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Marcelo Ribeiro

Marcelo Ribeiro

28/10/2015

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A percepção de mundo, em alguma medida, sofre influências diretas da filosofia, que a todo momento reflete nos campos do conhecimento e também nas manifestações de arte. O mesmo, nos parece, ocorre com a criação, compreensão, interpretação e aplicação do Direito, e, por essa razão, entendemos que o ensino jurídico não deve dispensar as cadeiras propedêuticas, créditos secundários na formação do jurista.

Essa influência se identifica, por exemplo, ainda que brevemente, nas quadras históricas da idade média e do renascimento. Para tanto, basta verificar suas expressões culturais. Se na Idade Média, o homem percebe o mundo a sua volta pelas “mãos de Deus”, em caminho intermediado, muitas vezes, por instituições religiosas, não é de se surpreender que as expressões artísticas da época retratem, por essa perspectiva, visões teocêntricas sobre a vida e seus fenômenos.

Nesse sentido: cantos são gregorianos; colunas seguem uma tendência aspiral, pois o conhecimento não é fruto de uma racionalidade objetiva; e o mesmo se pode notar nas pinturas angelicais. Essa correlação filosófica entre o homem e o mundo, ao que entendemos, também reflete significativamente na concepção do Direito, que antes mesmo da formação do Estado, já pontuava, pela corrente jusnaturalista, garantias essenciais diante de um provável estado de natureza. Dito de outro modo: a fonte legitimadora do poder é divina, e isso também se aplica na construção do pensamento jurídico[1].

No sentido do texto, Noberto Bobbio vai dizer:

“A doutrina dos direitos do homem nasceu da filosofia jusnaturalista, a qual – para justificar a existência de direitos pertencentes ao homem enquanto tal, independentemente do Estado – partira da hipótese de um estado de natureza, onde os direitos do homem são poucos e essenciais: o direito à vida e à sobrevivência, que inclui também o direito à propriedade; e o direito à liberdade, que compreende algumas liberdades essencialmente negativas[2]”.

A estrutura social nesse momento histórico se apresenta fragmentada e provisória, o que, com alguma evidência, detona as dificuldades práticas para a concepção de um ordenamento jurídico. Nessa linha de raciocínio, Ferraz Jr vai arguir que: o ordenamento não passa de construção hermenêutica, concebida para dar efetividade à estrutura de poder do Estado, uma vez que a teoria de um ordenamento lógico e coerente resolveria os maiores entraves da aplicação e efetividade dos interesses liberais, firmados sob a égide da lei e da igualdade formal. É dizer: a descentralização de poder do mundo feudal impossibilitou a construção do Direito de forma sistematizada, sem com isso se desconsiderar a compreensão dos direitos naturais.

Sobre o tema, Luiz Moreira vai dizer que:

“Por não haver uma centralidade do poder político, multiplicavam-se as conotações e orientações jurídicas. A única estrutura não fragmentada era a eclesiástica. Então, tinha-se uma estrutura esfacelada, marcada pela provisoriedade e uma outra, pela centralidade, pela permanência, da qual emanava a orientação perante a vida.”

Essa descentralização de poder, mais tarde é superada pelo Estado Absolutista, que enfrenta de imediato, problemas de fundamentação do poder soberano, pois foi necessário despertar nos homens o sentimento de inclusão nesse novo sistema. Dentre as significativas teorias contratuais de formação do Estado, destaca-se a ideia de uma formação racional, que desloca o indivíduo da condição de vassalo para a de súdito, prometendo-lhe as benesses da segurança e da estabilidade.  É dizer: a descentralização de poder da idade medieval, alicerçada na força e no poder econômico, foi substituída por um sistema de dominação racional, supostamente apoiado pelo consenso.  Nesse contexto, qualquer tipo de direito passou a ostentar legitimidade, em função do instrumento burocrático da produção legislativa.

Eis a lição de Tércio Sampaio Ferraz:

“Ao se colocar o rei como personagem central de todo o edifício jurídico, aparece, nessa época, um conceito chave, que irá dominar a organização jurídica de poder: a noção de soberania. As disputas em torno desse poder mais alto, o poder soberano, bipartem-se na questão do fundamento do direito de se exigir obediência e na dos limites desse direito. Expõe-se o problema jurídico da legitimidade.[3]”.

Se esse Estado Absolutista permitiu o acúmulo de riquezas da classe burguesa, também colaborou para uma mudança paradigmática ocorrida em campos filosóficos. O mito, aos poucos, vai dividindo espaço com o desenvolvimento da técnica, subsidiando, pelo desenvolvimento de outras ciências, uma expansão da produção comercial. Altera-se a relação do homem com o mundo a sua volta. É tempo de renascimento, onde a razão desponta como procedimento para o alcance do conhecimento. O reflexo dessa racionalidade coloca o ser como centro do universo, em movimento historicamente conhecido com antropocentrismo.

No universo simbólico, a concepção antropológica é marcada pela vinculação do indivíduo a um todo, “que se desdobra em uma realidade física e em uma antropológica. Tal desdobramento reverte-se-á em uma unidade política, que propiciará o surgimento do homem como sujeito que projeta o todo a partir de si mesmo. A antropologização do real, fundada pela modernidade, é intrínseca ao Estado nacional, pois tal antropologização oferece meios ao individuo de conquistar uma independência categorial, ao qual permitirá se situar no mundo como sujeito livre, e por ser categoricamente livre, constituirá o mundo que lhe dá sentido[4]”.

Se nessa quadra da história podemos identificar as bases conjunturais para o desenvolvimento de uma relação sujeito – objeto, em movimento conhecido como filosofia da consciência, podemos também arguir que a relação do indivíduo com os sentidos, agora empregados pela individualidade assujeitadora do intérprete, também se projeta noutras áreas do conhecimento, onde se enaltecerá a técnica, a razão e o homem como centro gravitacional das percepções de mundo a sua volta.

Na arte, essa compreensão, que eleva o homem a centro do universo, é evidenciada, dentre outros, pelo David de Michelângelo. A obra, concebida entre 1501 e 1504, retrata, com notável precisão anatômica, o herói bíblico e traduz, pela escultura, uma compreensão institucionalizada pela técnica e pela literalidade. Na música, o emprego da técnica e a correlação com as referências matemáticas vão possibilitar o aprimoramento das orquestras. A literatura disso não destoa, pois a influência da racionalidade se escreve nas 1102 estrofes dos lusíadas; uma obra poética composta por 8816 versos, em oitavas decassílabas, dispostas hermeticamente na ordem: ab, ab ab e cc.

Reflexos jurídicos dessa visão de mundo: procedimentos cartesianos, verdade real, completude do ordenamento jurídico, e certezas conjunturais de que pelo procedimento se podem entregar todas as respostas ao jurisdicionado. Tratar-se-ia, portanto, de um ordenamento perfeito!

Sem maiores pretensões acadêmicas no artigo dessa semana, já que provoco apenas uma reflexão, sem com isso ter compromissos científicos com todas as áreas do conhecimento citadas no texto (não sou músico, historiador, escultor, seminarista ou legislador), penso que mesmo sem a noção exata de toda a complexa realidade que nos cerca, sofremos uma interferência direta em nossas experiências. Do contrário, por exemplo, a física ou a filosofia só afetaria quem dela conhecesse, e como todos sabemos(?), mesmo sem identificar a fórmula da gravidade, sofremos inexoravelmente a sua influência.


[1] De fato, filosofia e teologia são empregadas com prováveis semelhanças na compreensão de mundo e atuam em compassos semelhantes para legitimar as fontes de poder dessa época medieval.
[2] BOBBIO, Norberto. A era dos direitos; tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de janeiro. Ed. Companhia das letras, Brasil. 1992. P. 73.
[3] FERRAZ JR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito, Atlas. 2009. p. 32.
[4] STRECK, Lênio Luiz. DE MORAIS, josé Luiz. Ciência Política & Teoria do Estado. Porto Alegre. Ed. Livraria do advogado. Ed, 2010. Pp. 51-52

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