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Por que o Direito precisa proteger as mulheres da violência doméstica?

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COMBATE À VIOLÊNCIA CONTRA MULHER

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NATHALY CAMPITELLI ROQUE

VIOLÊNCIA

Nathaly Campitelli Roque

Nathaly Campitelli Roque

28/10/2015

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É bem interessante pensar na questão violência de gênero cobrado na redação do Enem, ou na questão do “torna-se mulher” da Simone Beavouir, bem como outras reportagens que abordam a situação da mulher no país.

O objetivo desta breve resenha é trazer algumas informações que podem auxiliar no processo de aprofundamento do debate sobre a questão do gênero na sociedade brasileira. Isto porque, apesar de ser um tema bastante sensível e relevante,  boa parta das discussões em relação a ele, são calcadas em achismos ou opiniões que desconsideram dados científicos ou o histórico do problema.

Neste sentido, a minha proposta é fazer um resgaste analítico e crítico da evolução do ordenamento jurídico nacional. Oriento minha reflexão para responder o porquê justifica-se um tratamento diferenciado para mulher e também evidenciar como, ao longo dos anos, a legislação pátria privilegiou a figura masculina.

A mulher juridicamente incapaz

Se verificarmos o Código Civil de 1916 (revogado pelo Código de 2002), vamos nos deparar com a seguinte situação: enquanto solteira, a mulher é tida como igual ao homem, na administração dos direitos e deveres. Já a situação da mulher casada era bem diferente. O artigo 6º, inciso II, do Código Civil revogado, no seu texto original, define a mulher casada como relativamente incapaz. Isso quer dizer que a mulher não tinha a capacidade jurídica de empreender nem um ato civil; era necessário  para  a prática de qualquer ato civil, a autorização expressa do marido. Isso envolvia, por exemplo, a necessidade da autorização do seu parceiro para a manutenção de comércio, ou para exercer qualquer trabalho, que não fosse o doméstico. A lei trazia algumas exceções, a grande parte voltada para decisões caso o marido estivesse ausente do lar comum ou fosse interditado. Era o homem o cabeça do casal, o qual tinha poderes de direção sobre a família, devendo a mulher se submeter a suas decisões.

Em um dos respiros democráticos vividos no Brasil antes da Constituição de 1988, foi publicado o Estatuto da Mulher Casada, em 1962 (Lei 4.121/62). Essa lei aboliu a incapacidade relativa da mulher, e a aproximou do marido da administração do lar. Contudo, em que pese a aproximação dos papéis, ainda era o homem o cabeça do casal. Tanto que ao aderir à Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher de 1979, assinado pelo Brasil em  31 de Março de 1981, o governo brasileiro vetou o artigo que estabelecia a igualdade entre homem e mulher dentro do casamento.

Apenas com a Constituição de 1988 é que homens e mulheres foram considerados iguais para todos os fins (art. 5º, I, Constituição Federal) e que foram considerados iguais em relação à família (art. 227, da Constituição Federal). Assim, todos os dispositivos do Código Civil que distinguiam homens e mulheres deixaram de ter sustentação jurídica. O Estatuto da Criança e do Adolescente tratou a questão da igualdade entre pai e mãe no cuidado dos filhos. Mas apenas com o Código Civil de 2002 é que a situação legal foi devidamente tratada no âmbito da relação entre homem e mulher no contexto da família.

Conceito jurídico da mulher honesta

Outro importante ganho foi a disciplina da união estável, tratada na Constituição Federal e tratada pela primeira vez em 1994. Assim, se estabeleceu a proteção jurídica a esta entidade, protegendo também a mulher na condição de convivente. Este tipo de união era considerada até então como mera sociedade de fato, e apenas as relações de patrimônio deveriam ser decididas judicialmente.

Assim, podemos concluir que a questão da igualdade em direitos de homens e mulheres na família é questão razoavelmente recente. E, por isso, precisa ser bastante amadurecida, a fim de se romper todos os ranços que ainda permanecem. É o caso, por exemplo, da abolição do termo “mulher honesta” como elemento a ser considerado para o crime de estupro ter sido revogado apenas em 2005 e da superação da ideia de “legitima defesa da honra”, a qual absolvia o homem que agredia ou matava sua mulher caso desconfiasse de adultério ou outro ato que pudesse constrangê-lo socialmente.

E este tratamento de superioridade o homem sobre a mulher, que foi regrado pelas leis brasileiras até 1988, reforça a ideia de que o homem tem autorização para agredir sua mulher, convivente ou namorada. Há a ideia (equivocada) de que pode o homem se valer de violência, física ou psicológica, para “corrigir” os atos de sua mulher, já que, por este tipo de pensamento, o homem tem o direito de dirigir a conduta de sua mulher, tendo ampla liberdade de escolha dos meios para tanto.

A partir do momento em que se escolhe como valor dirigente da sociedade brasileira a dignidade da pessoa humana e que a família é fonte de dignidade de seus membros, tal valor de poder físico ou psicológico do homem contra a mulher em relação familiar ou íntima se torna ilícito e, por isso, deve ser coibido.

Daí porque a necessidade de aparelhamento do Estado para lidar contra este tipo especial de violência. Disciplinou-se a punição do homem agressor da mulher no contexto familiar e se criou uma política de prevenção e repressão a este tipo de agressão. Dentre estes instrumentos, está a lei 11.340, a Lei Maria da Penha.

De onde vem a violência contra a mulher?

Comparar a violência cometida contra a mulher no contexto da família com a violência sofrida por outras causas não se justifica. O estudo “Raio X da Violência”, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, aponta que o jovem negro, principal vítima da violência no país, são mortos fora de suas casas, por causas que a incluem a violência decorrente de crimes diversos (acertos de contas de tráfico de drogas, resistência a outros atos violentos etc.) e a violência policial.

Já a mulher é vulnerável dentro de sua casa e independente de sua situação financeira ou grau de escolaridade. É o que apontam relatórios como o elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça e por instituições de proteção à mulher. No relatório Pesquisa Mulheres Brasileiras nos Espaços Públicos e Privados realizado em 2010 pela Fundação Perseu Abramo em parceria com o SESC, o agressor é seu marido ou companheiro (80% dos casos, conforme o levantamento apontado). A situação de violência é agravada pela dependência de álcool e de outras substâncias entorpecentes.

Além disso, uma coisa que não se pode esquecer é que a violência doméstica, muitas vezes, é relativizada, o que não acontece quando o atingido pela violência é um homem. Existem ainda quadros psicológicos que aumentam a vitimização, como é o caso da “dependência psicológica”, em diversos graus, e da crença de que a mulher acha que merece ser vítima da violência  e de ideias disseminadas de que “A boa mulher, a mulher forte, tem que aguentar o seu marido, tem que aguentar apanhar ou ser ofendida”. Não raro a mulher vítima de violência precisa de acompanhamento psicológico especializado.

Por fim, fica a advertência final: nenhuma forma de violência é tolerável, seja quem for a vítima, seja qual for a agressão. Assim, são intoleráveis a violência física e psicológica contra mulheres e homens, crianças, adolescentes e idosos, independente de sua orientação sexual, cor, crença. Também é intolerável e passível de punição criminal as ofensas ocorridas na internet, sejam elas quais forem (algumas punidas de forma especial, como a pedofilia digital).

Devemos todos nos unir contra a violência de qualquer espécie. E devemos ter presente que, para a mulher deixar de ser vulnerável no seu lar, a questão deve ser amplamente discutida, com todo o conhecimento produzido. Até mesmo em exames de avaliação, como o Enem.


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