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Impeachment e íntima convicção

CRIME DE RESPONSABILIDADE

IMPEACHMENT

IMPEDIMENTO

PROCEDIMENTO CONSTITUCIONAL

RESPONSABILIZAÇÃO

José Jairo Gomes

José Jairo Gomes

03/05/2016

Speech in the hall

Em sentido formal, impeachment ou impedimento é o procedimento constitucional que visa à responsabilização do chefe do Poder Executivo pela prática de crime de responsabilidade. Já em sentido material, tal termo denomina a própria situação de impedimento da aludida autoridade.

O crime de responsabilidade constitui a causa de pedir do impedimento. Como tal compreendem-se as infrações político-administrativas cometidas pelo mandatário, as quais são arroladas – no caso de Presidente da República –, no art. 85 da Constituição Federal.

É complexa a natureza do processo de impeachment. Conquanto seja eminentemente político, há que encontrar-se lastreado nas normas jurídicas que o regulam. Afinal, o Estado brasileiro é Democrático e de Direito. Não por acaso o processo no Senado é presidido pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal (CF, art. 52, § único), o que bem simboliza no instituto em apreço a conjugação das dimensões política e jurídica do poder estatal. Trata-se, pois, de instituto dotado de acentuado cariz político, mas que não se afasta dos domínios jurídicos.

Daí sujeitar-se o processo de impedimento a controle judicial. Se a decisão política (= o conteúdo do voto), em si, não é sindicável pelo Poder Judiciário, uma vez provocado, deve esse Poder zelar pela observância das normas regentes do instituto. De maneira que atos praticados na Casa Legislativa poderão ser invalidados se, por exemplo, ao acusado não for ensejada oportunidade de ampla defesa (CF, art. 5º, LV) ou se for admitido para votar pessoa não investida regularmente no cargo parlamentar. Em certos casos, até mesmo o mérito da decisão do Legislativo poderia ser judicialmente questionado; suponha-se que a decisão aplique a sanção de inabilitação para o exercício de função pública pelo período de 10 anos – é evidente, aí, a extrapolação do período de 8 anos estabelecido no § único do art. 52 da Lei Maior, o que poderá ser corrigido pelo Supremo Tribunal Federal.

O instituto em apreço também apresenta viés criminal. Isso é expresso na linguagem empregada pelo legislador, que fala em crime (CF, art. 85, caput e § 1º), acusação, condenação (CF, art. 52, § único) etc. O aspecto criminal também é evidenciado no delineamento do procedimento, pois a Câmara dos Deputados exerce juízo preliminar de admissibilidade da denúncia, que é, na verdade, condição de procedibilidade do ulterior processo que será instalado no Senado, que poderá rejeitar ou acolher a denúncia. Vê-se, pois, que o encadeamento do procedimento em muito se assemelha aos procedimentos criminais.

Muito se discute acerca do procedimento legal do impeachment. Diversas questões se devem sobretudo ao fato de tal instituto encontrar-se regulamentado na Lei n. 1.079/1950, a qual foi editada sob a Constituição de 1946.

É natural que a falta de norma contemporânea e em sintonia com os valores e princípios em voga atualmente leve os interessados a buscar tutela jurídica junto ao Supremo Tribunal Federal no afã de dirimir dúvidas e aprimorar a segurança jurídica no desenvolvimento do procedimento.

Assim foi em 1992, no processo de impeachment do então presidente Fernando Collor, e assim tem ocorrido hoje – em 2016 – no da presidente Dilma Rousseff.

Ao julgar a ADPF 378 MC/DF, em 17-12-2015 (DJe 43, de 8-3-2016), o órgão Pleno do Excelso Pretório fixou diretrizes fundamentais nessa seara. Além de reafirmar a recepção de grande parte da Lei nº 1.079/1950 pela Constituição de 1988, delineou o rito a ser observado à luz dessa norma fundamental.

O procedimento é complexo. Inicia-se na Câmara dos Deputados, a cujo Plenário compete autorizar ou não – pelo voto nominal de 2/3 de seus membros – a abertura do processo. Essa autorização constitui verdadeira condição de procedibilidade, sem a qual inviabiliza-se a instauração do processo no Senado.

Ante a autorização da Câmara, são os autos do processo remetidos ao Senado, cujo Plenário (e não a Mesa, frise-se) deve apreciar a denúncia por crime de responsabilidade contra o chefe do Executivo. O processo será efetivamente instaurado se a denúncia for recebida, sendo esse ato seu marco inicial. O recebimento se perfaz pelo voto da maioria simples, presentes na sessão a maioria absoluta dos membros da Câmara Alta. A maioria simples, aí, é expressa pelo primeiro número inteiro superior à metade dos membros do Senado; como esse órgão conta com 81 membros, a maioria simples é representada pelo número de 41 Senadores.

Caso a denúncia não seja recebida nessa fase inicial (ou melhor: caso seja rejeitada), são os autos arquivados. O processo sequer chega a ser instaurado, morrendo já em seu nascedouro.

Se, porém, for recebida a peça acusatória, seguem-se as fases instrutória e de julgamento.

No julgamento, o mérito da acusação deve igualmente ser apreciado pelo Plenário do Senado. A condenação (= juízo de procedência da denúncia) requer o voto de 2/3 dos Senadores. Maioria, portanto, qualificada, que, no caso, é expressa pelo número de 54 Senadores. Caso esse número não seja alcançado, ainda que por ausência ou abstenção de parlamentares por ocasião da sessão de votação, rejeitada fica a acusação.

Uma questão que merece ser destacada refere-se à motivação da decisão do parlamentar, quer seja ela condenatória, quer seja absolutória.

No processo penal, sabe-se da existência de pelo menos quatro métodos ligados à motivação da decisão e apreciação das provas no julgamento, a saber: religioso ou ordálio, legal ou tarifado, livre convencimento ou persuasão racional, íntima convicção.

Religioso ou ordálio – por esse método, a definição da inocência ou culpa do indivíduo decorre de uma inspiração divina. Acreditava-se que a divindade intervinha nos julgamentos, manifestando-se através de sinais. Esses eram revelados em determinados testes corporais a que o imputado era submetido, sendo afirmada sua culpa ou inocência conforme as circunstâncias, o acaso ou seu desempenho. Por exemplo: na prova da água fria, o acusado era lançado na água – se emergisse, era considerado culpada, se afundasse, inocente.

Legal ou tarifado – também chamado de formal, por esse método a decisão do juiz encontra-se vinculada a critérios legalmente prefixados. Não há, aqui, qualquer espaço ou liberdade para valoração da prova pelo julgador, pois isso é feito previamente pelo legislador.

Livre convencimento ou da persuasão racional – nesse método o julgador possui liberdade para apreciar os fatos postos na causa de pedir e as respectivas provas. Mas tal liberdade não é absoluta, pois a decisão deve ser sempre fundamentada e apoiar-se nos elementos probatórios carreados aos autos do processo. Em outros termos, há necessidade de fundamentação técnica da decisão, a qual somente pode se basear nas provas existentes nos autos. A decisão exsurge de uma operação lógico-valorativa, devendo exibir as razões ou os fundamentos fáticos e jurídicos que levaram à conclusão – com isso, torna-se possível sua impugnação perante outro órgão.

Íntima convicção – aqui a decisão se funda tão somente na convicção pessoal ou íntima do julgador. Este tem plena liberdade para a formação de seu convencimento, não se encontrando obrigado a externar qualquer critério de decisão, razão ou fundamento. Para decidir, pode valer-se de qualquer motivo, presente ou ausente dos autos, dos mais ponderáveis aos mais abjetos, dos mais justos aos mais iníquos.

Como regra geral, o CPP acolhe o sistema do livre convencimento em seu art. 155, cuja primeira parte reza: “O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial”.

Entretanto, de forma excepcional, em alguns casos é acolhida a prova tarifada, devendo o julgador vincular-se à predeterminação legal do valor da prova. Exemplo: nos termos do art. 62 do CPP, a extinção da punibilidade somente pode ser declarada à vista da certidão de óbito; assim, somente por esse documento se pode provar a morte do réu.

Excepcionalmente, ainda, o sistema da íntima convicção é acolhido no sistema jurídico brasileiro. É o que ocorre no Tribunal do Júri, onde os jurados – para condenar ou absolver o réu – decidem sigilosamente, sem a necessidade de motivar suas decisões ou indicar quaisquer elementos ou razões de convencimento. A decisão do Conselho de Sentença resulta de uma votação realizada em “sala especial”, sendo concretizada pela escolha (à vista do quesito que lhe é lido pelo juiz togado) de uma pequena cédula de papel opaco e facilmente dobrável, contendo a palavra sim ou a palavra não. Feita a opção, a respectiva cédula deve ser depositada em urna própria, de maneira a resguardar-se o sigilo do voto (CPP, arts. 483 a 487). Se houver manifesta contradição entre o resultado final do julgamento e a prova dos autos, poderá ele ser invalidado pelo tribunal de segundo grau (CPP arts. 564, § único, e 593, III, d), submetendo-se o réu a novo julgamento. Isso, porém, só poderá ocorrer uma única vez, pois no segundo julgamento já não é cabível a interposição de apelação pelo mesmo fundamento de manifesta contradição da decisão com a prova dos autos (CPP, art. 593, § 3º, in fine).

O sistema da íntima convicção é igualmente acolhido no processo de impeachment. Aqui também o julgador (no caso, o parlamentar) não é obrigado a declinar os motivos que o levaram a formar sua convicção ou que o levaram a responder sim ou não por ocasião de seu voto.

Todavia, em comparação com a decisão no Júri, há diferenças fundamentais. Para além dos diferentes contextos em que tais decisões são tomadas, tem-se que, enquanto a decisão do jurado é revestida de sigilo, a do parlamentar é pública. Se o sigilo é uma garantia para o jurado, de maneira que possa julgar livre de qualquer influência externa, para o parlamentar no processo de impeachment é ele injustificável. A propósito, na já aludida ADPF 378 MC/DF, assentou o Excelso Pretório que em regime democrático “A regra é a publicidade das votações. O escrutínio secreto somente pode ter lugar em hipóteses excepcionais e especificamente previstas. Além disso, o sigilo do escrutínio é incompatível com a natureza e a gravidade do processo por crime de responsabilidade. Em processo de tamanha magnitude, que pode levar o Presidente a ser afastado e perder o mandato, é preciso garantir o maior grau de transparência e publicidade possível. Nesse caso, não se pode invocar como justificativa para o voto secreto a necessidade de garantir a liberdade e independência dos congressistas, afastando a possibilidade de ingerências indevidas. Se a votação secreta pode ser capaz de afastar determinadas pressões, ao mesmo tempo, ela enfraquece o controle popular sobre os representantes, em violação aos princípios democrático, representativo e republicano. […]”.

Note-se, ainda, que haverá nulidade (CF, art. 5º, XXXVIII, b, CPP, art. 564, III, j, in fine) se, quando da votação, o jurado quebrar o sigilo de seu voto e expuser os motivos de sua opção. A nulidade se deve à indevida influência que se poderá exerce na liberdade e íntima convicção dos demais jurados.

O mesmo, porém, não ocorre no processo de impeachment. No momento do voto, poderá o parlamentar limitar-se a proferir as palavras sim ou não. Ou ir além e declarar os motivos de sua decisão. Foi assim, aliás, na votação da admissibilidade do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, que ocorreu na Câmara dos Deputados na histórica sessão de 17-4-2016. Ao votar, a grande maioria dos Deputados declinou justificações para seus votos e escolhas.

A propósito dessa votação, é interessante observar que raros foram os Deputados que se referiram aos fundamentos postos na denúncia, a saber: as pedaladas fiscais e os decretos presidenciais para abertura de crédito suplementar sem a aprovação do Congresso Nacional. Fugindo completamente dos fundamentos fáticos e jurídicos do pedido de impedimento da chefe do Poder Executivo Federal, muitos motivaram seus votos em ensinamentos morais emanados de seus pais, em invocação da esposa, filhos e netos (alguns ainda por nascer), também houve alusão a motivos religiosos ou morais, e brados de palavras de ordem contra a corrupção e a notória impunidade que sempre houve no Brasil, também não faltaram xingamentos e agressões morais.

Nos domínios da íntima convicção, é certo que os motivos ou fundamentos do ato sequer precisam ser externados. Não é necessário, portanto, haver motivação.

Mas vale indagar se, ao optar por apresentar motivação para o voto, deve o parlamentar-julgador ater-se aos fundamentos da pretensão acusatória – que constitui o objeto do processo. Em outros termos: a exteriorização de motivos alheios aos fundamentos da acusação comprometeria a higidez do ato, no caso, o voto do parlamentar? Poder-se-ia cogitar de sua invalidação?

No Direito Administrativo desenvolveu-se a teoria dos motivos determinantes. Essa teoria joga com os conceitos de motivo e motivação do ato administrativo. O motivo constitui requisito essencial do ato, a ele ligando-se de forma umbilical. De modo que se for evidenciado o desvio, a falsidade ou mesmo a inexistência do motivo, poderá o ato ser invalidado total ou parcialmente. Em outros termos, o motivo integra a própria validade do ato. Assim, se for enunciado um motivo, ainda que a tanto o agente não esteja obrigado, o ato somente será válido se tal motivo efetivamente justificá-lo.

Vale ainda lembrar – no âmbito processual – a necessidade de haver correlação ou congruência entre a acusação e a decisão do órgão julgador.

Não obstante, por esdrúxulas que sejam as motivações externadas pelos parlamentares ao votarem no processo de impeachment, não há que se falar em invalidade do voto tampouco do julgamento. É que, conforme salientado, ostenta esse processo natureza política. Posto que deva observar o due processo of law e se sujeitar ao controle judicial, não se trata de processo jurisdicional em sentido estrito nem administrativo, mas sim político. Ademais, os motivos declinados pelos parlamentares no ato de votar não são essenciais, mas meras achegas ou auxílios retóricos.

Em conclusão, tem-se que no processo de impeachment observa-se o método da íntima convicção do parlamentar-julgador. De sorte que, ainda que os parlamentares declarem algum motivo no ato de votar, são esses acessórios, devendo ser compreendidos como meros arroubos linguísticos, mera comunicação com a base eleitoral que a tudo acompanha nas mídias sociais.


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