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NOVO CPC

PROCESSO CIVIL

Por uma interpretação democrática do novo CPC

CARLOS MAXIMILIANO

CASO CONCRETO

CLÁUSULAS GERAIS

CONCEITOS INDETERMINADOS

ESTADO DEMOCRÁTICO

INTERPRETAÇÃO AUTÊNTICA

NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

PRINCÍPIOS

PROCESSO CIVIL DEMOCRÁTICO

REAL SENTIDO DA LEI

Marcelo Ribeiro

Marcelo Ribeiro

03/08/2015

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Nas clássicas palavras de Carlos Maximiliano[1], a interpretação é definida como o exercício de busca pelo esclarecimento do verdadeiro significado de uma expressão. Para essa vertente ideológica, interpretar é buscar a verdadeira essência da lei, a fim de lhe identificar valores previamente consagrados no texto. Sobre o tema, Jose Eduardo Soares de Melo vai dizer que: “todo e qualquer aplicador do Direito (magistrado, autoridade pública, particular, etc.) deve, sempre, descobrir o real sentido da regra jurídica, apreender o seu significado e extensão[2]”.

A insuficiência dessa postura hermenêutica, que trabalha com referenciais essencialistas, de há muito se revela insuficiente para a compreensão do Direito e seguramente não se coaduna com a proposta do Novo Direito Processual.

O desprestígio da chamada interpretação literal, como critério isolado da exegese, “é algo que dispensa meditações mais sérias, bastando arguir que, prevalecendo como método interpretativo do Direito, seríamos forçados a admitir que os meramente alfabetizados, quem sabe com o auxílio de um dicionário de tecnologia, estariam credenciados a descobrir as substancias das ordens legislativas, explicitando as proporções do significado da lei. O reconhecimento de tal possibilidade roubaria à Ciência do Direito todo o teor de suas conquistas, relegando o ensino universitário, ministrados nas faculdades, a um esforço inútil, sem expressão e sentido prático de existência[3]”.

A superada busca pela essência do texto forjou expressões como “real sentido da lei”, “verdadeiro espírito do legislador”, “interpretação autêntica” e outros tantos jargões, hoje frontalmente incompatíveis com o projeto constitucional. É dizer: o Novo Código de Processo Civil, em consequência da retomada da facticidade e da preocupação para com a peculiaridade do caso concreto, não se coaduna com tetos hermenêuticos. Do contrário, o texto, e sua invariável aplicação, apresentariam respostas prévias, sem que antes a especificidade do caso deduzisse as perguntas da causa. Ora, evidentemente não pode haver respostas sem que tenham sido feitas as perguntas.

A evolução do pensamento científico na modernidade, entretanto, altera a relação entre homem e coisa, suplantando a referência cognitiva da metafísica clássica (objeto – sujeito), para apresentá-la de modo contrário, onde sentidos passam a ser atribuídos às coisas pelo sujeito assujeitador. Dito de maneira mais simples: o indivíduo, nessa quadra da história, por meio da racionalidade, passa a atribuir sentidos aos textos por sua percepção individual de mundo, em um movimento conhecido como filosofia da consciência. Em outras palavras, o intérprete atribui sentido. E uma vez aceita a ideia segundo a qual a norma jurídica é o resultado da interpretação do texto, então norma é o sentido que o intérprete atribui ao texto.

Sobre as consequências práticas dessa vertente teórica na aplicação do Direito, produzimos discursos pautados no livre convencimento motivado, decisões motivadas pela consciência do julgador e conflituosas decisões judicias. Essa aparente liberdade do intérprete para atribuir sentidos aos textos jurídicos supostamente (mas só supostamente) fortalece uma espécie de discricionariedade judicial, permitindo que juízes e promotores, diante dos princípios e garantias processuais previstos no Novo CPC, delimitem seus contornos semânticos em total desacordo com a tradição jurídica de nosso ordenamento.

Como a ordem jurídica assim produzida, “não oferece aos operadores do direito as condições para que se possam extrair de suas normas critérios constantes e precisos de interpretação, ela exige um trabalho interpretativo contínuo. E como seu sentido definitivo só pode ser estabelecido quando de sua aplicação num caso concreto, na pratica os juízes são obrigados a assumir um poder legislativo. Ou seja, ao aplicar as leis a casos concretos, eles terminam sendo seus coautores. Por isso, a tradicional divisão do trabalho jurídico no Estado de Direito é rompida pela incapacidade do Executivo e do Legislativo de formular leis claras e sem lacunas, de respeitar os princípios gerais do direito e de incorporar as inovações legais exigidas pela crescente transformação dos mercados. Isso propicia o aumento das possibilidades de escolha, decisão e controle oferecidas à promotoria e à magistratura, levando assim ao protagonismo judicial na política e na economia[4]”.

O Novo CPC enfrentará, portanto, dificuldades de ordem prática para sua aplicação, pois é entrecortado por princípios, conceitos indeterminados e cláusulas gerais; o que, supostamente permite uma infinidade de possibilidades hermenêuticas, em possível prejuízo da segurança jurídica[5]. É preciso, então, em defesa do Estado Democrático, combater as discricionariedades judiciais

Na ponta deste sistema, juízes e promotores são constantemente acusados de exorbitar o exercício de suas funções, ao argumento de que a interpretação e aplicação do texto não lhes confere legitimidade para o exercício legislativo, e essa tem sido uma crítica constante ao novo diploma dos ritos.

A necessária atualização das correntes hermenêuticas, em nosso entendimento, é fundamental para o exercício da democracia e para a concretização das garantias processuais. Com efeito, a reintrodução dos princípios no texto constitucional e a refundação de um regime democrático se fizeram pela comunidade política, e é necessário a todos nós assumir o compromisso da atualização, para que o Novo CPC, produzido após amplos debates e audiências públicas, alcance suas finalidades.

Para isso, devemos compreender, dentro do novo regime processual, que percepção da norma, aqui entendida como o resultado da interpretação, não decorre de escolhas, albergando com isso múltiplos resultados para o caso concreto. Ao contrário, é consequência de uma pré-compreensão antecipada pela comunidade jurídica, que ao longo do tempo, vai sendo construída como Direito[6].

Não por outra razão, o novo Código nos apresenta o incidente de resolução de demandas repetidas; um sistema de precedentes; novas compreensões sobre o objeto da prova; a exigência de respeito ao contraditório efetivo, entendido como garantia de participação com influência e não surpresa; além da necessidade de fundamentação substancial das decisões judiciais, dentre outros tantos aperfeiçoamentos dispostos para um exercício efetivo, adequado célere e democrático da jurisdição.

Esperamos, com os textos que aqui serão apresentados, contribuir para a construção de um processo civil democrático para o Brasil.


[1] Maximiliano, Carlos. Hermenêutica e interpretação do Direito. 8 ed. Rio de Janeiro, Freitas bastos, 1965, p 13, 315 e segs.
[2] Melo, Jose Eduardo Soares de. Interpretação e integração da legislação tributária. São Paulo, Saraiva, 1993, p. 384 e segs.
[3] CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo, Saraiva, 1985, p. 56.
[4] FARIA, José Eduardo. O sistema brasileiro de justiça: experiência recente e futuros desafios.  Estud. av. vol.18 no.51 SãoPaulo May/Aug. 2004.Disponívelnainternet:http://www.scielo.br/scielo.php?lng=en.  Acesso em 12/07/2011
[5] STRECK, Lenio Luiz. O que é isso – as garantias processuais penais,2. Ed, Livraria do advogado. Porto Alegre, 2014.  P. 10.
[6] Idem. P. 16.

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