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ARTIGOS

NOVO CPC

PROCESSO CIVIL

Denunciação da lide (arts. 125 a 129)

ADMISSIBILIDADE

DENUNCIAÇÃO DA LIDE

DIREITO À EVICÇÃO

GARANTIA DE REGRESSO

INCIDENTE

OBRIGATORIEDADE

PROCEDIMENTO

PROCESSO DE CONHECIMENTO

SEGURADORA

Elpídio Donizetti

Elpídio Donizetti

08/06/2016

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1. Conceito

Consiste a denunciação da lide em “uma ação regressiva, in simultaneus processus, proponível tanto pelo autor como pelo réu, sendo citada como denunciada aquela pessoa contra quem o denunciante terá uma pretensão indenizatória, pretensão de reembolso, caso ele, denunciante, vier a sucumbir na ação principal”.[1]

A finalidade do instituto é a economia processual. A denunciação da lide constitui “verdadeira propositura de uma ação de regresso antecipada, para a eventualidade da sucumbência do denunciante”.[2]

Visa a denunciação enxertar no processo uma nova lide, que vai envolver o denunciante e o denunciado em torno do direito de garantia ou de regresso que um pretende exercer contra o outro. Trata-se de demanda incidente, em processo já em curso, que acarreta a ampliação subjetiva ulterior do processo. Ou seja, proposta a denunciação, o processo passará a ter duas demandas: a principal, envolvendo autor e réu; e a incidental, envolvendo denunciante e denunciado. De tal sorte, se o denunciante for vencido na ação principal, o juiz passará ao julgamento da denunciação da lide; se vencedor, a ação de denunciação não terá o seu pedido examinado (art. 129). Assim sendo, podemos considerar que a denunciação guarda em si uma certa relação de prejudicialidade, já que o pleito do denunciante merecerá apreciação apenas na hipótese de a ação principal lograr apreciação meritória e de ser decidida de forma contrária aos interesses do denunciante[3]. Em síntese, se o denunciante, seja autor ou réu, sair vitorioso na demanda, a ação regressiva restará prejudicada. Sucumbindo o denunciante, a denunciação terá seu mérito apreciado, podendo ser julgada procedente ou improcedente.

Exemplos: construtora acionada para reparar defeitos em prédio por ela construído denuncia a lide ao engenheiro responsável (denunciação pelo réu); comprador promove ação reivindicatória contra o possuidor do bem e, ao mesmo tempo, denuncia a lide ao vendedor, para que este lhe responda pela evicção (denunciação pelo autor)[4].

2. Hipóteses de admissibilidade

Nos termos do art. 125 do novo CPC, “é admissível a denunciação da lide, promovida por qualquer das partes:

I – ao alienante imediato, no processo relativo à coisa cujo domínio foi transferido ao denunciante, a fim de que possa exercer os direitos que da evicção lhe resultam;

II – àquele que estiver obrigado, por lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo do que for vencido no processo.

O novo diploma processual excluiu a hipótese prevista no art. 70, II, do CPC de 1973, qual seja a denunciação “ao proprietário ou ao possuidor indireto quando, por força de obrigação ou direito, em casos como o do usufrutuário, do credor pignoratício, do locatário, o réu, citado em nome próprio, exerça a posse direta da coisa demandada”.

A alteração, no entanto, não restringiu, no aspecto material, as hipóteses de denunciação. Isso porque o dispositivo excluído já podia ser enquadrado na hipótese do art. 70, III (art. 125, II, CPC/2015). O proprietário ou o possuidor indireto está obrigado a indenizar o possuidor direto seja por conta de disposição legal ou contratual, o que se amolda à hipótese geral no antigo art. 70, III.

Vejamos, então, cada uma das possibilidades de denunciação.

a) Inciso I: garantir o direito à evicção

Trata-se de denunciação da lide ao alienante imediato, para garantir o adquirente dos riscos da evicção. Segundo Clóvis Beviláqua, evicção “é a perda total ou parcial de uma coisa, em virtude de sentença, que a atribui a outrem, por direito anterior ao contrato, de onde nascera a pretensão do evicto”.[5]

O terceiro a que alude o dispositivo é quem não figurou no negócio de direito material, mas figura como parte na demanda. Apesar de a redação do inciso I do art. 125 dar a entender que a denunciação só competiria ao réu nas ações reivindicatórias, a intervenção pode ser promovida também pelo autor e será cabível, ainda, nas ações declaratórias ou constitutivas. Afinal, “terceiro” é quem não figurou no negócio jurídico alheio. Exemplos: comprador promove ação reivindicatória contra o possuidor do bem e ao mesmo tempo denuncia a lide ao vendedor, para que este lhe responda pela evicção (denunciação pelo adquirente na posição de autor); o adquirente é citado em ação de usucapião e, então, denuncia a lide ao alienante, para que responda pela evicção se vier a perder o domínio (denunciação promovida pelo adquirente na posição de réu).

O art. 456 do CC estabelece que, para poder exercitar o direito que da evicção lhe resulta, o adquirente notificará do litígio o alienante imediato, ou qualquer dos anteriores, quando e como lhe determinarem as leis do processo. Esse dispositivo, antes da aprovação da redação do novo CPC, era interpretado de diversas formas pela doutrina.

Cássio Scarpinella Bueno, por exemplo, entendia que, por força do disposto no CC, era possível a denunciação da lide per saltum, ou seja, o adquirente poderia denunciar a lide a qualquer alienante mediato, que, uma vez ingressado na lide, estaria em juízo discutindo relação jurídica do alienante imediato.[6] Exemplo: figura na cadeia dominial do imóvel A, B, C e D. D, como último adquirente, foi citado em ação reivindicatória. Poderia D denunciar à lide C (alienante imediato), B ou A (alienantes mediatos). Também para Nelson Nery, o dispositivo admitia a denunciação per saltum, mas a hipótese seria de sub-rogação legal, tendo em vista que o “adquirente sub-roga-se nos direitos de qualquer dos demais adquirentes da cadeia da alienação no que tange ao exercício dos direitos que decorram da evicção”.[7]

Alexandre Freitas Câmara, no entanto, sustentava que não era possível a denunciação per saltum. Isso porque a notificação mencionada no art. 456 do CC deveria ser feita conforme determinam as leis processuais, ou seja, o adquirente denunciaria ao seu alienante imediato, que, por sua vez, providenciaria a denunciação a quem lhe tivesse transferido o bem, e assim por diante.[8]

Essa divergência foi solucionada pelo novo diploma processual, que, ao que nos parece, adotou em parte o entendimento de Alexandre Freitas Câmara. É que o caput do inciso I possibilita ao adquirente denunciar à lide aquele que lhe vendera, diretamente, o bem (alienante imediato). O §2º do mesmo artigo permite, por sua vez, que o denunciado (alienante imediato) faça uma nova e única denunciação contra o seu antecessor imediato na cadeia dominal ou contra o responsável por indenizá-lo. O entendimento é o mesmo esposado pelo referido doutrinador, com a ressalva de que a denunciação sucessiva[9] só é admitida uma única vez. Exemplo: “A” adquire um bem e, em razão deste, é demandado em ação reivindicatória proposta por “B”. Na contestação, “A” denuncia à lide quem lhe vendeu o bem (“C”), porque é com ele que possui relação jurídica imediata. “C” (alienante imediato em relação a “A”), por sua vez, tem a possibilidade de denunciar o seu antecessor imediato (“D”), pois, na mesma lógica, é com ele que possui relação jurídica (negócio jurídico anterior)[10].

Em síntese, apesar de o art. 456 do CC estabelecer que “o adquirente notificará do litígio o alienante imediato, ou qualquer dos anteriores”, a redação do novo CPC (art. 125, I) deixa clara a impossibilidade de denunciação per saltum ao determinar que a intervenção só pode se dar quanto ao alienante imediato. Além disso, o dispositivo constante na lei material será expressamente revogado pelo novo Código (art. 1.072, II).

Quanto à denunciação feita pelo denunciado ao seu antecessor imediato, o CPC ressalva que essa intervenção só pode ocorrer uma única vez (art. 125, §2º), não sendo admitia diversas denunciações sucessivas. No exemplo anteriormente dado, “D” não poderia denunciar o seu antecessor imediato na cadeia dominal (“E”, por exemplo). Tal regra visa dar celeridade ao procedimento, que não mais ficará a mercê de sucessivas denunciações.

b) Inciso II: garantia de regresso

Interpretando restritivamente esse dispositivo, cuja redação é semelhante à do CPC/73 (art. 70, III), Vicente Greco Filho[11] entende que o juiz só deverá deferir a denunciação da lide quando o litisdenunciado estiver obrigado, pela lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo do que perder a demanda. O STJ manifesta-se no mesmo sentido:

“[…] Nos termos do art. 70, III, do CPC, para que se defira a denunciação da lide, é necessário que o litisdenunciado esteja obrigado, pela lei ou pelo contrato, a indenizar a parte autora, em ação regressiva, o que não ocorre na hipótese”. (STJ, AgRg no AREsp nº. 403.143/PE, Rel. Min. Sidnei Beneti, julgado em 22/10/2013).

“[…] A denunciação da lide só deve ser admitida quando o denunciado está obrigado, pela lei ou contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo do que perder a demanda”. Precedentes citados: Ag 587.845-SP, DJ 6/12/2004; REsp 209.240-ES, DJ 24/11/2003, e REsp 302.397-RJ, DJ 3/9/2001. (STJ, REsp nº. 740.574/SP, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, julgado em 14/12/2006).

Na doutrina,[12] entretanto, há posição que amplia a interpretação desse dispositivo, no sentido de possibilitar a denunciação sempre que houver possibilidade de ressarcimento, por ação regressiva, daquele que suportou os efeitos da decisão.

A interpretação mais ampla, a meu ver, atenta contra os princípios da efetividade e da celeridade processual. Não obstante  a denunciação da lide vise a celeridade e efetividade da tutela jurisdicional, em certos casos o desdobramento da demanda conduz ao retardamento da decisão final. É o que ocorre com a denunciação da lide ao servidor público nas demandas que tem por causa de pedir a responsabilidade civil objetiva da Administração Pública. Nesse caso, a denunciação ao servidor implica a introdução de fundamento novo, qual seja, a culpa ou dolo do servidor, cuja perquirição retarda a resolução da lide. Uma demanda antes simples, porque fundada apenas na responsabilidade objetiva, com a denunciação torna-se complexa. Quem milita nos fóruns sabe que é mais rápido julgar dois processos simples do que dois de maior complexidade.

Corrobora nosso entendimento a doutrina de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, que assinala os seguintes argumentos contra a denunciação da lide em face do servidor público: (a) são diversos os fundamentos da responsabilidade do Estado e do servidor; (b) essa diversidade de fundamentos retarda injustificadamente a solução do conflito, ao passo que introduz outra lide no bojo da discussão entre vítima e Estado; (c) o inciso III, do art. 70 do CPC refere-se ao garante, o que não inclui o servidor, no caso de ação regressiva prevista no dispositivo constitucional[13].

3. (Não) obrigatoriedade da denunciação

O art. 70, caput, do CPC de 1973, previa a obrigatoriedade da denunciação para as hipóteses elencadas em seus incisos.

Contudo, durante muito tempo o entendimento que prevaleceu nas Cortes Superiores era o de que apenas na hipótese do inciso I a denunciação da lide era tida como providência obrigatória para que o denunciante pudesse exercer o direito que da evicção lhe resultasse. A obrigatoriedade decorria do disposto no art. 456 do CC, segundo o qual, “para poder exercitar o direito que da evicção lhe resulta, o adquirente notificará do litígio o alienante imediato, ou qualquer dos anteriores, quando e como lhe determinarem as leis do processo”. A notificação, no caso, consistiria na denunciação da lide. Se o adquirente não fizesse isso, perderia os direitos oriundos da evicção, não mais dispondo de ação direta para exercitá-los.

Apesar disso, a tese da não obrigatoriedade ganhou diversos adeptos. Fredie Didier Júnior, por exemplo, descartava a obrigatoriedade sob o fundamento que o art. 456 do CC/2002 apenas reproduzia o enunciado no art. 1.116 do CC/1916 e, na época, não existia o instituto “denunciação da lide”. Para o autor, “o Código Civil/2002 não percebeu a remodelação do instituto processual, ocorrida com o Código de Processo Civil/1973 e manteve a redação, agora obsoleta”[14]. Com o tempo o próprio STJ consolidou o entendimento no sentido de que o direito do evicto de recobrar o preço pela coisa perdida independeria de denunciação, podendo ser exercido em ação própria. Nesse sentido:

“O exercício do direito oriundoda evicção independente da denunciação da lide ao alienante do bem na ação em que terceiro reivindique a coisa.

O STJ entende que o direito do evicto de recobrar o preço que pagou pela coisa evicta independe, para ser exercitado, de ele ter denunciado a lide ao alienante na ação em que terceiro reivindique a coisa. A falta da denunciação da lide apenas acarretará para o réu a perda da pretensão regressiva, privando-o da imediata obtenção do título executivo contra o obrigado regressivamente. Restará ao evicto, ainda, o direito de ajuizar ação autônoma”. (REsp 1.332.112/GO, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 21/3/2013).

Com o novo CPC, prevalece a tese que pugna pela faculdade da denunciação. Vejamos:

Art. 125 […]

Parágrafo único. O direito regressivo será exercido por ação autônoma quando a denunciação da lide for indeferida, deixar de ser promovida ou não for permitida.

Assim, tanto na hipótese de o adquirente deixar de fazer a denunciação ou desta ser indeferida, será possível a propositura de uma nova demanda para promover a sua pretensão contra o alienante. Conclusão: além de modificar a sistemática do CPC/73, o novo diploma processual revogou o art. 456 do CC no tocante à necessidade de denunciação para o exercício da pretensão relativa à evicção. A revogação, como dito, é expressa (art. 1.072, II, CPC/2015).

4. Procedimento

A denunciação feita pelo autor será requerida na própria petição inicial (art. 126, 1ª parte). Nesse caso, cita-se primeiro o denunciado, a fim de que ele possa se defender quanto à ação regressiva e aditar a petição inicial, assumindo a posição de litisconsorte do denunciante, ou permanecer inerte, caso em que será reputado revel na demanda regressiva (art. 127). Somente após transcorrer o prazo para contestar a ação regressiva e aditar a inicial é que o réu será citado.

Quando o denunciante for o réu, a denunciação será requerida no prazo para contestar (art. 126). A citação do denunciado deve ser promovida no prazo de 30 (trinta) dias, sob pena de se tornar sem efeito a denunciação (art. 126, parte final, c/c art. 131). Caso o denunciado resida em outra comarca, seção ou subseção judiciárias, ou, ainda, em lugar incerto, o prazo para a citação será de dois meses. Frise-se que a demora na citação por motivos inerentes ao mecanismo da Justiça não tem o condão de gerar qualquer prejuízo para o denunciante que providenciou a citação dentro do prazo.

O juiz pode indeferir o pedido se entender não ser caso de denunciação, decisão essa que enseja agravo de instrumento (art. 1.015, IX). Aceitando a denunciação, a lide principal e a secundária tramitarão de forma simultânea e serão decididas em uma única sentença.

Feita a citação do denunciado, este poderá adotar as seguintes posturas (art. 128): contestar o pedido do autor e atuar ao lado do denunciante, como litisconsorte (art. 128, I); permanecer inerte, hipótese em que o denunciante poderá deixar de prosseguir em sua defesa, restringindo a sua atuação à ação regressiva (art. 128, II); confessar os fatos alegados pelo autor, podendo o denunciante prosseguir em sua defesa ou aderir ao reconhecimento e requerer apenas a procedência da ação regressiva (art. 128, III).

Procedente o pedido da ação principal, pode o autor, se for o caso, requerer o cumprimento da sentença também contra o denunciado, nos limites da condenação deste na ação regressiva (art. 128, IV).

Com relação à hipótese do art. 128, II, diferentemente do que estava previsto no CPC/73[15], se o denunciado permanece inerte, não está o denunciante obrigado a prosseguir na defesa da ação principal. Poderá o denunciante, querendo, deixar de oferecer contestação ou usar de outros meios de defesa, na esperança de, ao final, ver julgada procedente a demanda incidental, em razão da revelia. Da mesma forma, mesmo se não revel o denunciado, o denunciante pode deixar de apresentar resposta à pretensão principal, arcando com as consequências de sua inércia.

5. Procedimentos que admitem a denunciação

A denunciação da lide, por constituir ação regressiva, é instituto típico do processo de conhecimento. Não é cabível, portanto, no processo de execução.

A denunciação também não é cabível nas demandas que envolvam relações de consumo. Conquanto o art. 88 do CDC faça menção apenas às demandas que discutam a responsabilidade do fornecedor pelo fato do produto e do serviço (art. 13, CDC), deve-se interpretar ampliativamente o dispositivo, de forma a obstaculizar a denunciação em todo e qualquer litígio que verse relação de consumo. É que a denunciação da lide viabiliza, no interesse exclusivo da parte ré, a discussão a respeito da responsabilidade subjetiva pelo evento danoso, prejudicando, por conseguinte, a apreciação célere do direito de indenização pleiteado pelo consumidor, fundado em causa de pedir diversa, qual seja, a responsabilidade objetiva.

Não obstante, o STJ chegou a firmar entendimento no sentido de admitir a denunciação da lide nos casos de defeito na prestação do serviço (art. 14 do CDC), desde que estivessem presentes os requisitos previstos no art. 70 do CPC[16]. Este não é, no entanto, o entendimento que prevalece atualmente:

“Denunciação da lide. CDC. Defeito na prestação do serviço. A Turma, ao rever orientação dominante desta Corte, assentou que é incabível a denunciação da lide nas ações indenizatórias decorrentes da relação de consumo seja no caso de responsabilidade pelo fato do produto, seja no caso de responsabilidade pelo fato do serviço (arts. 12 a 17 do CDC). Asseverou o Min. Relator que, segundo melhor exegese do enunciado normativo do art. 88 do CDC, a vedação ao direito de denunciação da lide não se restringiria exclusivamente à responsabilidade do comerciante pelo fato do produto (art. 13 do CDC), mas a todo e qualquer responsável (real, aparente ou presumido) que indenize os prejuízos sofridos pelo consumidor. Segundo afirmou, a proibição do direito de regresso na mesma ação objetiva evitar a procrastinação do feito, tendo em vista a dedução no processo de uma nova causa de pedir, com fundamento distinto da formulada pelo consumidor, qual seja, a discussão da responsabilidade subjetiva. Destacou-se, ainda, que a única hipótese na qual se admite a intervenção de terceiro nas ações que versem sobre relação de consumo é o caso de chamamento ao processo do segurador – nos contratos de seguro celebrado pelos fornecedores para garantir a sua responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço (art. 101, II, do CDC). Com base nesse entendimento, a Turma negou provimento ao recurso especial para manter a exclusão de empresa prestadora de serviço da ação em que se pleiteia compensação por danos morais em razão de instalação indevida de linhas telefônicas em nome do autor e posterior inscrição de seu nome em cadastro de devedores de inadimplentes. (REsp 1.165.279/SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 22/5/2012).

6. A possibilidade de condenação direta de seguradora

Já vimos que a denunciação da lide é uma ação regressiva instaurada pelo denunciante nas hipóteses do art. 125. Teremos, então, duas lides (parte originária × denunciante e denunciante × denunciado), a serem decididas em uma única sentença. Lembre-se que há uma relação de prejudicialidade entre a demanda da ação principal e a lide secundária, ou seja, o pedido formulado na denunciação da lide só será analisado no caso de sucumbência do denunciante na ação principal.

No entanto, em ações que versam sobre a responsabilidade civil da seguradora, por questões de celeridade e efetividade processuais, tem-se admitido, em detrimento da teoria processual que alicerça o instituto da denunciação da lide, a flexibilização do mencionado caráter de prejudicialidade. Isso porque, em se tratando de seguro de responsabilidade civil, a seguradora deve garantir o pagamento das despesas decorrentes dos danos cobertos, constantes da apólice securitária.

Assim, reconhecida a obrigação da seguradora, nada obsta a que se proceda à condenação direta desta. Diferente não é o entendimento do STJ:

“Direito Processual Civil. Preservação de litisconsórcio passivo inicialmente estabelecido entre segurado e seguradora em ação decorrente de acidente de trânsito ajuizada contra ambos. No caso de ação indenizatória decorrente de acidente de trânsito que tenha sido ajuizada tanto em desfavor do segurado apontado como causador do dano quanto em face da seguradora obrigada por contrato de seguro de responsabilidade civil facultativo, é possível a preservação do litisconsórcio passivo, inicialmente estabelecido, na hipótese em que o réu segurado realmente fosse denunciar a lide à seguradora, desde que os réus não tragam aos autos fatos que demonstrem a inexistência ou invalidade do contrato de seguro. A preservação do aludido litisconsórcio passivo é viável, na medida em que nenhum prejuízo haveria para a seguradora pelo fato de ter sido convocada a juízo a requerimento do terceiro autor da ação — tendo em vista o fato de que o réu segurado iria mesmo denunciar alide à seguradora. Deve-se considerar que, tanto na hipótese de litisconsórcio formado pela indicação do terceiro prejudicado, quanto no caso de litisconsórcio formado pela denunciação da lide à seguradora pelo segurado, a seguradora haverá de se defender em litisconsórcio passivo com o réu, respondendo solidariamente com este pela reparação do dano decorrente do acidente até os limites dos valores segurados contratados, em consideração ao entendimento firmado no REsp 925.130-SP, julgado sob o rito do art. 543-C do CPC, no sentido de que, “Em ação de reparação de danos movida em face do segurado, a Seguradora denunciada pode ser condenada direta e solidariamente junto com este a pagar a indenização devida à vítima, nos limites contratados na apólice”. (REsp 710.463/RJ, Rel. Min Raul Araújo, julgado em 09/04/2013).

A possibilidade de condenação direta da seguradora – entendimento que foi inclusive consolidado na recente Súmula 537 do STJ[17] – não deve ser confundida com a possibilidade de ajuizamento da demanda diretamente em face desta. Apesar de o STJ ter sustentado em alguns de seus julgados[18] a tese no sentido de admitir que seguradora pudesse ser demandada diretamente pela vítima, esse não foi o entendimento que prevaleceu.

Consoante Súmula 529 do STJ, aprovada em 13/05/2015, “no seguro de responsabilidade civil facultativo, não cabe o ajuizamento de ação pelo terceiro prejudicado direta e exclusivamente em face da seguradora do apontado causador do dano”. O fundamento dessa súmula leva em consideração a seguinte premissa: para que a seguradora possa ressarcir os prejuízos sofridos por terceiros, deve ser apurada, a priori, a responsabilidade civil do segurado. Assim, somente havendo culpa do segurado, reconhecida em processo judicial, será possível a condenação da seguradora. Em outras palavras, o ajuizamento direto e exclusivamente contra a seguradora fere os princípios do contraditório e da ampla defesa, porquanto a ré (seguradora) não terá como se defender dos fatos descritos na inicial, já que não participou do acidente. Além disso, se a seguradora pudesse ser demandada sem a presença do segurado, eventuais fatos extintivos da cobertura securitária (ex: embriaguez) não poderiam ser arguidos, já que o segurado precisaria estar presente nessa discussão.

JURISPRUDÊNCIA TEMÁTICA

Possibilidade de litisconsórcio passivo entre seguradora e segurado

“DIREITO PROCESSUAL CIVIL. PRESERVAÇÃO DE LITISCONSÓRCIO PASSIVO INICIALMENTE ESTABELECIDO ENTRE SEGURADO E SEGURADORA EM AÇÃO DECORRENTE DE ACIDENTE DE TRÂNSITO AJUIZADA CONTRA AMBOS. No caso de ação indenizatória decorrente de acidente de trânsito que tenha sido ajuizada tanto em desfavor do segurado apontado como causador do dano quanto em face da seguradora obrigada por contrato de seguro de responsabilidade civil facultativo, é possível a preservação do litisconsórcio passivo, inicialmente estabelecido, na hipótese em que o réu segurado realmente fosse denunciar a lide à seguradora, desde que os réus não tragam aos autos fatos que demonstrem a inexistência ou invalidade do contrato de seguro. A preservação do aludido litisconsórcio passivo é viável, na medida em que nenhum prejuízo haveria para a seguradora pelo fato de ter sido convocada a juízo a requerimento do terceiro autor da ação — tendo em vista o fato de que o réu segurado iria mesmo denunciar a lide à seguradora. Deve-se considerar que, tanto na hipótese de litisconsórcio formado pela indicação do terceiro prejudicado, quanto no caso de litisconsórcio formado pela denunciação da lide à seguradora pelo segurado, a seguradora haverá de se defender em litisconsórcio passivo com o réu, respondendo solidariamente com este pela reparação do dano decorrente do acidente até os limites dos valores segurados contratados, em consideração ao entendimento firmado no REsp 925.130-SP, julgado sob o rito do art. 543-C do CPC[19], no sentido de que, “Em ação de reparação de danos movida em face do segurado, a Seguradora denunciada pode ser condenada direta e solidariamente junto com este a pagar a indenização devida à vítima, nos limites contratados na apólice”. (STJ, REsp nº. 710.463/RJ, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 09/04/2013).

7. Julgamento da denunciação da lide e verbas de sucumbência

A denunciação dá ensejo a ônus sucumbenciais, inclusive honorários advocatícios, verbas essas que são distintas daquelas devidas por força da ação principal. Com relação à distribuição dos ônus sucumbenciais na denunciação da lide, temos as seguintes hipóteses:

a) A lide principal e a secundária são julgadas procedentes: o denunciante arcará com os ônus sucumbenciais da demanda principal e o denunciado arcará com os ônus da lide secundária. Entretanto, se não há resistência do denunciado, ou seja, se o denunciado concorda com a responsabilidade que lhe é imputada, se posicionando como litisconsorte do réu denunciante, o entendimento dominante na jurisprudência, notadamente no STJ, é no sentido de que descabe a condenação em honorários advocatícios em favor do denunciante (REsp 142796/RS);

b) A lide principal é julgada procedente e a lide secundária, improcedente: será o denunciante quem responderá pelos ônus sucumbenciais referentes a ambas as demandas (principal e secundária);

c) A denunciação da lide não é conhecida em razão do julgamento favorável ao denunciante na ação principal: o denunciante arcará com os ônus sucumbenciais decorrentes da denunciação não conhecida, ou seja, deverá pagar as verbas de sucumbência em favor do denunciado (art. 129, parte final).


[1]? CARNEIRO, Athos Gusmão. Intervenção de terceiros. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1989. p. 67.
[2]? BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Estudos sobre o novo Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Líber Juris, 1974.
[3] MENEZES, Iure Pedroza. A denunciação da lide no novo CPC e seus reflexos no Código Civil: a extinção da obrigatoriedade no caso de evicção. O projeto do Novo Código de Processo Civil. Estudos em homenagem ao Professor José Joaquim Calmon de Passos (Coord. Fredie Didier e Antonio Adonias Aguiar Bastos). Salvador: Juspodivm, 2012, p. 353.
[4] Sobre evicção, conferir os arts. 447 e seguintes do CC.
[5]? Código civil comentado. 6. ed., vol. 4, anot. ao art. 1.107.
[6]? Cássio Scarpinella Bueno. Op. cit., p. 508.
[7]? Código de processo civil e legislação extravagante. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 499.
[8] CÂMARA, Alexandre Freitas. Op. cit., p. 217.
[9] O art. 73 do CPC de 1973 permitia as denunciações sucessivas, sem qualquer limitação. Na obra relativa ao CPC/73 (18ª Edição) trouxemos o seguinte exemplo: o adquirente era citado em ação de usucapião, ajuizada sob o fundamento de que a pretensão aquisitiva ocorrera antes da alienação. O adquirente (réu) denunciava à lide ao seu alienante, que, por sua vez, tinha a possibilidade de denunciar à pessoa de quem houve o bem, e assim sucessivamente.
[10] MENEZES, Iure Pedroza. Op. cit., p. 357.
[11] GRECO FILHO, Vicente. Intervenção de terceiros. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 91.
[12]? Cite-se Humberto Theodoro Júnior, op. cit., p. 146.
[13] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 536.
[14] DIDIER JR., Fredie. A denunciação da lide e o art. 456 do Novo CC – a denunciação per saltum e a “obrigatoriedade”. In DIDIER JR., Fredie et al (Coord.). O terceiro no processo civil brasileiro e assuntos correlatos – estudos em homenagem ao Professor Athos Gusmão Carneiro. São Paulo: RT, 2010.
[15] No CPC/73 feita a denunciação pelo réu, se o denunciado fosse revel ou comparecesse apenas para negar a qualidade de denunciado, cumpriria ao denunciante prosseguir na defesa até o final do processo (art. 75, II, CPC/73).
[16] Considerar as hipóteses do atual art. 125.
[17] “Em ação de reparação de danos, a seguradora denunciada, se aceitar a denunciação ou contestar o pedido do autor, pode ser condenada, direta e solidariamente junto com o segurado, ao pagamento da indenização devida à vítima, nos limites contratados na apólice”
[18] Por exemplo: […] Sobre a legitimidade da seguradora para figurar no polo passivo em ação proposta por terceiro, a Turma concluiu que a jurisprudência das duas turmas da Segunda Seção deste Superior Tribunal firmou o entendimento de que é cabível a ação direta do terceiro contra a seguradora. Assim, não obstante o contrato de seguro tenha sido celebrado apenas entre o segurado e a seguradora, dele não fazendo parte o recorrido, ele contém uma estipulação em favor de terceiro. E é em favor desse terceiro que a importância segurada será paga. Daí a possibilidade de ele requerer diretamente da seguradora o referido pagamento. O fato de o segurado não integrar o polo passivo da ação não retira da seguradora a possibilidade de demonstrar a inexistência do dever de indenizar. A interpretação do contrato de seguro dentro de uma perspectiva social autoriza e recomenda que a indenização prevista para reparar os danos causados pelo segurado a terceiro seja por esse diretamente reclamada da seguradora. A Turma, com essas e outras considerações, negou provimento ao recurso”. (STJ, REsp 1.245.618/RS, Rel.Min. Nancy Andrighi, julgado em 22/11/2011).
[19] O julgamento dos recursos extraordinário e especial repetitivos está previsto no atual art. 1.036.

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