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Rolf Madaleno

Rolf Madaleno

31/08/2015

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O divórcio como forma de dissolução do vínculo conjugal tem sua origem histórica no repúdio, que na observação de Pontes de Miranda, é tão velho quanto o casamento, cedendo somente com o cristianismo, especialmente com o Concílio de Trento (O Concílio de Trento estatui normas que influíram de modo decisivo na evolução do instituto do casamento, datando de 1545 a 1563), e cujas disposições visaram a valorização e evolução do instituto matrimonial e trouxeram uma nova concepção de casamento a implicar sua indissolubilidade, com a dignificação da mulher que ficava à salvo da instabilidade consorcial gerada pelo costumeiro e arbitrário direito do marido repudiar sua esposa. Era corrente entre as mais variadas civilizações a rejeição unilateral ao consorte mulher, quando não gerasse prole ou quando desse à luz somente filhas. Também o marido podia repudiar a mulher por adultério, tentativa de assassinato contra ele, por abandono do domicílio matrimonial ou dentre outras tantas causas, se ela simplesmente falasse com azedume.

Contudo, embora vagarosamente o Concílio de Trento tenha precursoramente sedimentado as idéias de dignificação do casamento e valorização da mulher dentro da sociedade conjugal, sem edificar um sistema de direito canônico completo e absoluto, que tomasse o lugar do Direito Romano, mas ao revés, o Concílio de Trento tivesse atuado sempre, como um complemento da valorização da mulher dentre outros direitos civis, diversamente procediam outras culturas religiosas. Disto são exemplo os povos da religião islâmica, com o direito muçulmano que se fundamenta no Corão (constituído pelo conjunto de revelações de Alá ao último de seus profetas e mensageiros Maomé) e que permanece estabilizado desde o Século X da nossa era, regulando as relações de milhões de muçulmanos. Como direito imutável e fundado sobre o Corão, mantém os costumes totalmente estranhos aos estados ocidentais, e em razão disso, o direito alcorânico confere ao marido pelo casamento um poder similar ao manus romano de potestade sobre a mulher, detendo o matrimônio islâmico a concepção de um contrato, no qual a mulher se constitui a um mesmo tempo, em  objeto e parte contratante, sendo vendedor e coisa vendida. Ela se vende a si mesma em câmbio de um dote, que é equivalente ao preço da venda.   É que todo matrimônio islâmico pressupõe a existência de um dote que pertence à mulher, já que não prevê uma comunidade de bens entre os cônjuges. O casamento muçulmano não requer necessariamente, a intervenção de oficial público, bastando que o consentimento seja presenciado por duas testemunhas; admite a poligamia dentre alguns dos países de direito confessional islâmico, restringindo esta possibilidade em outros, como a Jordânia, Síria, Marrocos e Tunísia, pela faculdade concedida à mulher, antes de celebrado o casamento, de impor ao marido a chamada cláusula monogâmica.

Segundo o Corão e as interpretações das escolas malequitas e hanefitas, a dissolução do matrimônio islâmico admite entre várias outras causas o repúdio (talak), cuja instituição inclui toda uma série de formas de dissolução reguladas pelo Alcorão e pelos costumes, atualmente unificadas em duas categorias mais destacadas: o repúdio revogável e irrevogável. Ambas constituem ato unilateral do marido e colocam como pressupostos de validade: 1) a capacidade para repudiar; 2) efetiva intenção de repúdio; 3) possibilidade e emprego de fórmula usualmente aceita. Esta forma unilateral de vontade do esposo atua como causa material de desfazimento do vínculo conjugal e dispensa qualquer intervenção judicial, contrariamente ao sistema ocidental predominante, e que não confere ao marido a faculdade judicante de decidir sobre a sorte da sua mulher e de seu matrimônio e, portanto, completamente distanciado da ordem pública vigente em outras instituições jurídicas independentes do dogma religioso. Para a mulher, em contraponto às amplas faculdades de dissolução unilateral, outorgadas ao homem pelo repúdio, o direito muçulmano reserva o divórcio decretado pela autoridade judicial por descumprimento pelo esposo, das obrigações conjugais e cujas principais causas fazem relação ao dote e às obrigações alimentícias porventura desatendidas, denotando indisfarçável desequilíbrio de forças acostumadas a abafar o espaço social, familiar e jurídico da mulher, já presente pela simples desigualdade da sociedade alcorâmica recolher a poligamia masculina. Anota João Silva de Sousa[1] que o Alcorão limita a quatro, o número de esposas legítimas, embora seja permitido ao homem tomar para si um número ilimitado de concubinas, sem incorrer no crime de adultério. Finalmente, como condição de validade da intenção de repudiar, os islâmicos devem seguir as fórmulas rituais previstas, sendo mais frequente o triplo repúdio, adotado com o propósito de criar estabilidade matrimonial, dado que amiúde, a esposa era repudiada, logo sobrevindo o arrependimento do marido, mas, como a reiteração do rechaço tornaria perpetuamente insegura a vida do consorte feminino, o direito muçulmano estabeleceu que a terceira manifestação de repúdio houvesse de ser definitiva e irrevogável daí resultando a tríplice e sucessiva manifestação em um único momento (eu te repudio, eu te repudio, eu te repudio), causando a imediata dissolução do matrimônio, sem permitir o arrependimento, obrigando-se o marido a pagar a totalidade do dote a ela prometido. Refere o Alcorão que o homem estando na iminência de repudiar sua mulher, deve aguardar três fluxos menstruais a fim de acercar-se de que ela não esteja grávida e se em estado gestacional, Deus ordena que o marido a sustente e aguarde até que ela tenha o filho, sendo devido às mulheres repudiadas um justo mantimento.

[1] SOUSA, João Silva de. Religião e Direito no Alcorão, Lisboa: Editorial Estampa, 1986, p.139.


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