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Scared woman victim of domestic torture and abuse

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A mulher não tem voz como vítima de estupro na Justiça Criminal, afirma professora da UFRJ

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ESTUPRO

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NATHALY CAMPITELLI ROQUE

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VÍTIMA

Nathaly Campitelli Roque

Nathaly Campitelli Roque

28/06/2016

Scared woman victim of domestic torture and violence

O promotor Alexandre Couto Jopper fez uma piada sobre estupro durante uma prova oral para candidatos do MP-RJ, o delegado Alessandro Thiers  foi afastado da investigação do caso da menina estuprada por 33 homens, também no Rio de Janeiro. Para Luciana Boiteux, professora de Direito Penal da UFRJ, esses dois casos não são episódios isolados ou exceções, ela afirma que eles são exemplos do quão forte é a cultura do machismo dentro do universo jurídico. “Há uma grande dificuldade de acolher a vítima, a palavra dela não é aceita, e a culpa é a ela atribuída”, crítica.

Na visão da professora, os “corredores dos fóruns” reproduzem as ideias e os preconceitos machistas da nossa sociedade, por isso profissionais do Direito insiste em perguntar como uma vítima de estupro estava vestida, se havia bebido e tentam descobrir se o agressor não foi provocado ou instigado pela mulher. “ São frequentes as piadas, as gracinhas, os gracejos no momento do depoimento da vítima. É um ambiente extremamente machista e hostil que leva muitas mulheres a não oficializarem suas queixas com medo de que as autoridades não acreditem nelas”, observa.

Luciana é enfática ao dizer que preciso “ensinar a essas autoridades que o respeito à mulher não é questão que possa ser relativizada”. Entre as ações práticas a serem adotadas, ela defende que temas ligados aos direitos das mulheres sejam objetos de questões em concursos para cargos jurídicos e também que, preferencialmente, casos envolvendo crimes de gênero deveriam ser de responsabilidade de profissionais mulheres.

O caso da menina estuprada por 33 homens trouxe a tona o conceito da “cultura do estupro”. O que seria essa cultura? No que ela se baseia essa cultura?

O termo “cultura do estupro” foi cunhado na década de 70 para descrever comportamentos sutis e explícitos que relativizavam a violência contra a mulher. Trata-se de situação em que, apesar da realidade demonstrar a violência e o abuso, a reação social é a de negar o crime, considerando tais atos violentos como “normais” e “aceitos socialmente”, com a justificativa de que a mulher, apesar de ter dito não, com seu comportamento anterior (ou sua roupa) teria levado o agressor a agir daquela forma. Em resumo, a palavra dela não é aceita, e a “culpa” é a ela atribuída. A vítima é tratada como “promíscua”, portando indigna de ser protegida, ao mesmo tempo em que o agressor é visto de forma positiva, como sendo um homem viril e potente. Essa cultura se baseia na concepção patriarcal que objetifica o corpo da mulher, que é tratado como propriedade do homem, e se sustenta na ideia de superioridade do homem sobre a mulher, inclusive sexual. Isso ocorreu de forma clara no caso da vítima no recente caso dos 33 homens.
Como o mundo do Direito, seja as suas leis ou profissionais da área, se relacionam ou reproduzem essa cultura?

No mundo machista do Direito e da Justiça Criminal, seus operadores reproduzem essa cultura, há grande dificuldade de acolher a vítima, pois quando ela se apresenta como vítima de um crime sexual, há uma prática bastante comum da polícia em geral, do Judiciário e do Ministério Público de colocá-la em julgamento: suas roupas, seus relacionamentos anteriores, seu estado civil, sua “moralidade” são questionados para se verificar se houve a violência. É algo como, se ela não for “bela, recatada e do lar”, sua palavra vai ser colocada em dúvida, sendo dada superioridade à negativa do acusado. É comum haver perguntas tipo: como ela estava vestida, se tinha namorado, se tinha ingerido álcool ou outra droga, como se tais fatores pudessem apagar a violência sexual que ela sofreu. São frequentes as piadas, as gracinhas, os gracejos no momento do depoimento da vítima. É um ambiente extremamente machista e hostil que leva muitas mulheres a não oficializarem suas queixas com medo de que as autoridades não acreditem nelas.

Durante a investigação do caso da menina, a advogada pediu a substituição do delegado por apontar posturas machistas. Agora esse caso de um membro do MP fazendo comentários dessa natureza, durante seleção de candidatos. Esses casos são indícios que o ambiente jurídico é hostil as denuncias das mulheres? Por quê?

No caso concreto do concurso do MPRJ, o referido promotor se sentiu à vontade para fazer piada e ironizar questão tão séria justamente porquê ele está inserido nessa cultura, que é reproduzida cotidianamente nos corredores do Fórum. Não é um caso isolado. Apesar de o promotor afirmar que considera que penas altas devem ser aplicadas ao caso, o fato é que não são as penas que resolvem a questão da violência sexual, mas a prevenção ao crime que deve ter por base o respeito e a garantia dos direitos das mulheres. De que adianta uma pena simbolicamente alta se as autoridades reproduzem justamente o discurso machista que é a base para esse tipo de ocorrência brutal.

O que precisa ser feito para mudar – ou começar a mudar – essa situação?

Penso que o Ministério Público do RJ deveria debater internamente políticas de combate à cultura do estupro e as provas para os concursos de MP deveriam ter questões sobre feminismo e direitos das mulheres, precisamos ensinar a essas autoridades que o respeito à mulher não é questão que possa ser relativizada. Vejo, aliás, como um grande equívoco, inclusive, a tese jurídica defendida pelo promotor no concurso, que levaria a uma pena absurda, sem resolver o conflito. Temos que combater também anúncios (especialmente de cerveja) que colocam os corpos das mulheres para ajudar a vender o produto.

É necessário cuidado, seriedade e respeito para se lidar com casos de estupro, ainda mais em jovens. Preferencialmente, esses casos deveriam ser julgados por juízas e promotoras mulheres, assim como se deve fortalecer e ampliar a atuação das delegacias de mulheres. Acima de tudo temos que ter políticas sociais para mulheres e não investir em políticas penais que não vão gerar qualquer efeito positivo. Mas o que esses operadores do direito precisam mesmo é de educação para os direitos das mulheres.


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