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A coisa julgada e os terceiros no Novo CPC

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A coisa julgada e os terceiros no Novo CPC

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Marcelo Pacheco Machado
Marcelo Pacheco Machado

16/05/2016

Há omissões eloquentes no direito, que dizem muito. Este fato não escapa ao Novo Código de Processo Civil, o qual deixa de dizer coisas muito importantes e, desse modo, tem o potencial de alterar o modo de ser do processo civil.

Mas como é possível pensar assim?  Afinal, um texto que falta, ou a falta de uma texto, é nada. Sem signos – com sentidos convencionados – a exprimirem linguagem, a omissão nada significa. De onde então se extrairia o sentido, de onde se captaria a vontade, como se construiria a norma do nada?

Não se o pode. A norma depende sempre de um contexto linguístico, uma cláusula contratual, um artigo de lei, de decreto, da Constituição, etc., suporte a partir do qual possamos extrair sentido e construir uma proposição, do tipo matar é proibido, criticar o governo é permitido ou mesmo a coisa julgada não prejudica terceiros.

No Código de Processo Civil os intérpretes, majoritariamente, extraiam sentido muito claro do art. 472, primeira parte: “A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros”. O texto nos direcionava a construir duas normas distintas.

Norma 1. A imutabilidade que atinge o comando decisório de ato jurisdicional de mérito não pode ser utilizada para prejudicar terceiro em processo futuro;

Norma 2. A imutabilidade que atinge o comando decisório de ato jurisdicional de mérito não pode ser utilizada para beneficiar terceiro em processo futuro.

Por mais que o sistema processual, especialmente as normas relativas ao contraditório, nos indicassem que somente os atos que restrinjam a liberdade ou o patrimônio de determinado sujeito, dependam da sua prévia participação no processo (CF, art. 5º, LIV), o artigo 472 do CPC/73, ao vedar a coisa julgada, não apenas para prejudicar terceiros (norma 1), mas também para os beneficiar (norma 2), parecia inviabilizar este entendimento.

A redação do art. 472 era uma engrenagem, para alguns fundamental, que no conjunto da máquina do direito processual civil não permitiria que a coisa julgada pudesse favorecer os sujeitos que não tiveram a oportunidade de participar do contraditório (terceiros).

No Código de Processo Civil de 2015, com algumas adaptações (vide a coisa julgada sobre questão prejudicial), esse maquinário foi mantido. As mesmas peças que definem coisa julgada, suas características e consequências, foram mantidas, a exceção de uma, que faltou: a vedação ao benefício.

Eloquente é o que não está no artigo 506 do CPC/2015: “A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não prejudicando terceiros”.  Não prejudica, e de fato jamais poderia (CF, art. 5º, LIV), mas beneficiar pode. Agora, principalmente, porque não há mais texto, na lei, vedando expressamente o benefício.

E notem, tal relevância não está no texto que não existe, mas no conjunto das normas processuais que foram mantidas com o Novo CPC: (1) o devido processo legal e o contraditório são exigidos nos casos em que as partes são privadas da liberdade e de seus bens, jamais quando estas recebem benefícios (CF, art. 5º, LIV e CPC15, art. 9º); (2) o processo, caro e demorado, não deve se manifestar desnecessariamente duas vezes sobre a mesma matéria (CPC, art. 8º).

O que muda, fundamentalmente, é o desaparecimento da proibição de que a coisa julgada beneficie terceiros, omissão que torna inequívoca a possibilidade de se construir norma a qual, pelo art. 472 do CPC/73, muitos antes não achavam possível: a coisa julgada pode, sim, beneficiar quem não participou do processo (terceiro).

O problema é: quem pode ser beneficiado? Poderíamos pensar numa extensão global da imutabilidade da coisa julgada? Ora, como nos ensina Dinamarco, são terceiros “todos os seres humanos e todas as pessoas jurídicas existentes no planeta”, menos aquelas que formalmente figuraram como parte no processo.

Acreditamos que não. A coisa julgada não poderá beneficiar todo e qualquer terceiro do universo, mas apenas aqueles sujeitos que – não tendo figurado como parte na relação processual que culminou com a coisa julgada – estejam vinculados ou sejam sujeitos daquela mesma relação de direito material fundamentou a causa.

O processo surge para eliminar uma crise presente no âmbito do direito material. Há, portanto, uma relação jurídica base que – ao menos afirmada – faz nascer o processo (descrita na causa de pedir).

A demanda, no entanto, tem o potencial de realizar um corte (impossível trazer para o processo todo o conflito): é o demandante quem escolhe qual parcela da crise será levada à apreciação do Poder Judiciário e quais sujeitos (fora das hipóteses do litisconsórcio necessário) deverão integrar a relação jurídica processual.

Diante desse quadro, em muitos casos, terceiros que estão juridicamente vinculados à relação de direito material deixam de participar do processo. Pela vedação constitucional (CF, art. 5º, LIV), estes jamais poderiam ser prejudicados pela coisa julgada, mas agora, omisso o art. 506 do CPC/2015, certamente poderão ser beneficiados.

Pensemos na seguinte situação. Determinado consumidor propõe contra empresa telefônica demanda que visa à declaração da nulidade de cláusula que limita o acesso à internet depois de extrapolado o plano de dados. Esta demanda é julgada procedente e produz coisa julgada. Poderia, então, outro consumidor, que não participou daquele processo, mas que se submete ao “mesmo contrato”, nas mesmas condições, se beneficiar da coisa julgada?

Não. Definitivamente não. A coisa julgada pode beneficiar terceiros, mas antes está limitada ao objeto daquele processo, que era identificado pelo contrato de transmissão de dados entre o primeiro consumidor e a empresa telefônica. O serviço prestado ao segundo consumidor é outra relação jurídica, que não se confunde com aquela especificamente enunciada como causa de pedir na primeira causa. O terceiro, portanto, seria um terceiro sem nenhum vínculo com a relação jurídica base do primeiro processo, não podendo nem se prejudicar nem se beneficiar pela coisa julgada.

Situação distinta ocorre quando, de fato, o terceiro está ligado à relação jurídica que deu base à formação da coisa julgada. Imaginemos demanda petitória ajuizada por um dos condôminos de determinado imóvel ocupado pelo vizinho, a qual, julgada procedente para reconhecer a ausência de direito possessório do réu, transita em julgado.

Diante de nova invasão, o condômino que não foi parte no primeiro processo pode se beneficiar da coisa julgada, para negar o título apresentado pelo réu. Não é necessária a rediscussão de todos os fundamentos, mesmo diante da alteração de uma das partes.

Outra hipótese pode se identificar na existência de devedores solidários de uma mesma obrigação. Julgada improcedente a cobrança em face de um deles, ex. pela prescrição, em demanda futura, que trate da mesma dívida, os outros devedores solidários poderão se valer da coisa julgada em seu favor.

Mesmo que não tenham alegado ou debatido sobre prescrição no processo originário, a coisa julgada pode prejudicar quem participou do primeiro processo e beneficiar quem não.

Estes exemplos servem para ressaltar que o artigo 506 do Novo CPC, naquilo que omite, é relevante e deixa inequívoca a possibilidade de a coisa julgada favorecer terceiros. No entanto, esta norma não é revolucionária no sistema nem tampouco serve pra “coletivizar” a coisa julgada em favor de “todos os terceiros”.

A coisa julgada está vinculada aos elementos concretos que identificam o processo no qual esta foi estabelecida, a uma ou a umas determinadas relações jurídicas de direito material que lhe foram descritas como causa de pedir (CPC, art. 503). Com efeito, posto que pode beneficiar terceiros, este benefício não se estenderá aos terceiros que se afirmam sujeitos de relações similares ou análogas, pelo contrário, é fundamental que o terceiro tenha um vínculo jurídico – concreto – com a exata relação jurídica que fundou o processo onde a coisa julgada se estabeleceu.


VEJA AQUI OUTROS TEXTOS DA SÉRIE CPC 2015

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