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NOVO CPC

PROCESSO CIVIL

A jurisdição voluntária continua firme, forte e vitaminada no Novo Código

ART. 16 DO CPC

CPC DE 2015

JURISDIÇÃO CIVIL

JURISDIÇÃO CONTENCIOSA

JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA

Elpídio Donizetti

Elpídio Donizetti

20/01/2016

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O Código de 1973, em seu art. 1o, admite expressamente duas espécies de jurisdição: contenciosa e voluntária.[1] O novo CPC não repete essa dicotomia, tanto que, no art. 16 estabelece que “a jurisdição civil é exercida pelos juízes e pelos tribunais em todo o território nacional, conforme as disposições deste Código”.

Uma leitura apressada desse dispositivo poderia levar o intérprete a pensar que o CPC de 2015 aboliu essa peculiar modalidade da função jurisdicional.  Mas não é bem assim. Com algumas modificações, os procedimentos especiais de jurisdição voluntária continuam regulados no novo Código. Integram o Capítulo XV do Título III (Dos Procedimentos Especiais) do Livro I da Parte Especial (Do Processo de Conhecimento e Do Cumprimento de Sentença).  Os procedimentos de jurisdição voluntária encontram-se disciplinados nos arts. 719 a 770. Há pedidos que processar-se-ão segundo um procedimento comum ou padrão (art. 725) e muitos outros para os quais há procedimentos típicos ou nominados (a partir do art. 726). O procedimento especial referente à especialização da hipoteca legal foi excluído do Código, de modo que o aplicador do Direito deve observar as regras dispostas no Código Civil de 2002 (arts. 1.489 e seguintes) e na Lei de Registros Públicos (Lei nº. 6.015/73). A notificação e interpelação mudou de status. Era procedimento cautelar e passou a figurar no rol dos procedimentos de jurisdição voluntária. Também para o divórcio e a separação consensuais, bem como para a extinção consensual de união estável e a alteração do regime de bens do matrimônio, há previsão de procedimento de jurisdição voluntária. No CPC/73 apenas a separação consensual era contemplada. Finalmente, a ratificação dos protestos marítimos e dos processos testemunháveis formados a bordo passaram a figurar no rol dos procedimentos especiais de jurisdição voluntária previstos no novo CPC.

O simples regramento, com considerável ampliação, das hipóteses de tais procedimentos no novo Código mostra que a jurisdição voluntária continua firme e forte, como um carvalho ou uma macieira. A não referência, no art. 16, à dicotomia que deu tanto combustível aos processualistas, tem a finalidade de mostrar que tanto os procedimentos de jurisdição contenciosa quanto os de jurisdição voluntária são jurisdicionais. Mas o simples qualificativo – “de jurisdição” – não seria suficiente para indicar a natureza deles? Sim. Mas no mundo do Direito qualquer questiúncula pode dar margem a intermináveis discussões. É por isso que identificamos duas correntes com relação ao tema, isso porque estou a desprezar a corrente intermediária.

A corrente dita clássica ou administrativista, capitaneada por Chiovenda, sustenta que a chamada jurisdição voluntária não constitui, na verdade, jurisdição, tratando-se de atividade eminentemente administrativa. No Brasil, o maior defensor dessa orientação foi Frederico Marques, para quem a jurisdição voluntária é materialmente administrativa e subjetivamente judiciária[2]. Em síntese, nessa atividade o Estado-juízo se limita a integrar ou fiscalizar a manifestação de vontade dos particulares, agindo como administrador público de interesses privados. Não há composição de lide. E se não há lide, não há por que falar em jurisdição nem em partes, mas em interessados.

Sustentam também que falta à jurisdição voluntária a característica da substitutividade, haja vista que o Poder Judiciário não substitui a vontade das partes, mas se junta aos interessados para integrar, dar eficácia a certo negócio jurídico. Por fim, concluem que, se não há lide, nem jurisdição, as decisões não formam coisa julgada material. Para corroborar esse ponto de vista, invocam o art. 1.111 do CPC/73, segundo o qual “a sentença poderá ser modificada, sem prejuízo dos efeitos já produzidos, se ocorrerem circunstâncias supervenientes”.

Há, por outro lado, uma corrente que atribui à jurisdição voluntária a natureza de atividade jurisdicional. Essa orientação conta com a adesão de Calmon de Passos, Ovídio Baptista e Leonardo Greco. Segundo essa corrente – denominada jurisdicionalista –, não se afigura correta a afirmação de que não há lide na jurisdição voluntária. Com efeito, o fato de, em um primeiro momento, inexistir conflito de interesses, não retira dos procedimentos de jurisdição voluntária a potencialidade de se criarem litígios no curso da demanda. Em outras palavras, a lide não é pressuposta, não vem narrada desde logo na inicial, mas nada impede que as partes se controvertam. Isso pode ocorrer no bojo de uma ação de alienação judicial de coisa comum, por exemplo, em que os interessados podem dissentir a respeito do preço da coisa ou do quinhão atribuído a cada um.

Os defensores da corrente jurisdicionalista também advertem, de forma absolutamente correta, que não se pode falar em inexistência de partes nos procedimentos de jurisdição voluntária. A bem da verdade, no sentido material do vocábulo, parte não há, porquanto não existe conflito de interesses, ao menos em um primeiro momento. Entretanto, considerando a acepção processual do termo, não há como negar a existência de sujeitos parciais na relação jurídico-processual.

Reforçando a tese de que a jurisdição voluntária tem natureza de função jurisdicional, Leonardo Greco esclarece que ela não se resume a solucionar litígios, mas também a tutelar interesses dos particulares, ainda que não haja litígio, desde que tal tarefa seja exercida por órgãos investidos das garantias necessárias para exercer referida tutela com impessoalidade e independência.[3] Nesse ponto, com razão o eminente jurista. É que a função jurisdicional é, por definição, a função de dizer o direito por terceiro imparcial, o que abrange a tutela de interesses particulares sem qualquer carga de litigiosidade.

Em suma, para a corrente jurisdicionalista, a jurisdição voluntária reveste-se de feição jurisdicional, pois: (a) a existência de lide não é fator determinante da sua natureza; (b) existem partes, no sentido processual do termo; (c) o Estado age como terceiro imparcial; (d) há coisa julgada.

O novo CPC trilhou o caminho da corrente jurisdicionalista e vitaminou (bombou!) os procedimentos de jurisdição voluntária com a imutabilidade da coisa julgada.  A não repetição do texto do art. 1.111 do CPC/73 é proposital. A sentença não poderá ser modificada, o que, obviamente, não impede a propositura de nova demanda, com base em outro fundamento. A corrente administrativista está morta e com cal virgem foi sepultada. Também a jurisdição voluntária é jurisdição – tal como a penicilina, grande descoberta! – com aptidão para formar coisa julgada material e, portanto, passível de ação rescisória.

Mas ainda há gente estupefata. Num simpósio no STJ, um renomado professor de Processo, sempre antenado às lições chiovendianas, tentou me nocautear. Se é certo que a sentença proferida em procedimento de jurisdição voluntária produz coisa julgada, tirante a hipótese de rescisão, uma vez interditada uma pessoa, ela jamais poderá recobrar a capacidade de reger os seus bens e praticar atos da vida civil, afirmou o boxeador, como ares de quem havia desferido o golpe certeiro. Não satisfeito, complementou: contudo, o art. 756 do novo CPC permite o levantamento total ou parcial da interdição, o que significa que, não obstante o legislador não ter reproduzido o conteúdo do art. 1.111 do CPC/73, se permite a modificação da sentença, o que indica que coisa julgada não houve.

Ora, meu caro professor – respondi eu –, o pedido de levantamento corresponde a uma verdadeira revisão do que restou decidido na sentença de interdição. Na ação em que se busca levantar a interdição, a causa de pedir é distinta da indicada na ação originária. E, em sendo assim, não há óbice ao julgamento de outra causa. Imaginemos a seguinte situação: o Ministério Público requereu a interdição de Caio ao fundamento de que, em razão de ser portador de doença mental grave, não tinha a mínima condição de administrar seus bens e praticar qualquer ato da vida civil.  Na sentença, com base na prova pericial e também na entrevista levada a efeito na forma do art. 751 do CPC/2015, o juiz decretou a completa interdição, dele subtraindo a possibilidade praticar, por si só, qualquer ato da vida civil. Entretanto, como resultado do tratamento a que fora submetido, o interditando recuperou parcialmente o discernimento. Em razão disso, o próprio Ministério Público requereu o levantamento parcial da interdição, o que foi acatado pelo juiz, que, na sentença, limitou a interdição a alguns atos da vida civil, como, por exemplo, casar e alienar bens imóveis. Constata-se que a segunda demanda (a “revisional” da interdição) é distinta da primeira, porque diferentes são as causas de pedir. Dessa forma, não se pode cogitar de óbice a que se julgue a “revisional”, exatamente porque constitui outra causa. Por outro lado, não se pode justificar a possibilidade de levantamento completo ou parcial da interdição ao argumento de que na ação de interdição não há formação de coisa julgada. Os efeitos da coisa julgada – ou do caso julgado, como preferem alguns – encontram-se presentes. O que ocorre é que as causas subjacentes à ação de interdição e à respectiva “revisional” são distintas. O fenômeno processual é idêntico ao que se passa com as ações de trato continuado ou sucessivo (sentenças determinativas). Nesta, o art. 505, I, CPC/2016, em vez de negar, confirma a ocorrência de coisa julgada. No que tange à interdição, como de resto em todos os procedimentos de jurisdição voluntária, há formação de coisa julgada material, admitindo-se, entretanto, a revisão, presente outro fundamento fático, portanto, outra causa.

Agora é a minha vez de nocautear. E o faço com um peso pesado do Direito Processual brasileiro. Segundo o festejado baiano Fred Didier, “se até mesmo decisões que não examinam o mérito se tornam indiscutíveis (art. 486, § 1º), muito mais razão haveria para que decisões de mérito proferidas em sede de jurisdição voluntária também se tornassem indiscutíveis pela coisa julgada material[4]. Para reforçar, vai um golpe de próprio punho: se até a tutela provisoriamente concedida nos termos do art. 304, CPC/2015, tem aptidão para estabilizar-se (efeito que de certa forma se assemelha ao da coisa julgada), o que dirá de uma decisão proferida após análise exauriente?

Essa é mais uma pílula cujo assunto certamente será sinônimo de polêmica na doutrina, assim como tantos outros que estão abordados pelo novo CPC.


[1] Art. 1º da Lei 5.869/97 (CPC/73): “A jurisdição civil, contenciosa e voluntária, é exercida pelos juízes em todo território nacional, conforme as disposições que este Código estabelece”.
[2]?GRECO, Leonardo. Jurisdição voluntária moderna. São Paulo: Dialética, 2003. p. 16.
[3]?GRECO, Leonardo. Op. cit., p. 18.
[4] DIDIER, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 1. Salvador: Juspodvm, 2015, p. 193.

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