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O poço filosófico

Joseval Martins Viana

Joseval Martins Viana

17/02/2016

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Eu estava lendo algumas jurisprudências do Tribunal de Justiça de São Paulo e encontrei o seguinte parágrafo no Acórdão proferido nos autos de Apelação n. 9220994-68.2007.8.26.0000: “Por outro lado, os policiais alegam que, em patrulhamento, trafegavam por um lugar ermo, próximo ao poço cartesiano, onde era, comumente, palco de crimes, tendo abordado o bando de garotos, chamando reforço por estarem em apenas dois, e, após os procedimentos de identificação, foram os mesmos liberados, sem que houvesse nenhuma agressão.”

Tentei imaginar o que levou o relator a escrever “poço cartesiano” no lugar de “poço artesiano”. Comecei a rir comigo mesmo, porque iniciei a seguinte e inútil reflexão: o método cartesiano foi criado por René Descartes, e esse método consiste na ideia de que “só se pode dizer que existe aquilo que possa ser provado”. Dessa forma: “Penso, logo existo”. Daí, o poço filosófico: Esse poço pensa, logo ele existe.

A análise textual que fiz está fundamentada em uma reflexão literal sem considerar o equívoco do construtor do texto. Essa reflexão cômica me remeteu a algumas expressões que usamos nas peças processuais sem conhecermos efetivamente a carga semântica das palavras jurídicas.

Em uma petição inicial, deparei-me com a seguinte oração: “Diante do exposto, requer que o pedido seja julgado procedente, para que seja feita a mais lídima justiça!” Quero destacar o adjetivo “lídima”. Esse vocábulo significa “legítima”, “autêntica”. Considerando a carga semântica da palavra “lídima” não podemos empregá-la nesse contexto, porque pressupomos também a existência de uma justiça ilegítima, falsa, inautêntica etc.

O emprego correto para o vocábulo lídima é este: “Fulana de Tal é a lídima herdeira de Sicrano de Tal” Aí você vai me perguntar: “Mas professor, existe herdeira legítima e ilegítima!” Respondo: Sim! A herdeira pode ser legítima ou ilegítima na discussão de um inventário, por exemplo, no entanto, não existe justiça ilegítima. Justiça por si só já é legítima; já traz uma carga semântica positiva que só pode significar autêntica, legítima. Mesmo que haja “injustiça” ela não pode ser considerada ilegal. Por exemplo, o autor perdeu uma ação. Mesmo que ele defenda a ideia de que houve injustiça, a sentença deve ser cumprida. Assim, a justiça foi feita independentemente do que pensa ou não o autor. Esse é o ponto!

Por esse motivo, sempre defendi o emprego da antiga e tradicional frase: “Diante do exposto, requer que o pedido seja julgado procedente, para que seja feita a mais costumeira justiça!”

Lendo alguns textos na internet, encontrei este exemplo: “Postos os fatos, Vossa Excelência estará praticando a mais lídima justiça se assim procederes.” Há dois erros de construção oracional aqui: o primeiro é o emprego inadequado do adjetivo “lídima” cujo estudo já realizei nos parágrafos anteriores. Apenas para reforçar, devemos escrever: “Postos os fatos, Vossa Excelência está praticando a mais costumeira justiça…”.

O segundo erro está no emprego do verbo “procederes”. Vejamos que o advogado empregou “procederes”, quando, na verdade, deveria ter empregado “proceder”. O pronome de tratamento “Vossa Excelência” corresponde à terceira pessoa do singular ou do plural.

Por isso, ao empregar “Vossa Excelência”, devemos flexionar o verbo na terceira pessoa: Vossa Excelência julgará a ação do autor esta semana? Quando Vossa Excelência retornará de férias?

Outra dúvida frequente é o emprego de “à custa de” e “às custas de”. A expressão “à custa de” significa “a expensas de”. Exemplo: “Muitas empresas têm de crescer à custa de empréstimos bancários.”

Se empregarmos no plural (as custas de – sem o acento indicativo de crase), o significado será de “despesas feitas com um processos judiciais”. Notemos que “as custas de) não forma locução, visto que significa “custas acrescidas”; “aquelas que se vencem no curso ou finalizada uma fase processual”. Exemplo: As custas processuais deveram ser recolhidas na propositura da demanda.

Reforço que não existe “às custas de”. O motivo do erro está em ser a locução “à custa de” sinônimo de “a expensas de”.

Quando estou ministrando aulas de Português Jurídico, saliento aos meus alunos que devemos conhecer o significado e a escrita correta das palavras, visto que um erro de gramática irá depor contra o enunciador da peça processual.

Por essa razão, se houver alguma dúvida sobre a grafia ou o significado da palavra, consulte um bom dicionário. O texto jurídico da peça processual deve ser escrito de forma correta. Sem deslizes gramaticais. Fica a dica!


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