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Breves comentários sobre as alterações da Lei Anticorrupção

José dos Santos Carvalho Filho

José dos Santos Carvalho Filho

25/01/2016

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A Lei 12.846, de 1.8.2013 (Lei Anticorrupção), dispõe sobre a responsabilidade administrativa e civil das pessoas jurídicas em virtude da prática de atos contra a Administração Pública nacional ou estrangeira, instituindo, para tal fim, um verdadeiro microssistema punitivo.

Depois de vigorar por menos de dois anos – sua vigência iniciou-se em 1.2.2014, seis meses após a publicação ocorrida em 2.8.2013 – a lei sofreu diversas e significativas alterações introduzidas pela recente Medida Provisória 703, de 18.12.2015, algumas delas alvo de intensas críticas dos especialistas.

Em razão da natureza da matéria e da repercussão da lei neste momento em que se tenta passar a limpo a ruinosa criminalidade e o nível estarrecedor de corrupção no seio do Estado, frequentemente exercidos por intermédio de pessoas jurídicas, parece cabível fazer, ainda que sucintamente, breves anotações sobre algumas mudanças.

Cabe notar, à guisa de observação preliminar, que a lei atribuiu responsabilidade objetiva às pessoas jurídicas envolvidas, o que significa que os ilícitos praticados independem da apuração de culpa, bastando apenas o nexo causal entre a transgressão e o resultado da conduta. Por outro lado, como a pessoa jurídica obviamente não pode externar vontade própria, fazendo-se presente por seus dirigentes ou administradores, a responsabilização daquela não exclui a destes ou de qualquer outra pessoa natural que tiver participado da conduta.

As maiores alterações recaíram sobre o acordo de leniência, ajuste firmado pelas pessoas jurídicas responsáveis pela prática dos atos e fatos investigados com o objetivo de colaboração efetiva com as apurações e os respectivos processos administrativos.

De plano, a lei autorizou um rebaixamento de competência. Antes, a celebração exigia a participação da autoridade máxima do órgão ou da entidade pública. Agora, porém, os entes públicos devem ser representados por seus órgãos de controle interno. No caso da União, esse órgão é a CGU – Controladoria-Geral da União, atuando, na hipótese, como representante do ente federal. A lei, pois, criou uma forma de delegação legal.

Como o texto anterior da lei era omisso a respeito, surgiram algumas dúvidas sobre se haveria a participação necessária do Ministério Público no acordo de leniência. Com a alteração, todavia, a lei deixou claro que os órgãos administrativos podem celebrar o acordo isoladamente ou em conjunto com o Ministério Público ou com a Advocacia Pública (art. 16). A conclusão, portanto, é a de que não é obrigatória a intervenção do Parquet.

Em nosso entender, foi infeliz a opção do legislador. De um lado, afastou a participação do órgão ao qual incumbe a fiscalização das leis e que atua com imparcialidade, além de ser um dos mais acreditados pela sociedade. De outro, permitiu que nos acordos pairem justificadas suspeitas sobre a prevalência dos interesses privados sobre o interesse público, fato que não tem sido incomum na rotina administrativa.

Para que o acordo de leniência seja realmente eficaz, a lei previa que dele deveriam resultar: a) a identificação dos demais envolvidos na infração; b) a obtenção célere de elementos que comprovassem a infração. Com a alteração da MP 703, o legislador aditou mais dois efeitos: 1º) a cooperação da pessoa jurídica com as investigações; 2º) o compromisso dela com a implantação ou aperfeiçoamento dos mecanismos de controle interno de moralidade (art. 16, I a IV).

Os acréscimos não foram muito significativos. A cooperação, obviamente, é da essência do próprio acordo. E o compromisso é facílimo de ser assumido, mas, na prática, pode refletir apenas falácia. O que o Estado precisa fazer é avaliar com eficiência as condições do acordo, ou seja, verificar se a participação da pessoa jurídica conduz efetivamente aos ilícitos investigados e a seus autores.

Foi alterado também o sistema punitivo, com expressiva vantagem para a empresa pactuante. Primitivamente, o acordo a isentava apenas das sanções de publicação extraordinária da decisão condenatória e da proibição do recebimento de subvenções, empréstimos e outras formas de apoio por parte dos entes públicos. Agora, a isenção alcança também as sanções restritivas ao direito de licitar e contratar, previstas na Lei 8.666/1993 (Estatuto dos Contratos e Licitações) (art. 16, § 2º).

Noutro giro, a multa anteriormente era apenas passível de redução até dois terços de seu valor. A Lei 12.846, no entanto, com a alteração da MP 703, passou a admitir, além da redução, a completa remissão (ou perdão) da multa, caso a pessoa jurídica seja a primeira a firmar o acordo de leniência, e em tal situação não se lhe poderá aplicar qualquer outra sanção pecuniária concernente às infrações mencionadas no ajuste (art. 16, § 2º, III).

Quanto ao efeito do acordo no tempo, também houve alteração. A lei anterior admitia apenas a interrupção da prescrição no caso de celebração do acordo de leniência, no que se refere aos atos e fatos investigados. Alterou-se a lei para considerar duas hipóteses: 1ª) a formalização da proposta enseja a suspensão do prazo; 2ª) a celebração do acordo provoca a interrupção (art. 16, § 9º). Deduz-se que, caso haja a formalização da proposta sem a celebração do acordo, a contagem do prazo simplesmente continuará, ao passo que, sendo firmado o ajuste, o prazo será interrompido, vale dizer, a contagem será reiniciada, como se não tivesse transcorrido qualquer período temporal precedentemente.

Inovando na matéria, a MP 703 introduziu na Lei 12.846 alguns novos preceitos. Um deles consiste nos efeitos da participação dos órgãos jurídicos e ministeriais. Caso o acordo tenha a participação da Advocacia Pública, haverá impedimento a que os entes celebrantes promovam o ajuizamento ou a continuação (a) das ações que objetivem a aplicação de sanções da lei (perdimento de bens, dissolução compulsória etc.) e (b) das ações de improbidade previstas na Lei 8.429/1992 (art. 16, § 11).

Se o acordo tiver a participação da Advocacia Pública em conjunto com o Ministério Público, o impedimento recairá sobre o ajuizamento ou o prosseguimento de ação já ajuizada por qualquer dos legitimados às referidas ações (art. 16, § 12). Como se pode observar, a lei estabeleceu mecanismos administrativos que afetam a atuação na esfera judicial. É que o acordo, segundo vigora atualmente, traduzirá, como corolário, ausência, inicial ou superveniente, de condição da ação – no caso, o interesse processual. Resulta que, estando em curso a ação, o processo será extinto sem resolução de mérito (art. 267, VI, CPC; art. 485, VI, novo CPC).

Outra novidade diz respeito à circunstância de o ente público não ser provido de órgão de controle interno. Na hipótese de inexistência deste, o acordo de leniência somente pode ser celebrado pelo chefe do respectivo Poder em conjunto com o Ministério Público (art. 16, § 13). Por conseguinte, só nesse cenário a lei exigiu a intervenção compulsória do MP. Sendo inobservado esse requisito, o ajuste estará inquinado de vício insanável de nulidade, o que desafiará a sua invalidação.

A MP 703 também incluiu a participação do Tribunal de Contas. Segundo a nova redação da Lei 12.846, o acordo de leniência deverá ser encaminhado ao respectivo Tribunal de Contas, cabendo a essa Corte decidir se instaura processo administrativo contra a pessoa jurídica celebrante, visando apurar eventual prejuízo ao erário – isso, obviamente, quando entender que o valor mencionado no acordo não espelha a real reparação dos prejuízos causados aos cofres públicos (art. 16, § 14).

Praticamente todas as alterações foram benéficas às empresas infratoras, e esse fato, como era de se esperar, provocou fundadas suspeitas nos estudiosos em geral. Tendo em vista que os antecedentes da Administração não são nem de longe confiáveis, a suspeição recai também sobre os argumentos por ela adotados para a Medida Provisória, destacando-se entre eles o fato de que não se deve paralisar o ciclo econômico. Mas, se tal premissa é verídica, não menos verdadeiro é o fato de que o afrouxamento punitivo provocará consistente alívio às infratoras, ainda mais diante dos cenários favoráveis que as alterações lhes propiciaram.


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