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Guia prático da redação jurídica óbvia

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Henderson Fürst

Henderson Fürst

24/06/2015

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A coluna de hoje possui uma utilidade pública: o aspirante a escritor (ou mesmo o escritor habitual) jurídico terá, facilmente compilado, um guia da estrutura lugar comum da redação jurídica – válida tanto para relatórios científicos (TCC, monografia, dissertação e tese) como para publicações (artigo ou livro) – historicamente consagrada no imaginário teorético da academia jurídica[1].

Naturalmente que meu editor e o Ministério do Humor advertem que leitores sensíveis ao teor do conteúdo exposto, ou com intolerância à ironia, não devem prosseguir a leitura.

Roteiro da redação jurídica óbvia

1. Comece seu texto acadêmico com uma introdução pós-moderna. Rodeie o tema, mas não diga expressamente do que se trata. Provoque o seu leitor para que fique curioso sobre o que você pretende escrever adiante para que ele leia até o fim tentando entender do que se trata. Mas nunca, NUNCA, diga objetivamente sobre o que vai escrever sem que soe complexo.

2. Inicie o texto com uma abordagem histórica. Mas não mencione nada sobre qual a historiografia jurídica adotada para essa análise – isso seria enfado da carne! Apenas comece. Quanto mais antiga a referência histórica do tema que se analisa, melhor o texto e sua reputação de erudito. Nunca comece, por exemplo, pelas ordenações afonsinas, pois o século XV é recente demais. Antes, opte por algo das civilizações antigas, tal como os fenícios ou os gregos antigos.

Cite o código de Hamurabi, mesmo sem ter lido o que se tem traduzido dele. Se achar que Hamurabi démodé para questões de Direito Privado, cite fartamente o Direito Romano, e não perca tempo com suas fontes.

Conforme essa análise evolua no tempo e se aproxime do direito moderno, faça uma evolução legislativa cronológica. Apenas isso, uma cronologia das leis que cuidam de seu tema é suficiente para essa parte histórica.

3. Em seguida, aborde os princípios que orientam a interpretação e argumentação sobre seu tema. Todos eles! Desde os filosóficos, passando pelos religiosos e, finalmente, os jurídicos. Enumere um a um e, após isso, crie alguns! Jurista que se preze é sempre reconhecido pela paternidade de alguns princípios. E sabemos a capacidade de pesquisa de um cientista pela capacidade de elencar princípios – quanto mais princípios catalogados, mais erudito é.

Não se importe com os paradigmas teóricos do que é princípio, valor, regra e norma jurídica. Atribua a mesma condição teórica a Alexy e Dworkin, ou sorteie apenas um teórico para avaliar essa questão. Sincretismo metodológico aqui vai muito bem. Ou então simplesmente ignore, especialmente considerando o espaço escasso para se escrever. Mas não deixe de elencar princípios.

4. No terceiro capítulo ou item de sua escrita, a vez será da doutrina (para leitores não-jurídicos, damos o nome de “doutrina” ao conhecimento crítico formulado pelos cientistas do direito nas mais diversas questões, preferencialmente aquelas ao qual estejam familiarizados).

Se citar apenas um autor é plágio, citar muitos é pesquisa jurídica. Portanto, quanto mais citar, melhor. Cite muitos. Faça uma doxografia. Pegue a opinião de todos e compile pela ordem de consulta. Esse capítulo é dedicado a uma espécie de entrevista jurídica indireta, informando o que dezenas de autores pensam sobre o tema.

É válido enfatizar que, diante do critério “mais é mais”, citar autores desconhecidos é um trunfo, especialmente aqueles publicados em plataformas abertas.

Ignore a existência de linhas doutrinárias, escolas ou vertentes. Ninguém mais se preocupa com isso.

5. Após a análise doutrinária, é chegada a vez da análise jurisprudencial. Eis aqui uma técnica redacional excelente para atingir a quantidade mínima de páginas exigidas!

Entre no site de um dos tribunais superiores e pesquise pelas palavras-chaves que você aleatoriamente atribuiu ao texto. Pegue a mais recente, não considerando se é a que muda a orientação daquele tribunal ou se é mera repetição de outras centenas. Importa ser recente.

Para citar, utilize a ementa apenas. Lá constam todas as informações necessárias. E coloque a ementa no corpo do texto principal, pois todo leitor gosta de ler a ementa.

Se eventualmente quiser se aventurar pelas pesquisas empíricas de jurisprudência, faça a busca simples. Ignore se a base de dados, conte todas as decisões do tribunal ou não. Seria muita perda de tempo conferir, no Diário Oficial, aquelas que não constam no banco de pesquisa on-line do tribunal.

Não se esqueça: cite a ementa! E no corpo principal! O leitor agradece.

6. Feita a análise doutrinária e jurisprudencial, agora resta a análise de direito comparado para encerrar com chave de ouro. Para isso, não se esqueça da santíssima trindade do direito comparado: Alemanha, França, Itália. Caso queira ostentar mais cultura jurídica, cite (independente de considerações sobre o fato de ser de família jurídica distinta) o direito americano ou o inglês. Caso goste de ser exótico, fique à vontade com o buffet que é o direito estrangeiro: tribos africanas, costumes indianos, direito penal islandês e código civil tailandês etc.

Claro que há métodos no direito comparado e critérios de comparação, mas debater isso no capítulo torna cansativo, ainda mais a essa altura do texto. Apenas compare a legislação. Cite os textos normativos unicamente, um após o outro. E não precisa comparar, exatamente. Basta apresentar o leque de ordenamentos estrangeiros recortados em seu tema.

7. Conclua. Não precisa acrescentar algo ao conhecimento já estabelecido, então apenas retome os pontos visitados – a comunicação tautológica é recorrente para isso – e coloque algumas frases de efeito para encerrar. Elas sempre caem bem e é o que futuros escritores/pesquisadores retirarão de seu texto para citar. Dê a citação de bandeja já que, com tantos textos circulando, dificilmente alguém lê algo do começo ao fim.


[1] Acreditem quando digo historicamente consolidada. Em seu diário Viagem ao Harz, publicado pela primeira vez em português neste ano pela Editora 34, o último poeta romântico alemão Heinrich Heine narra, entre outras coisas, como largou o curso de direito na Universidade de Göttingen cansado do formalismo de seus professores e do exagero festivo de seus colegas. Para satirizar a redação jurídica de sua época, Heine dizia que escreveria um tratado sobre uma questão que muito o ocupava: o tamanho dos pés das senhoras de Göttingen. Para tanto compilou notas a partir das obras mais raras da biblioteca até chegar a um resultado que seria apresentado num trabalho de grande erudição com a seguinte estrutura: um primeiro capítulo “dos pés em geral”; um segundo capítulo sobre “os pés entre os antigos”; um terceiro capítulo sobre “os pés dos elefantes”; um quarto capítulo sobre “os pés das senhoras de Göttingen”; um quinto capítulo sobre uma coletânea sobre tudo o que já se disse sobre pés; um sexto capítulo para tecer considerações sobre as relações entre esses pés e as panturrilhas, estendendo a discussão aos joelhos etc.; e, por fim, um sétimo capítulo com gravuras dos pés das senhoras mais distintas da cidade, caso pudesse dispor de papel com formato tão agigantado.
A crítica permanece válida, tanto que igualmente é feita por muitos professores hodiernamente. Cf. CARVALHO, Salo de. Como não escrever um trabalho de conclusão de curso. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

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