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Genival Veloso de França

Genival Veloso de França

08/01/2016

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Sumário: O autor chama a atenção para a possibilidade da aplicação do artigo 129 do Código Penal brasileiro e da possibilidade de provocações de ações por responsabilidade civil quando caracterizado o dolo ou a culpa em danos fetais. Chama a atenção também para a complexidade da perícia do dano fetal e estipula alguns critérios nesta avaliação. Discute a possibilidade de um Estatuto Jurídico do Feto, da antecipação da personalidade civil e da responsabilidade da mãe, da sociedade e do Estado sobre a criança que vai nascer.

Unitermos: Danos fetais. Lesões no nascituro. Traumatologia fetal.

Discussão

O feto pode ser sujeito passivo no crime de lesões corporais? O Código Penal brasileiro em vigor, no artigo 129, que trata das lesões corporais, diz que está sujeito a pena de detenção aquele que “ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem”, o que dar a entender que é crime comprometer a vida ou a saúde de alguém de mesma condição, ou seja, de outra pessoa. E o feto não sendo pessoa estaria fora desta proteção e assim não se poderia aplicar o tipo penal aqui considerado. Em suma, o feto só é objeto da tutela penal nos casos de aborto.

O artigo 2o do nosso Código Civil diz textualmente: “A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida, mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”. Desta forma, a lei não confere ao feto o título de pessoa, mesmo resguardando-lhe seus direitos civis futuros por meio de normas de justa proteção de seus interesses.

Ipsofacto, nascituro é aquele que foi concebido e ainda não nasceu. É o ser humano que está por nascer, já concebido no ventre materno, e mesmo que não lhe seja dada a condição de pessoa, estão resguardados, desde logo, seus inalienáveis direitos. Pelo que se vê não é apenas o recém-nascido que detém a proteção legal. Aquele que é apenas uma esperança de nascimento tem a proteção de seus eventuais direitos. Isto, sob o aspecto dos direitos civis. No que se refere à ótica do direito penal, o Estado coloca o nascituro sob a proteção incondicional, quando sanciona o aborto provocado, fora das situações de antijuridicidade, entre os crimes contra a vida, desde o momento da fecundação até instantes antes do parto.

Todos sabem que a vida humana tem algo muito emblemático e, portanto, não pode ter seus limites determinados por simples fases de estruturas celulares. A defesa e a proteção da pessoa humana – na grandeza e na dimensão que se espera do que fundamenta os direitos humanos, exige no mesmo sentido e nos mesmos valores o reconhecimento de todos aqueles que se encontram em qualquer estagio de vida, inclusive no estado embrionário.

Não é sem motivo que alguns defendem o inicio da personalidade jurídica desde a concepção, fundamentados em razões biológicas e morais. Esta teoria, chamada de concepcionista, baseia-­se na afirmação de que, se o nascituro é considerado sujeito de direito, se a lei civil lhe confere um cu­rador, se a norma penal o protege de forma abrangente, nada mais justo que se lhe reconhecesse também o status de pessoa e o considerasse com personalidade juridicamente autônoma. Isso porque o feto herda, transmite, demanda e, sua morte intencional é um cri­me.

O Código Penal espanhol de 1995 estabeleceu no artigo 157 um novo tipo de ilícito: Lesõesnofeto: “Aquele que, por qualquer meio ou procedimento, causar no feto uma lesão ou enfermidade que prejudique gravemente seu desenvolvimento normal, ou provoque no mesmo uma grave alteração física ou psíquica: prisão de um a quatro anos (…)”.

O Senado dos Estados Unidos, em 25 de março de 2004, aprovou a “Lei dos Nascituros Vítimas de Violência”, na qual aqueles que venham causar lesão ou morte a uma criança no ventre materno respondam penalmente, além do crime pelo dano produzido à gestante. Em casos desses delitos a lei americana concede a condição de pessoa ao nascituro.

Os artigos 124 a 127 do nosso diploma penal pune por crime de aborto a morte dolosa do nascituro, independente da idade da gestação, mas não trata dos casos em que da tentativa de aborto, por exemplo, venha causar-lhe uma alteração física ou uma perturbação de ordem psíquica.

O mais aceitável, para alguns, seria que a vida humana, independente de sua condição de pessoa com personalidade jurídica, tivesse toda proteção que merece todo ser humano, mesmo quando ainda na sua vida intra-uterina.

Seria justo que de um trauma abdominal proposital ou culposo em mulher de gravidez conhecida ou manifesta resultasse no feto uma lesão capaz de lhe causar perigo de vida, debilidade permanente de função ou enfermidade duradoura não serem considerados em relação ao feto e tão-somente um tipo penal no que diz respeito ä gestante? Enfim, o crime de lesão corporal só deve ter correspondência nos que detêm personalidade civil?

Alguns entendem que se da tentativa criminosa de aborto o feto nasce vivo e vem a morrer algum tempo depois do nascimento, há conversão para homicídio (RT 483/277). E se o feto sobrevive com um dano à vida ou à saúde? O lógico seria que o autor respondesse por crime lesões corporais de acordo com a quantidade e qualidade do dano. Os que repelem esta idéia, tendo em conta o princípio da legalidade, justificam-se dizendo da inexistência de previsão para a tutela penal especifica do tipo “lesão corporal do feto”.

Em um caso de morte fetal, depois de ter se iniciado o parto e ser ajuizada a culpa do médico, assim decidiu a 5a. Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, consta da Ementa: “A destruição da vida intra-uterina antes do início do parto caracteriza a hipótese de aborto, cuja punição a título de culpa não é prevista pelo Código Penal Brasileiro. Contudo, se a morte ocorreu depois de iniciado o parto, a hipótese é de homicídio, caso não tenha sido praticado pela mãe sob influência do estado puerperal. O início do parto é marcado pelo período de dilatação do colo do útero, consoante a doutrina penal. (…) – (APELAÇÃO CRIMINAL N° 1.0134.99.012239-9/001 – COMARCA DE CARATINGA – APELANTE(S): NSA – PELADO(A)(S): MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADO MINAS GERAIS – RELATOR: EXMO. SR. DES. ALEXANDRE VICTOR DE CARVALHO). Eis parte do voto do Relator: (…). “A indagação fundamental para o exame do presente caso é a seguinte: a destruição da vida intra-uterina ocorreu depois de iniciado o parto? Se antes, teremos a hipótese de aborto culposo, fato claramente atípico. Se a morte ocorreu depois de iniciado o parto, teremos, em tese, a tipicidade – art. 121, § 3º, CP. Já tive a oportunidade de me manifestar sobre o tema, desta forma: “a morte do feto, ainda no útero materno (vida intra-uterina), provocada a título de culpa, não encontra enquadramento típico no nosso Código Penal, uma vez que inexiste a figura do aborto culposo. Para a caracterização do homicídio, mister se faz a identificação do sujeito passivo: ser humano vivo. A morte durante o parto foi estudada pelo mestre Nelson Hungria, segundo o qual: “Para a configuração objetiva do homicídio, é indiferente a idade da vítima: tanto é homicídio a ocisão do feto intra partum quanto a do macróbio. Deve notar-se, entretanto, que a eliminação do feto ou recém-nascido pela própria mãe, “sob influência do estado puerperal, durante o parto ou logo após”, constitui um homicidium privilegiatum, sob o título especial de infanticídio (art. 123). O nosso Código compreende sob o nomemjuris de homicídio (ressalvada a hipótese especial do infanticídio) até mesmo a destruição do feto durante o parto, isto é, antes mesmo de verificar-se a possibilidade de vida extra-uterina. (…). Na mesma esteira, a lição do Professor E. Magalhães Noronha sobre o sujeito passivo do delito em tela: “Particularmente, é o indivíduo o ser vivo, nascido de mulher ou que está nascendo. Com efeito, se a destruição do feto ou do embrião no útero materno é abortamento, é homicídio a destruição do feto durante o parto. É a conclusão inelutável a que se chega pelo confronto do art. 121 com o 123, pois este, definindo o infanticídio – crime privilegiado – fixa o momento da ação – durante o parto ou logo após – e conseqüentemente quem não se achar nas condições do privilégio praticará homicídio se destruir o ente antes mesmo que haja vida autônoma, isto é, destruir o ser nascente. (…)”.

Desta forma, é de se entender que matar um ser humano após ter se iniciado o parto é homicídio ou infanticídio, pois em tal situação já terminou a vida intra-uterina. Não há o que se falar de aborto.

Por outro lado as lesões no feto podem ser arguídas em ações indenizatórias.

Quando o dano é produzido pela ação de um terceiro a responsabilidade penal não se tornaria tão complexa, bastando que se caracterize o dano, a culpa e o nexo de causalidade, mesmo em alguns casos como nos danos pré-concepcionais onde, por exemplo, um médico deixasse de orientar sobre a possibilidade do nascimento de um filho com determinadas anomalias em face da existência de desordens genéticas de um dos pais. Os danos pós-concepcionais na área médica podem trazer também um certo nível de dificuldade de estabelecer a culpa.

Já uma ação civil contra a mãe negligente que se recusa seguir as devidas condutas e precauções? Como avaliar cada recusa? Qual deveria ser a previdência do poder público em relação a essa conduta e qual seria a posição do médico nessas situações? Uma coisa ninguém discorda: a necessidade que tem o poder público de usar de todos os meios ao seu alcance no sentido de propor uma política de prevenção de danos pré-natais, mesmo sabendo-­se das dificuldades de uma intervenção em certos contextos, como diante da nocividade do uso do álcool e de outros tóxicos, da presença de certas doenças sexualmente transmissíveis e da insalubridade dos locais de trabalho capazes de comprometer a qualidade da vida fetal. Em alguns países já se cogita de sanções, depois do parto, por recusa culpável e causadoras de sérios danos ao filho. O nascimento dessa criança defeituosa só não seria punido se não existisse lei contra o aborto após a viabilidade do feto.

Baseadas em jurisprudência canadense (“toda pessoa tem o dever de respeitar as regras de conduta que, segundo as circunstâncias, os usos ou a lei, se lhe impõem de modo a não causar prejuízo a outrem”), não têm sido raras as ações de pais contra terceiros responsáveis pela morte in útero de um filho (wrongful death), a ação de perdas e danos dos pais contra os médicos, pelo nascimento de um filho com defeito (wrongful birth) ou a ação da própria criança, ela contra o terceiro responsável por seu nascimento anômalo (wrongful life).

Esta última situação – a de agir contra um terceiro responsável pelo seu nascimento anômalo – teria pouca ou nenhuma aceitação nas regras de responsabilidade civil entre nós, pois isto implicaria necessariamente no direito de não nascer, independente desta qualidade de vida questionada.

As obrigações da sociedade para com uma criança que ainda vai nascer são também uma questão muito complexa e está apenas no inicio de uma longa discussão. Por isso mesmo, não existe uma definição mais precisa capaz de apontar uma solução mais consensual. Essas obrigações pré-natais são, portanto, muito confusas, tanto pelo caráter intimo das primeiras fases da gestação, como pela inexistência de um estatuto jurídico do feto que o proteja no álveo materno.

Deveria o Estado ir além da educação e punir o comportamento maternal irresponsável durante a gravidez, impondo sanções civis ou criminais quando venha a ocorrer um dano real à criança? Deveria o Estado prevenir o dano antes que ele ocorra, punindo a mulher ou obrigando-a ao tratamento? Essas são indagações para as quais não se tem ainda uma resposta que possa favorecer, ao mesmo tempo, os direitos da mãe, as necessidades da futura criança e os interesses da coletividade.

Perícia

O avanço dos meios propedêuticos através de técnicas biomédicas têm contribuído para o diagnóstico precoce das alterações e malformações fetais, sejam elas produzidas pela mãe ou por terceiros., Alguns destes danos são anteriores ä concepção e por isso a necessidade de a perícia salientar o que é da condição hereditária dos pais ou de manipulações genéticas e outros são decorrentes de ações sobre o nascituro durante o período gestacional. Exemplos: o primeiro o caso de uma criança que nasce com síndrome de Down e outro o que nasce com um dano proveniente de trauma em acidente de transito. Isto pode redundar numa ação indenizatória contra o motorista culpado.Alguns danos físicos sáo facilmente identificados já na vida intra-uterina através dos meios de diagnóstico por imagem, podendo variar desde a contusão mais leve até as roturas de vísceras, hematomas e fraturas, sendo mais comuns as fraturas da pelvis, do crânio e dos membros. Outras lesões possíveis são as produzidas por ação penetrante do útero materno por arma branco ou de fogo..

Há também os danos produzidos por ação de medicamentos, alguns deles causadores de malformações principalmente no primeiro trimestre da gravidez. Estes medicamentos usados durante a gravidez foram classificados pela Food and Drug Administration numa variação que vai desde os semriscoconfirmados até os contraindicados. Incluam-se entre estes os hormônios e e as vacinas. A situação é mais delicada quando se trata de medicasme3ntos imprescindíveis para a saúde da gestante, como por exemplo, o uso dos quimioterápicos onde se deve levar em conta o risco benefício mãe-feto e o questionamento da perda de uma chance.

Graves, sem dúvida, são as lesões provocadas pelas drogas, destacando-se a heroina e a cocaína, sem deixar de mencionar o álcool, com os efeitos da síndromealcoólicafetal é caracterizada por microcefalia, baixo peso, dismorfias craniofaciais, retardo mental, anomalias cardíacas e cerebrais e até espinha bífida e malformações dos membros, sempre produzido pelo uso abusivo do álcool durante a gravidez, sendo que, pela intensidade das manifestações, as lesões ocorrem, na forma clássica, predominantemente nos primeiros três meses.

Graves ainda são as lesões provocadas por infecção onde têm destaque a rubéola, sífilis, toxicoplasmose, AIDS e hepatite. Outra forma de lesão fetal é a produzida pela aplicação de radiações ionizantes para fins de diagnóstico ou como meio terapêutico.

Não se poderia deixar de incluir entre as lesões no feto as perturbações, malformações e alterações oriundas da má condução da gravidez e do parto, que vão desde os descuidos do pré-natal, o uso da anestesia ou analgesia e as lesões por mal condução no período expulsivo.

Em suma, a perícia médico-legal, mesmo se comportando dentro da metodologia utilizada nos demais casos de avaliação do dano pessoal, deve ter em conta a complexidade e a delicadeza do exame das lesões no feto. Assim, deve-se ter um diagnóstico concreto da lesão fetal, definição exata da origem da lesão, completa consideração aos parâmetros de avaliação do dano, determinação do nexo causal e avaliação clínica de todo processo gestacional.

Conclusões

Estamos entre aqueles que defendem a criação de um “”Estatuto Jurídico do Feto” onde, entre outros, reconheçam-se sua condição de ser humano desde a concepção, toda proteção jurídica no que concerne ao direito de proteção da vida e da saúde, da dignidade, da honra e da defesa do seu patrimônio.

O certo é que, mais cedo ou mais tarde, vão surgir muitas questões de ordem jurídica, não apenas em situações referentes a danos provocados por lesões fetais, mas também às ligadas aos embriões congelados e seus possíveis descartes, onde em muitos casos chega-se a discutir se são eles seres humanos ou simples “coisas”. E não se diga que este assunto é de pura especulação, pois ele transcende aos seus aspectos meramente teóricos.


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