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NOVO CPC

Extinção do direito de preferência no tombamento

ACERVO CULTURAL

DEC.-LEI 25/1937

DIREITO DE PREFERÊNCIA

DOMINUS

PATRIMÔNIO CULTURAL BRASILEIRO

TOMBAMENTO

José dos Santos Carvalho Filho

José dos Santos Carvalho Filho

11/04/2016

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O tombamento constitui modalidade de intervenção do Estado na propriedade, pela qual são impostas ao proprietário do bem tombado determinadas restrições de uso. Trata-se, pois, como já consignamos, de intervenção restritiva, e não supressiva, como é o caso da desapropriação, em que o titular perde efetivamente a propriedade. (1)

Tal forma interventiva tem eminente caráter protetivo e recai sobre o patrimônio público tomado em seus vários vetores. Daí a observação de Hely Lopes Meirelles, para quem o tombamento “é a declaração pelo Poder Público do valor histórico, artístico, paisagístico, turístico, cultural ou científico de coisas ou locais que, por essa razão, devam ser preservados, de acordo com a inscrição em livro próprio”. (2)

O fundamento constitucional do tombamento encontra-se no art. 216, § 1º, da CF, que estabelece: “O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação”. Emana, pois, do texto que o alvo destacado do tombamento é o patrimônio cultural brasileiro, expressão de sentido amplo que envolve os ingredientes das mais diversas ordens, mas que representa, enfim, o conjunto de fatos singulares que compõem a cultura pátria.

É bem verdade que a expressão “patrimônio cultural brasileiro” é criticada por alguns estudiosos, que dão preferência à expressão “acervo cultural”, constituído de bens materiais e imateriais “que integram a tença, a posse ou a propriedade de um indivíduo, de um grupo de indivíduos, de uma instituição, ou de uma nação, incluídos aí os usos, costumes, conhecimento, talento, competência, habilidade adquiridos com a experiência, com a educação e com a moral pública”. (3) Mas o certo é que já se consagrou a expressão “patrimônio cultural brasileiro”, parecendo-nos revelar, em simples significado, o objeto da proteção do tombamento.

O diploma regulador desse instrumento é o vetusto Decreto-lei nº 25, de 30.11.1937, que se incumbiu de traçar suas linhas básicas, anunciando os aspectos mais importantes de que se reveste, os efeitos dele oriundos e o procedimento necessário a sua instituição. Tendo em vista a natureza do instituto, a lei o catalogou em duas modalidades quanto à posição do proprietário do bem: de um lado, contemplou-se o tombamento compulsório (ou impositivo), aquele imposto verticalmente pelo Poder Público, e, de outro, o tombamento voluntário (ou espontâneo), em que o dominus consente na instituição e evita o conflito, sendo esta modalidade não tão conhecida como a outra. (4)

A despeito dos vários aspectos regidos pelo referido diploma, o foco das presentes observações consiste apenas na análise de um dos efeitos do tombamento: o direito de preferência em favor dos entes públicos.

Com efeito, o Dec.-lei 25/1937 dispunha no art. 22, caput:

“Art. 22. Em face da alienação onerosa de bens tombados, pertencentes a pessoas naturais ou a pessoas jurídicas de direito privado, a União, os Estados e os municípios terão, nesta ordem, o direito de preferência”.

O dispositivo encerrava primeiramente um direito atribuído aos entes federativos, garantindo-lhes a aquisição do bem tombado no caso de alienação pelo proprietário. O escopo da lei era o de permitir que o bem tombado não viesse a integrar o patrimônio de outro particular, se houvesse interesse maior na sua preservação em virtude das características culturais que apresentasse. Assim, entre permanecer no domínio privado, embora com restrições ao proprietário, e passar a pertencer ao acervo público, o Poder Público optaria por esta última posição, exercendo seu direito de preferência sobre eventuais ofertas particulares. (5)

A lei apontava um regime de certo modo hierárquico para o exercício do direito: primeiramente, a União, e, depois, os Estados e Municípios, à evidência aquelas entidades em cujo território estivesse localizado o bem tombado. Foi, desse modo, adotado um regime de ordem de preferência, sobrepondo-se os interesses culturais nacionais aos regionais e locais. O certo é que, se houvesse interesse de um desses entes na aquisição do bem tombado, a ele estava atribuído o direito de preferência para a aquisição.

Ao lado do direito de preferência outorgado aos entes públicos, a lei, em contraposição, atribuía um dever jurídico ao proprietário: deveria ele oferecer, pelo mesmo preço, o bem tombado às referidas pessoas públicas, notificando-as para o exercício do direito em trinta dias, pena de caducidade. (6) Descumprida essa obrigação, a alienação seria nula (rectius: ineficaz), admitindo-se que os entes preteridos sequestrassem o bem, com imposição da multa de 20 % sobre o valor do bem ao transmitente e ao adquirente, ambos solidariamente responsáveis. (7)

Não é difícil deduzir que tal providência constituía uma obrigação positiva do titular do domínio para com os entes públicos dotados do direito de preferência – obrigação, aliás, prevista ao lado de outras de caráter negativo ou permissivo, sempre com o desiderato protetivo do patrimônio cultural, como o tem reconhecido a melhor doutrina. (8)

Não obstante, o art. 22 do Dec.-lei 25/1937 foi revogado pelo art. 1.072, I, do novo Código de Processo Civil, de modo que, com a revogação, ficou extinto o referido direito de preferência em favor dos entes públicos. Consequentemente, se o proprietário deseja alienar o bem tombado de sua propriedade, poderá fazê-lo livremente, nas condições que ajustar com o interessado na aquisição, sem a obrigação de comunicar seu intento aos entes públicos. Extinguiu-se, por conseguinte, sua obrigação jurídica.

Não cabe aqui discutir o ingrediente de mérito do legislador ao extinguir o instituto. Afinal, legem habemus. Pode-se entrever, todavia, e de plano, que a crítica à revogação desafia uma análise de mão dupla. Se, de um lado, suprimiu-se restrição imposta aos proprietários de bens tombados, permitindo-se-lhes dispor livremente de sua propriedade conforme suas conveniências, de outro, é imperioso que os entes responsáveis pelo tombamento mantenham e até aperfeiçoem seu dever de fiscalização para a preservação das características do bom tombado, evitando-se a ocorrência de atentados produzidos pelos proprietários privados. (9)

Afigura-se pertinente, em tal cenário, fazer duas breves observações sobre a extinção do direito de preferência no tombamento.

Em primeiro lugar, é preciso realçar que a ação protetiva do proprietário e do Poder Público deve continuar normalmente, pois que, como é óbvio, a extinção do direito não interfere absolutamente no dever maior de conservação do bem tombado, até porque, como visto, resulta do texto constitucional. Além do mais, o novo CPC limitou-se a extinguir apenas um dos efeitos do tombamento, e daí se há de inferir que subsistem os demais efeitos, sejam eles obrigações do titular do domínio, sejam do ente público interessado na preservação.

Além desse, um outro aspecto merece comentário. A preferência do Poder Público na aquisição, no caso de alienação onerosa, não desapareceu inteiramente, porquanto perdura no âmbito do direito urbanístico. Com efeito, a Lei nº 10.257/2001 (Estatuto da Cidade) destina um capítulo ao direito de preempção, que nada mais é do que o direito de preferência. Assim dispõe a citada lei:

“Art. 25.O direito de preempção confere ao Poder Público municipal preferência para aquisição de imóvel urbano objeto de alienação onerosa entre particulares”.

O conteúdo do direito é o mesmo, tendo núcleo na preferência de ente público no caso de alienação onerosa entre particulares. No entanto, não tem a amplitude do art. 22 do Dec.-lei 25/1937, que aludia a todos os entes federativos, e não somente ao Município. A restrição, porém, condiciona-se à prévia existência de pressupostos: cumpre que a área a ser objeto da restrição seja prevista no plano diretor do Município e em lei específica.

Há outro ponto, contudo, que indica delineamento diferente dessa preferência relativamente à anterior. É que o objetivo não é apenas o de proteção do patrimônio cultural, como no caso do tombamento. De fato, urge realmente que se alvitrem fins eminentemente urbanísticos, mas nem sempre para proteger o patrimônio cultural. Pode-se, desse modo, buscar a regularização fundiária e a execução de programas habitacionais, fins de cunho bem diverso, enumerados na lei.

De qualquer modo, a lei atribuiu ao proprietário a obrigação positiva de “notificar sua intenção de alienar o imóvel, para que o Município, no prazo máximo de trinta dias, manifeste por escrito seu interesse em comprá-lo”. (10) Veja-se, assim, que a exigência cominada ao proprietário no sentido de notificar o titular do direito de preferência, no caso o Município, reflete corolário natural desse direito e a forma mais prática de o titular tomar conhecimento do propósito do proprietário.

Por fim, uma anotação que fizemos em obra específica sobre a matéria urbanística: no Direito Civil, o direito de preferência se formaliza como pacto adjeto ao contrato de compra e venda e, portanto, integra o ajuste. Contrariamente se dá com o direito urbanístico de preferência, que, da mesma forma que o revogado direito previsto no Dec.-lei 25/1937, tem natureza legal, e não contratual, vale dizer, resulta de imposição legal, e não da vontade das partes. (11)


NOTAS E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

(1) JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO, Manual de direito administrativo, GEN/Atlas, 30ª ed., 2016, p. 856.

(2) HELY LOPES MEIRELLES, Direito administrativo brasileiro, Malheiros, 39ª ed., 2013, p. 648.

(3) CARLOS ALBERTO MOLINARO e FERNANDO ANTONIO DE CARVALHO DANTAS, Comentários à Constituição do Brasil, coord. Gomes Canotilho e outros, Saraiva/Almedina, 2013, p. 1.982.

(4) ODETE MEDAUAR, Direito administrativo moderno, RT, 8ª ed., 2004, p. 408.

(5) JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO, Manual cit., p. 863.

(6) Art. 22, § 1º, DL 25.

(7) Art. 22, § 2º, DL 25.

(8) EDMIR NETTO DE ARAÚJO, Curso de direito administrativo, Saraiva, 5ª ed., 2010, p. 1.118.

(9) JOSÉ CRETELLA JUNIOR, Dicionário de direito administrativo, Forense, 1978, p. 519.

(10) Art. 27, Lei nº 10.257/2001.

(11) JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO, Comentários ao Estatuto da Cidade, Atlas, 5ª ed., 2013, p. 225.


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