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Crime e castigo

Adeildo Nunes

Adeildo Nunes

02/12/2015

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Durante 18 longos séculos, a pena foi sinônima de castigo físico e moral. Punia-se até quem não participava do crime. O pai – por exemplo – poderia ser enforcado por um crime cometido pelo filho. A pena, assim, era fixada a quem não dava causa ao resultado. Nessa época não havia proporcionalidade entre o crime e a pena. Alguém que cometesse um pequeno furto ou um latrocínio (roubo seguido de morte) era punido com a mesma rigidez, como se um delito não fosse mais grave que outro. Como se nota, imperava em todos os recantos do planeta, por muito tempo, as penas cruéis, que iam desde a aplicação de açoites e de torturas físicas, até à morte do criminoso. Os enforcamentos, a crucificação e outras formas cruéis de matar eram realizados em espetáculos públicos, depois da missa dominical, às vistas de uma sociedade lívida por vingança. De um modo geral, já naquela época, a pena de morte era aplicada aos menos favorecidos (escravos, pobres e negros), até porque aos ricos eram impostas a desapropriação de terras e a apreensão do ouro e de outras pedras preciosas. Não era interessante para o Rei tirar a vida de senhores de engenhos, latifundiários ou de donos de terras.  Cabia ao Soberano – não existia o Poder Judiciário – aplicar e executar a pena, ao seu livre arbítrio, sem que se oferecesse ao acusado a oportunidade de se defender da acusação. Não havia um processo escrito. A acusação e a sentença condenatória eram realizadas oralmente e sem a necessidade de fundamentação. Se alguém praticasse um suicídio, a família da vítima era punida com a proibição de realizar a cerimônia fúnebre ou de sepultar o corpo em cemitérios públicos. Essa fase terrível da humanidade foi denominada de “Direito Penal do terror”, porque não havia regras jurídicas assegurando ao acusado as mínimas condições de produzir sua defesa.

A fase das penas cruéis ou do “Direito Penal do terror”, finalmente começou a ser contestada no final do século 18, mormente com o Iluminismo e a Revolução Francesa, quando inicia-se uma nova fase no Direito Penal, a denominada humanização da pena, que pugnou pelo fim da pena de morte, ao tempo em que a prisão surge como medida substitutiva das penas cruéis. A prisão, portanto, só passou a ser considerada pena a partir do início do século 19. Antes disso, o cárcere servia para que o réu aguardasse o seu julgamento. Cristo foi preso, torturado e crucificado. A prisão de Cristo não foi uma pena, mas sim uma forma de assegurar o seu julgamento. Os pensadores da humanização da pena – principalmente o italiano Cesare Beccaria – imaginava uma prisão que fizesse com que o criminoso meditasse, recolhido, sobre o mal social que causou, pelo cometimento do crime, tornando possível o seu retorno ao convívio social sem mais delinquir; uma prisão que assegurasse ao criminoso a possibilidade de se recuperar do mal social; uma prisão com escolas, trabalho, lazer e, principalmente, que tratasse o condenado com dignidade, pois o criminoso sofre de uma doença social que só pode ser tratada oferecendo-lhe as mínimas condições materiais e de cunho social para a sua recuperação. Nesse sentido, o Estado é criminoso, uma vez que aplica a pena de morte e pune quem comete um homicídio.

No final da Segunda Guerra (1945), o mundo conclui que a prisão é maléfica à sociedade e não mais serve como forma de punição, pois ela é cara do ponto de vista social (reincidência) e financeiro. Enquanto uma criança na escola custa 400 reais por mês, um preso custa mais de 1 mil reais. Além do mais, a corrupção, os maus-tratos e a tortura fazem parte do cotidiano das nossas prisões, sem se contar que a partir de 1990 basicamente os presos administram nossas cadeias, pois de há muito o Estado abdicou dessa sua função. Hoje, o crime organizado efetivamente administra nossos grandes e médios presídios, daí porque o tráfico de drogas e a prostituição predominam, tudo sob a supervisão dos chaveiros, presos que têm a confiança da administração dos presídios.

Cansado de saber que a prisão está falida, a partir de 1970, o mundo finalmente descobriu que as penas restritivas de direito podem e devem substituir a prisão, pois trata-se de uma punição pedagógica, sem reincidência criminal e sem custos financeiros para o Estado. Todavia, a sociedade e a grande parte da magistratura nacional continuam insistindo na fixação da pena de prisão como única forma de punição, como se ela fosse resolver nossos graves problemas sociais, entre eles a insegurança pública. A prisão preventiva, que a partir da Lei 12.403, de 2011 passou a ser uma exceção, infelizmente ainda é utilizada como forma de punição antecipada, pois há um exagero em sua decretação, aumentando, consideravelmente o número de presos e contribuindo para um aumento da violência, já que a prisão é sinônimo de crueldade e de desmandos.

Uma possível redução da maioridade penal de 18 para 16 anos, como a sociedade quer, em nada contribuirá para a diminuição da violência, pois mais uma vez queremos resolver problema social com prisão, porque os menores infratores de hoje são vítimas das drogas e da sociedade, enquanto o descumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente, uma lei de 1990, é uma realidade cruel e desumana.


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