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Novo CPC e os prazos nos juizados, no processo penal e do trabalho

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Novo CPC e os prazos nos juizados, no processo penal e do trabalho

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JUIZADOS ESPECIAIS

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PROCESSO PENAL

Luiz Dellore
Luiz Dellore

28/03/2016

Nesta coluna, temos tratado de diversos problemas práticos que o profissional irá enfrentar com a vigência do Novo Código de Processo Civil. Não por acaso tratamos em algumas colunas a respeito dos prazos, algo de fundamental importância para se evitar a intempestividade[1]. A mudança mais relevante nesse assunto, sem dúvida, é a contagem dos prazos processuais em dias úteis, e não mais em dias corridos. Assim, a partir de agora não se contam mais prazos em finais de semana ou feriados.

Antes, qualquer que fosse o processo a contagem de prazo, em dias contínuos, era a mesma: processo civil (inclusive Juizados), processo penal e processo do trabalho. Mas e agora? A regra processual civil aplica-se de forma subsidiária aos demais processos[2]?

Vejamos o panorama.

Novo Código de Processo Civil e os prazos nos juizados, no processo penal e do trabalho

1) Processo Penal

No âmbito processual penal, seria possível se sustentar a aplicação subsidiária do CPC, mas a probabilidade de que a tese prevaleça é pequena. Portanto, o risco de se contar os prazos em dias úteis é grande.

Isso porque o tema é especificamente tratado no Código de Processo Penal (CPP), artigo 798:

Art. 798. Todos os prazos correrão em cartório e serão contínuos e peremptórios, não se interrompendo por férias, domingo ou dia feriado.

Portanto, se há regra específica na legislação processual penal, a contagem de prazos no processo penal segue sendo em dias corridos.

Isso fará com que a contagem de prazos, em varas únicas e gabinetes de tribunais que tratam de matérias cível e penal, seja feita de duas formas – o que seguramente não é adequado.

2) Processo do Trabalho

Tendo em vista o disposto do artigo 15 do NCPC[3], a primeira interpretação seria pela aplicação dos prazos em dias úteis ao processo trabalho. Seria, mas não será.

A dúvida decorria da Consilidação das Leis do Trabalho (CLT) que, tal qual o CPP, tem contagem específica de prazo.

Art. 775 – Os prazos estabelecidos neste Título contam-se com exclusão do dia do começo e inclusão do dia do vencimento, e são contínuos e irreleváveis, podendo, entretanto, ser prorrogados pelo tempo estritamente necessário pelo juiz ou tribunal, ou em virtude de força maior, devidamente comprovada.

Para evitar maiores problemas, o TST editou a Instrução Normativa 39/2016, indicando alguns dispositivos do NCPC aplicáveis e inaplicáveis ao processo do trabalho[4]. E o tema prazo foi especificamente enfrentado[5]:

Art. 2° Sem prejuízo de outros, não se aplicam ao Processo do Trabalho, em razão de inexistência de omissão ou por incompatibilidade, os seguintes preceitos do Código de Processo Civil:

III – art. 219 (contagem de prazos em dias úteis);

Assim, na Justiça do Trabalho, conforme inclusive já apontado pelo TST, os prazos seguirão sendo contados em dias corridos.

3) Juizados Especiais

No âmbito dos três Juizados, a questão deveria ser simples. Mas, infelizmente, não é…

Hoje, há três Juizados: Juizado Especial Cível (JEC, Lei 9.099/95), Juizado Especial Federal (JEF, Lei 10.259/01) e Juizado Especial da Fazenda Pública (JEFP, Lei 12.153/09).

Por expressa previsão legal, esses Juizados formam um sistema (grifos nossos):

Art. 1º, Parágrafo único da L. 12.153/2009. O sistema dos Juizados Especiais dos Estados e do Distrito Federal é formado pelos Juizados Especiais Cíveis, Juizados Especiais Criminais e Juizados Especiais da Fazenda Pública.

E, no sistema dos Juizados Especiais, aplica-se de forma subsidiária o CPC – e não o CPP ou CLT, por certo:

Art. 27 da L. 12.153/2009. Aplica-se subsidiariamente o disposto nas Leis nos 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil, 9.099, de 26 de setembro de 1995, e 10.259, de 12 de julho de 2001.

Portanto, tendo em vista (i) que não há regra especial de contagem de prazos processuais nos Juizados e (ii) a aplicação subsidiária do CPC73 e NCPC aos Juizados, seria simples concluir que os prazos processuais, nos Juizados, deveriam ser contados em dias úteis.

Trata-se de solução até mais simples que a do processo penal ou do trabalho, inexistindo aqui qualquer conflito normativo, correto?

Infelizmente, errado…

Existe uma divergência pública entre setores relevantes do Judiciário acerca da forma de contagem de prazos processuais nos Juizados – e que começa a se refletir nos casos concretos em trâmite em juízo, com respostas distintas.

Vejamos o panorama da situação.

(i) Em encontro de juízes organizado pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM), em agosto de 2015, cerca de 500 magistrados[6] se reuniram para debater o NCPC e elaborar enunciados[7].

Tais magistrados aprovaram o seguinte enunciado, a respeito do tema:

45) A contagem dos prazos em dias úteis (art. 219 do CPC/2015) aplica-se ao sistema de juizados especiais.

Em nosso entender, como exposto acima, essa é a resposta correta, tendo em vista os argumentos acima expostos.

(ii) Contudo, em março de 2016, poucos dias antes da vigência do NCPC, o  Fórum Nacional de Juizados Especiais[8] (FONAJE) divulgou “nota técnica” afirmando que, no JEC, não se aplica o prazo em dias úteis – e indicando que isso será votado, como enunciado, em encontro a ocorrer em junho de 2016[9].

Os argumentos para tal conclusão são a celeridade, duração razoável do processo e especialidade dos Juizados.

Há, entretanto, um detalhe importante. Não se indica qual o diploma legal a ser utilizado para a contagem de prazo processual em dias corridos, já que é afastada a contagem de prazos em dias úteis do NCPC e não há previsão acerca desse tema na Lei 9.099/95. Seria o CPP? Seria a CLT? Seria a aplicação das regras revogadas do CPC/1973?

De qualquer forma, não se trata de posição isolada no Judiciário. A tese de contagem de prazos em dias contínuos foi defendida publicamente pela Ministra Nancy Andrighi, do STJ e atual corregedora nacional do CNJ[10] e teve enunciado aprovado no âmbito do Fórum dos Juizados Especiais do Estado de São Paulo (FOJESP), realizado em 18/03/16 – ainda que por apertada maioria[11].

A respeito do conflito com o enunciado ENFAM, um dos representantes do FONAJE se manifestou, sendo conveniente reproduzir o seguinte trecho de notícia divulgada pela Associação de Magistrados do Brasil (AMB)[12]:

Para o Juiz de Direito e Secretário-Geral do FONAJE, Gustavo A. Gastal Diefenthäler, “tal entendimento é equivocado e foi extraído sem que fosse ouvido o FONAJE, foro adequado para deliberações sobre as questões e temas que afetam o Sistema de Juizados Especiais, em seus 19 anos de existência”.

Tem-se, portanto, uma divergência pública entre magistrados, que causa confusão entre os advogados e demais profissionais do Direito (inclusive, é claro, os próprios juízes dos Juizados). Isso é de causar perplexidade, especialmente considerando o comando legislativo inserto no NCPC que afirma que os tribunais deverão “uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente” (artigo 926).

4) Conclusão

Diante do exposto, é de se concluir o seguinte:

– no Processo Penal, os prazos processuais seguem sendo contados em dias corridos, não se aplicando o NCPC;

– no Processo do Trabalho, os prazos processuais seguem sendo contados em dias corridos, não se aplicando o NCPC;

– no sistema dos Juizados: há magistrados defendendo a contagem em dias úteis, com aplicação do NCPC (ENFAM) e magistrados defendendo a contagem em dias corridos, com base no princípio da celeridade, sem indicar, entretanto, qual a fonte normativa para a contagem de prazos em dias contínuos (FONAJE).

É de se lamentar que uma questão tecnicamente simples, em que deveria haver, sem maiores elucubrações a aplicação subsidiária do NCPC, transforme-se nessa polêmica[13].

Por óbvio, o advogado diligente (e, especialmente, o profissional informado a respeito desta polêmica…) não contará os prazos em dias úteis, até que finalmente a jurisprudência venha a se fixar, talvez no âmbito de um IRDR[14].

Em síntese, o risco de perda de prazo para o advogado que “apenas” leu o NCPC e as leis dos Juizados ou o enunciado ENFAM é imenso.

Para encerrar, um ditado popular: “Na briga do rochedo com o mar, quem leva a pior é o marisco”. Enfim, seja bem-vindo NCPC…


[1] Merecem destaque 5 colunas, elaboradas por Andre Roque e Marcelo Machado, três das quais tratando do assunto sob a ótica do direito intertemporal:

– https://blog.grupogen.com.br/juridico/2015/09/07/armadilhas-prazos-processuais-novo-cpc/

– https://blog.grupogen.com.br/juridico/2015/09/14/novo-cpc-mandado-de-seguranca/

– https://blog.grupogen.com.br/juridico/2016/03/07/novo-codigo-processo-civil-atencao/

– https://blog.grupogen.com.br/juridico/2015/10/12/direito-intertemporal-parte-1/

– https://blog.grupogen.com.br/juridico/2015/10/19/direito-intertemporal-tempo-perdido-2/

[2] No 1º texto indicado na nota anterior, publicado em setembro de 2015, Andre Roque assim se manifestou: “Não há razão, portanto, para que tais dispositivos do novo CPC também não sejam aplicados aos Juizados Especiais e à Justiça do Trabalho. Mas ainda é cedo para saber se tal entendimento prevalecerá, o que demanda especial cuidado dos profissionais que atuarem nessas esferas do Poder Judiciário”.

[3] Art. 15.  Na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente.

[4] É curioso o fato de um tribunal superior editar uma norma administrativa indicando como deverá ser a aplicação jurisdicional no tema. Mas esse é um debate a ser realizado em outra oportunidade.

[10] A IN pode ser consultada em http://www.tst.jus.br/home?p_auth=IekTS4tu&p_p_auth=T4bge1Mf&p_p_id=20&p_p_lifecycle=1&p_p_state=exclusive&

[5] Dentre os quais um dos autores desta coluna, Fernando Gajardoni.

[6] A respeito, vide http://www.enfam.jus.br/2015/09/enfam-divulga-62-enunciados-sobre-a-aplicacao-do-novo-cpc/.

[7] O Fonaje reúne magistrados que atuam no JEC e usualmente elabora enunciados a respeito de questões polêmicas (http://www.amb.com.br/fonaje/?p=32).

[8] http://www.amb.com.br/fonaje/?p=610

[9] http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/81833-corregedoria-prazos-do-novo-cpc-nao-valem-para-os-juizados-especiais

[10] Enunciado 74 Fojesp: Todos os prazos, no Sistema dos Juizados Especiais, serão contados de forma contínua, excluindo o dia do começo e incluindo o dia do vencimento (http://www.tjsp.jus.br/Institucional/CanaisComunicacao/Noticias/Noticia.aspx?Id=30796).

[11] http://www.amb.com.br/fonaje/?p=610

[12] Isso contribui para a verdadeira esquizofrenia existente no sistema dos juizados, em que precedentes do STJ são simplesmente desconsiderados pelos Colégios Recursais (a respeito, conferir, de Luiz Dellore: Da esquizofrenia do sistema recursal dos Juizados Especiais Cíveis: a profusão de decisões contrárias à jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. In: Tucci, José Rogério Cruz e; Piva Rodrigues, Walter; Amadeo, Rodolfo da Costa Manso Real. (Org.). Processo Civil: homenagem a José Ignacio Botelho de Mesquita. São Paulo: Quartier Latin, 2013, p. 127-144.

[13] A respeito da utilização do IRDR para afastar polêmicas iniciais relativas ao NCPC, vide https://blog.grupogen.com.br/juridico/2016/03/14/vigencia-novo-cpc-irdr/. Além disso, é necessário debater até mesmo se seria possível um IRDR exclusivamente no âmbito dos Juizados.


 VEJA AQUI OUTROS TEXTOS DA SÉRIE CPC 2015

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