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Elpídio Donizetti

Elpídio Donizetti

16/03/2016

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O sistema jurídico brasileiro, para não mencionar o de outros países, foi estruturado num tempo em que o documento cartular (folha de papel) constituía o único meio de prova dos atos jurídicos para os quais a lei exige forma escrita. Assim, sempre que a lei exige forma escrita como requisito formal de validade de determinadas manifestações de vontade está se referindo a texto manuscrito, datilografado ou impresso sobre papel.

Entretanto, pelo menos em nível de sistema normativo, essa realidade foi completamente alterada com o advento da MP 2.200-2, de 24/8/2001, que instituiu a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira-ICP-Brasil, para garantir a autenticidade, a integridade e a validade jurídica de documentos em forma eletrônica. Agora, por força desse novo regramento, para efeito de manifestação da vontade, a folha de papel (cártula) foi equiparada ao meio virtual e a assinatura, antes aposta de forma manuscrita, pode ser lançada, com idêntico valor jurídico, digitalmente.

Na realidade, a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira, que possibilita a utilização de “assinatura digital baseada em certificado digital emitido por Autoridade Certificadora credenciada”,[1] teve origem no Decreto no 3.587/2000, que instituiu o sistema de chaves públicas no âmbito do Poder Executivo.

A Medida Provisória no 2.200-2/2001, por sua vez, não só cuidou de ampliar a abrangência da utilização da assinatura digital a qualquer portador de certificado digital expedido pelo ICP-Brasil, como regulamentou os efeitos jurídicos produzidos por uma declaração de vontade assinada digitalmente.

No âmbito do processo, o pontapé no sentido da informatização foi dado pela Lei no 9.800/99. O alcance dessa norma, entretanto, é pífio, uma vez que apenas possibilitou o envio de petições por fac-símile, não dispensando as partes de entregar os originais, o que deve ser feito até cinco dias a contar do término do prazo. Na prática, serviu para aumentar o uso do papel. Além do papel utilizado para impressão do fac-símile, outro tanto é gasto na impressão da petição original. Iniciativa assim presta-se tão somente para dar ao usuário dos serviços judiciários a impressão de que algo está sendo feito no caminho da modernização, sem qualquer reflexo na agilização dos processos.

Logo depois da edição da Medida Provisória no 2.200-2/2001, veio a lume a Lei no 10.259/2001, que instituiu os Juizados Especiais Federais, dando grande impulso na informatização, porquanto facultou aos tribunais organizar serviço de intimação das partes e de recepção de petições por meio eletrônico; estabeleceu que a reunião de juízes integrantes da Turma de Uniformização jurisprudencial, quando domiciliados em cidades diversas, devesse ser feita pela via eletrônica; e previu a criação de programas de informática necessários para subsidiar a instrução das causas submetidas aos Juizados, bem como a realização de cursos de aperfeiçoamento destinados aos seus magistrados e servidores (arts. 8o, § 2o, 14, § 3o, e 24). Como se sabe, os TRFs desenvolveram o programa denominado e-processo (e-Proc), o que, afora outros benefícios, redundou em grande economia de papel.

Ainda em 2001, por meio da Lei no 10.358/2001, o legislador acrescentou parágrafo único ao art. 154 do CPC, o qual estabelecia que, “atendidos os requisitos de segurança e autenticidade, poderão os tribunais disciplinar, no âmbito da sua jurisdição, a prática de atos processuais e sua comunicação às partes, mediante a utilização de meios eletrônicos”. Entretanto, em razão da ausência de previsão da interoperabilidade, esse dispositivo foi vetado pelo presidente da República, só retornando ao ordenamento jurídico em 2006, com a edição da Lei no 11.280/2006.

Como salienta Demócrito Reinaldo Filho, nas “razões do veto ficou estampada a preocupação de cada tribunal desenvolver seu próprio sistema de certificação eletrônica, em prejuízo de uma recomendável uniformização de padrões técnicos”.

“O receio [prossegue o autor] era que alguns tribunais quisessem desenvolver suas próprias estruturas de certificação digital ou se filiar a outras ICP’s. A OAB até então vinha insistindo em criar uma ICP autônoma, relutando em que o credenciamento de advogados, para fins de certificação de atos processuais, fosse feito através da ICP-Brasil.”[2]

A preocupação externada no veto presidencial motivou o legislador a reintroduzir, com nova redação, o §1º ao art. 154 do CPC de 1973[3]. Assim, além dos requisitos de autenticidade, integridade e validade jurídica, os tribunais, na instituição e regulamentação do processo eletrônico ou virtual, devem atender o requisito da interoperabilidade.

Em linguagem de bacharel em direito, que está fazendo um esforço hercúleo para explicar alguns conceitos técnicos aos seus leitores, interoperabilidade significa que o sistema de um tribunal pode comunicar com o de outro e, mais do que isso, significa que o advogado não precisa de uma senha para protocolar petição na Justiça Federal, outra na Justiça de São Paulo, outra para a Justiça de Minas Gerais, enfim, não precisa guardar uma infinidade de códigos para atuar no Judiciário brasileiro, que, além de ser nacional, exerce função una.

Não obstante a previsão do parágrafo único do art. 154 do CPC/73, a torre de Babel imperou na informatização do Judiciário. Os tribunais não tiveram a mínima preocupação com a uniformização, de forma que cada Estado da federação e também os diversos órgãos que integram a justiça federal (STF, STJ, TRF’s, etc) adotaram equipamentos distintos, programas distintos, enfim, constituíram ilhas de informatização, olvidando que a justiça é nacional e, portanto, una. Isso fez com que fossem criadas senhas/códigos diversos para acesso a cada tribunal, dificultando sobremaneira a vida dos advogados.

Tudo o que se referia à interoperabilidade, à padronização dos diversos sistemas, foi jogado por terra com a disposição constante dos arts. 1o, § 2o, inciso III, alínea “b”, e art. 18, da Lei no 11.419/2006, que, por ser posterior a todas as outras, anteriormente citadas, naturalmente as revoga. Tal dispositivo da Lei do Processo Eletrônico permite que cada tribunal crie seu próprio cadastro de usuário. Isso significa que o usuário do serviço judiciário – leia-se: o advogado – cadastrado no Tribunal de Justiça de Minas Gerais não poderá utilizar a mesma assinatura digital para a prática de atos no STF, por exemplo. Como se vê, no que toca ao processo eletrônico, a despeito do que dispõe o art. 154, parágrafo único do CPC de 1973, a interoperabilidade não é obrigatória.

Diante das inúmeras críticas e da necessidade de se estabelecer uma verdadeira interoperabilidade para a completa e efetiva implementação do processo eletrônico, diversas instituições[4] adentraram na discussão sobre necessidade de reforma do Código de Processo Civil. O principal objetivo era demonstrar a necessidade de se estabelecer um conjunto de regras e princípios necessários à prática eletrônica dos atos processuais em todo e qualquer órgão jurisdicional.

Os dispositivos relativos ao processo eletrônico no novo CPC (arts. 193 a 194) vieram, então, com a finalidade de compatibilizar a comunicação dos atos processuais, por meio de um sistema de automação processual dotado de amplas garantias, e de reduzir os gastos com a prática de atos de comunicação destinado às partes, aos advogados e entre juízes.

A implementação de qualquer modernização nos sistemas de automação processual não se dará apenas pelas previsões contidas no novo Código. Os tribunais continuarão a regulamentar a prática e a comunicação oficial dos atos processuais, entretanto, apenas de maneira supletiva, quando não houver regramento por parte do Conselho Nacional de Justiça.

Espera-se que, assim, os administradores do Poder Judiciário dispam-se de vaidades e abram mão da paternidade deste ou daquele programa em prol da uniformização, que em última análise resultará em comodidade para os usuários dos serviços prestados pelo Judiciário e em agilidade do processo. Espera-se, ainda, como lembra Alexandre Atheniense[5], que sejam desenvolvidas soluções para buscar a capacitação e adesão de magistrados, advogados, servidores e demais auxiliares da justiça, de modo a minimizar as resistências naturais que envolvem a mudança cultural e a quebra de paradigmas que são enfrentadas em um momento de transição.


[1]?Uma das modalidades de assinatura eletrônica prevista na Lei 11.419/2006.
[2]?A informatização do processo judicial. Da Lei do Fax à Lei 11.419/2006: uma breve retrospectiva legislativa. Jus Navigandi, ano 11, no 1.295. Teresina, 17 jan. 2007. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9399>. Acesso em 20 jun. 2014.
[3] Art. 154, §1º, CPC/73: “Os tribunais, no âmbito da respectiva jurisdição, poderão disciplinar a prática e a comunicação oficial dos atos processuais por meios eletrônicos, atendidos os requisitos de autenticidade, integridade, validade jurídica e interoperabilidade da Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP – Brasil”.
[4] Citamos, como exemplo, o IBDE – Instituto Brasileiro de Direito Eletrônico e IBDI – Instituto Brasileiro de Direito da Informática.
[5] ATHENIENSE, Alexandre. Os avanços e entraves do processo eletrônico no Judiciário brasileiro em 2010. Conjur, Consultor Jurídico, em 16 dez. 2010. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2010-dez-16/retrospectiva-2010-avancos-entraves-processo-eletronico-justica>. Acesso em: 15 jan. 2015.

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