mesmo sentido, mas de forma mais sucinta, há previsão semelhante nos regulamentos disciplinares da Marinha e da Aeronáutica:

RDM

Art. 6º – Contravenção Disciplinar é toda ação ou omissão contrária às obrigações ou aos deveres militares estatuídos nas leis, nos regulamentos, nas normas e nas disposições em vigor que fundamentam a Organização Militar, desde que não incidindo no que é capitulado pelo Código Penal Militar como crime.

RDAer

Art. 8º Transgressão disciplinar é toda ação ou omissão contrária ao dever militar, e como tal classificada nos termos do presente Regulamento. Distingue-se do crime militar que é ofensa mais grave a esse mesmo dever, segundo o preceituado na legislação penal militar.

Art. 9º No concurso de crime militar e transgressão disciplinar, ambos de idêntica natureza, será aplicada somente a penalidade relativa ao crime.

Parágrafo único. A transgressão disciplinar será apreciada para efeito de punição, quando da absolvição ou da rejeição da denúncia da Justiça.

Não há, portanto, que se prosseguir com o equívoco, além do que, a definição ontológica, geral, não poderia prevalecer sobre a específica, o mesmo se dando em relação às corporações militares estaduais. No caso das estaduais e distrital, a análise vai depender de cada estatuto de militares estaduais e regulamentos disciplinares, no que tange à completa independência ou não entre instâncias, mas não quanto à possibilidade legal prevista na Lei Penal Militar: a lesão levíssima poderá ser desclassificada para transgressão disciplinar e se a decisão de arquivamento ou de absolvição for com o reconhecimento da desclassificação para transgressão, o que significa que se reconheceu autoria e materialidade da conduta, só resta ao Comandante do agente aplicar pena disciplinar, aí sim, aplicando o dispositivo citado por Assis, repetindo:

RDE

Art. 14 (…)

§ 6º Quando, por ocasião do julgamento do crime, este for descaracterizado para transgressão ou a denúncia for rejeitada, a falta cometida deverá ser apreciada, para efeito de punição, pela autoridade a que estiver subordinado o faltoso. (grifamos)

Será apreciada para efeito de punição, destacamos – punição – vez que já foi considerada transgressão em decisão judicial. O comandante terá a obrigação de punir, nos termos da Lei, sob pena de prevaricação ou desobediência a decisão judicial. Não pode nos casos em que não há previsão legal.

Ainda sobre isto, há que se dizer, invadindo a esfera processual, que a aplicação do chamado “Princípio da Insignificância” só pode ser feita pelo Juiz singular, pelo Conselho de Justiça ou pelo STM, dependendo se antes da denúncia, durante o processo em primeiro grau, ou em recurso ou outra impugnação, respectivamente, vez que todas as menções no CPM atribuem ao juiz esta possibilidade, isto é, Juiz-auditor, Juiz de Direito do juízo militar, Conselho ou STM quando a Lei não especificar em sentido contrário, em decisão oficial, escrita e, obviamente, fundamentada: não é e não pode ser uma decisão administrativa, tal decisão é judicial, com pedido ou manifestação do MP.

O julgador pode ou deve considerar como disciplinar?

Notamos que existem vários entendimentos no sentido de que o julgador, ao se deparar com um dispositivo que beneficie o agente, indiciado, réu, e do qual conste que o julgador pode considerar, pode aplicar algum instituto, deve ser entendido como “deve” como obrigatório. E isso seria aplicável à lesão levíssima. Não podemos concordar. Em qualquer dispositivo que envolva insignificância, as circunstâncias precisam ser consideradas.

Embora concordemos que a maioria dos agentes poderá se beneficiar do §6o , quando a lesão for levíssima, há casos em que isso não ocorrerá. As circunstâncias podem mostrar, nitidamente que havia intenção de provocar lesão grave que não aconteceu por motivos alheios à vontade do réu. Teremos, então, tentativa de lesão grave e não a lesão levíssima. Caso contrario, chegaríamos a um absurdo: a inexistência de qualquer lesão seria tentativa e tratada com mais rigor que a existência de uma lesão levíssima.

No caso do crime culposo– caso se admita, como nós, a aplicação do §6o por extensão – também não admitimos que o “pode” significa “deve”. Embora a lesão corporal culposa não seja classificada quanto ao resultado, se pretendemos aplicar o §6o, devemos fazê-lo nos termos em que o aplicamos à modalidade dolosa. Assim sendo, os seis passos devem ser observados, pois eles é que resolvem a aplicação do parágrafo. Por exemplo, no caso de um disparo acidental praticado por um militar e que atinge outro militar de raspão no alojamento, provocando uma pequena hiperemia, entendemos que a aplicação do §6o não é possível, por ser afastada logo no primeiro passo: houve risco de vida. Mais que isso, não se pode dar como insignificante uma conduta que provoca morte e lesões graves, inclusive constantemente, e que precisa ser coibida e punida por sua gravidade. O militar lida com armas e deve agir de forma a evitar o perigo com a observação de todas as medidas de segurança. O mesmo poderia ocorrer com uma lesão mínima decorrente de uma omissão de segurança na instrução que tenha colocado a vitima em risco de vida.

Aliás, reforçam esta tese de outros fatores além da insignificância da lesão efetivamente ocorrida algumas decisões do STF:

HABEAS CORPUS. PENAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INVIABILIDADE. ESPECIAL REPROVABILIDADE DA CONDUTA DO AGENTE. HABITUALIDADE DELITIVA. PRECEDENTES DE AMBAS AS TURMAS DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E DESTA CORTE. ORDEM DENEGADA. 1. A aplicabilidade do princípio da insignificância no delito de apropriação indébita é cabível quando se evidencia que o bem jurídico tutelado (no caso, o patrimônio) sofreu mínima lesãoe a conduta do agente expressa pequena reprovabilidade e irrelevante periculosidade social. 2. Conforme decidido pela Suprema Corte, “O princípio da insignificância não foiestruturado para resguardar e legitimar constantes condutas desvirtuadas, mas para impedir que desvios de condutas ínfimos, isolados, sejam sancionados pelo direito penal, fazendo-se justiça no caso concreto. Comportamentos contrários à lei penal, mesmo que insignificantes, quando constantes, devido a sua reprovabilidade, perdem a característica de bagatela e devem se submeter ao direito penal.” (STF, HC 102.088/RS, 1.ª Turma, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, DJe de 21/05/2010.)3. De fato, a lei seria inócua se fosse tolerada a reiteração do mesmo delito, seguidas vezes, em frações que, isoladamente, não superassem certo valor tido por insignificante, mas o excedesse na soma, sob pena de verdadeiro incentivo ao descumprimento da norma legal, mormente para aqueles que fazem da criminalidade um meio devida. 4. Na hipótese dos autos, constata-se, da certidão de antecedentes criminais fornecida nas informações da Autoridade Impetrada, que o Paciente possui diversas anotações, entre as quais pelo crime de receptação, ameaça e lesão corporal em violência doméstica, já tendo sido até mesmo condenado pelo delito de receptação. Nesse contexto, não se mostra compatível a sua conduta com a aplicação do princípio da insignificância.5. Ordem denegada. – STJ – HABEAS CORPUS : HC 220608 (grifamos)

Neste caso, vemos a importância não só da lesão, mas da reprovabilidade do comportamento. Aqui se levanta a inaplicabilidade da insignificância pelo fato de condutas ilícitas constantes. Em vários outros casos o STF tem adotado um rol de condições para o reconhecimento e que consiste em (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada 1. Embora essas exigências estejam sendo aplicadas ao reconhecimento supralegal da insignificância, entendemos que devem ser ponderadas, também no caso das normas positivadas no CPM, a fim de determinar o alcance do “pode” dirigido ao julgador.

Sobre a lesão levíssima e os crimes culposos

André Lazaro explica2, em pequeno artigo que há juristas que entendem que o legislador não teria inserido norma semelhante à do §6o do artigo 209 do CPM no art.210 e que se assim o fizesse, seria erro crasso, atécnico, com base em análise dos conceitos de crime culposo e doloso contidos no CPM dos quais se deduziria que a gravidade do resultado só teria relevo para condutas dolosas, vez que apenas nestas o infrator, atua voluntariamente e tem poder sobre a natureza e o vulto das lesões provocadas. Outros se oporiam a tal tese em razão do Princípio da Igualdade contido na Constituição e que analogicamente deveria ser aplicada o Parágrafo ao crime culposo, já que o legislador teria imaginado que condutas que geram resultados insignificantes, de bagatela, não mereceriam a reprimenda do direito penal. Comenta que os dois entendimentos seriam consistentes e se alternariam nas decisões da justiça castrense. Conclui que no âmbito do Superior Tribunal Militar, parece ter se consolidado a primeira corrente, citando acórdão:

Acórdão Num: 2000.01.048430-2 UF: RS Decisão: 24/04/2001

Data da Publicação: 26/06/2001 Vol: 04301-11 Veículo: DJ

EMENTA: LESÃO CORPORAL CULPOSA. ANALOGIA ESTABELECIDA “IN CASU” COM MODALIDADE DOLOSA. “ERROR IN PROCEDENDO” DE COLEGIADO “A QUO”. DECISÃO ABSOLUTÓRIA QUE SE REFORMA. Elemento lesionado por disparo acidental de arma de fogo. “Persecutio criminis” declarando por ocorrência de fato culposo. Ilicitude que se caracteriza, patentemente, sob a tipicidade imputada “in casu”.

Não cabe, com suposto lastro em analogia, se aplicar à modalidade culposa do crime de lesão corporal, o princípio da insignificância lesiva que se faz próprio da modalidade dolosa, na conformidade do § 6º do art. 209 do CPM. Meridiano o equívoco que se observa da Sentença de 1º grau. Provimento do recurso “in tela”. Como incurso no art. 210 do CPM, condena-se o apelado, com o benefício do “sursis”. Decisão unânime.” (Grifamos)

De fato, podemos ver decisões no mesmo sentido, quando se consulta a jurisprudência do STM, a exemplo da apelação 1997.01.047941-4/DF, apelação 1998.01.048058-7/PE, apelação 2002.01.048996-7/RJ e embargos de declaração 0000230-50.2010.7.05.0005/DF. É um dos assuntos em que a posição do STM parece firme. O que normalmente se comenta é que tal posição do STM seria para não haver absolvições e arquivamentos nos casos de disparo acidental de arma de fogo. Ora, no tópico acima enfrentamos a questão de poder ou dever aplicar o dispositivo e abordamos en passant a questão do crime doloso. Em qualquer caso, quando se aplica a insignificância positivada no CPM, há que se entender que o §6º deve ser aplicado ou não em função da reprovabilidade do comportamento e de atender à Regra dos 6 Passos. Assim sendo, acidentes com armas e viaturas são altamente reprováveis, a conduta do agente é altamente ofensiva e de alta periculosidade social, como se exige na jurisprudência do STF e colocam em risco a vida da vítima, violando o primeiro passo da Regra dos 6 Passos e afastando a incidência do parágrafo.

Como seria efetivamente ilógico e desproporcional absolver quem provoca lesão levíssima por dolo não havendo maior perigo e reprovabilidade e condenar quem o faz culposamente nas mesmas condições, entendemos não haver qualquer óbice na aplicação aos crimes culposos. Vale dizer que, muitas vezes, já pedimos arquivamentos em crimes de lesão corporal culposa com fundamento na lesão levíssima.

Por fim, cabe destacar que, se plenamente comprovada ab initio, a lesão levíssima e as circunstâncias que indiquem que se deve aplicar o §6o do artigo 209 do CPM, não há razão para que se inicie a ação penal: impõe-se o arquivamento. Aliás, foi com tal finalidade que o legislador criou o dispositivo, o que fica claro na Exposição de motivos do CPM:

Entre os crimes de lesão corporal, inclui-se o de lesão levíssima, o qual, segundo o ensino da vivência militar, pode ser desclassificado pelo Juiz para infração disciplinar, poupando-se, em tal caso, o pesado encargo de um processo penal para fato de tão pequena monta.


1http://www.stf.jus.br/portal/glossario/verVerbete.asp?letra=P&id=491, acessado em 01/01/2013.
2 AUGUSTO, André Lázaro Ferreira. Da possibilidade de se considerar como infração disciplinar conduta tipificada no art. 210 do Código Penal Militar. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 990, 18mar. 2006 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/8100>. Acesso em: 30 dez. 2012.

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