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O novo capítulo da responsabilidade civil dos notários e registradores públicos

LEI 13.286/2016

LEI 8.935/1994

NOTÁRIOS

PRAZO PRESCRICIONAL

PRETENSÃO DE REPARAÇÃO CIVIL

REGISTRADORES

RESPONSABILIDADE CIVIL

Rafael Carvalho Rezende Oliveira

Rafael Carvalho Rezende Oliveira

04/07/2016

A Lei 13.286/2016 e a necessidade do fim da novela

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O tema da responsabilidade civil dos notários e registradores, que sempre foi objeto de intenso debate doutrinário e jurisprudencial, recebeu novo capítulo com a promulgação da Lei 13.286 em 10/05/2016, que promoveu (i) a alteração do art. 22 da Lei 8.935/1994 para estabelecer a responsabilidade civil subjetiva dos notários e oficiais de registro (art. 2) e (ii) fixar o prazo prescricional de 3 (três) anos a pretensão de reparação civil, contado o prazo da data de lavratura do ato registral ou notarial (art. 2, parágrafo único).

No presente ensaio, o foco será a análise da juridicidade da primeira alteração, especialmente a constitucionalidade da imposição legislativa da responsabilidade civil subjetiva dos notários e registradores.

Inicialmente, é oportuno destacar que os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado por delegação legal do Poder Público (art. 236, caput, da CRFB e Lei 8.935/1994) e o ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público, na forma do art. 236, § 3.º, da CRFB.

O § 1º do art. 236 da CRFB, por sua vez, remete ao legislador a tarefa de disciplinar a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos.

Até a promulgação da Constituição de 1988, o art. 28 da Lei 6.015/1973 (Lei dos Registros Públicos) estabelecia a responsabilidade pessoal e subjetiva dos oficiais de registro.

Sob a égide da Constituição de 1988, o art. 22 da Lei 8.935/1994, alterado pela Lei 13.137/2015, consagrou a responsabilidade civil objetiva dos notários e oficiais de registro, assegurado o direito de regresso no caso de dolo ou culpa dos seus prepostos.

Com a alteração promovida pela Lei 13.286/2016, o art. 22 da Lei 8.935/1994 passou a adotar a responsabilidade subjetiva (dolo ou culpa) dos notários e registradores, mantendo a possibilidade de direito de regresso.

A nova disposição legal vai ao encontro do disposto no art. 38 da Lei 9.492/1997 que também prevê a responsabilidade civil subjetiva dos Tabeliães de Protesto de Títulos, assegurado o direito de regresso.

É possível perceber, desde logo, que, ao menos no campo da legislação infraconstitucional, a matéria foi uniformizada em favor da responsabilidade civil subjetiva dos notários e registradores.

Não obstante isso, as controvérsias em torno do tema devem permanecer, uma vez que a questão envolve a compatibilidade dos citados diplomas legais com os arts. 37, § 6º, e 236, caput, da CRFB.

A controvérsia doutrinária sobre a responsabilidade dos notários e registradores, bem como do Estado, pelos danos causados a terceiros, se justifica pela dificuldade no enquadramento dos notários e registradores (serventias extrajudiciais) na regra do art. 37, § 6.º, da CRFB, e/ou na respectiva caracterização como agentes públicos ou delegatários de atividades públicas (pessoas de direito privado que prestam serviços públicos).

Na primeira hipótese, a responsabilidade do Estado seria direta e objetiva e a dos respectivos agentes públicos seria subjetiva. No segundo caso, os notários e registradores, assim como os demais delegatários de serviços públicos, responderiam pessoalmente e de forma objetiva, subsistindo a responsabilidade subsidiária do Estado.

A primeira linha de entendimento sustenta a responsabilidade direta e objetiva do Estado, uma vez que os notários e registradores exercem função pública, mediante aprovação em concurso público, razão pela qual se enquadram no conceito de agente público.[1] Haveria, ainda, responsabilidade pessoal e subjetiva dos notários e registradores. A vítima pode acionar o Estado e este tem a ação regressiva em face do titular do cartório; ou a vítima pode acionar diretamente o titular do Cartório, que terá ação regressiva contra seu funcionário causador do dano (art. 22 da Lei 8.935/1994, antes da alteração promovida pela Lei 13.286/2016; art. 38 da Lei 9.492/1997 e art. 37, § 6.º, da CRFB).

De outro lado, parcela da doutrina advoga a responsabilidade pessoal e objetiva dos notários e registradores, em razão da prestação de serviço público delegado, e subsidiária do Estado, na forma do art. 37, § 6.º, da CRFB e art. 22 da Lei n.º 8.935/1994, antes da alteração promovida pela Lei 13.286/2016.[2]

Por fim, alguns autores sustentam a responsabilidade solidária e objetiva dos notários, registradores e Estado, na forma do art. 37, § 6.º, da CRFB e art. 22 da Lei 8.935/1994, antes da alteração promovida pela Lei 13.286/2016.[3]

O STF ainda não fechou a questão sobre a controvérsia, encontrando-se pendente de julgamento o recurso extraordinário que teve a repercussão geral sobre a matéria reconhecida (RE 842846 RG/SC, Rel. Min. Luiz Fux, DJe-225 17/11/2014).

Cabe registrar, nesse ponto, a existência de acórdãos da 2ª Turma da Suprema Corte no sentido da responsabilidade direta e objetiva do Estado pelos danos causados pelos notários e registradores, assegurado o direito de regresso contra o responsável, nos casos de dolo ou culpa.[4]

O STJ, por sua vez, possui decisões conflitantes, ora reconhecendo a responsabilidade direta e objetiva do Estado,[5] ora afirmando a responsabilidade pessoal e objetiva dos notários e registradores e subsidiária do Estado.[6]

De nossa parte, sempre sustentamos que os notários e registradores, de um lado, possuem responsabilidade primária e objetiva pelos danos causados a terceiros, e, de outro lado, o Estado possui responsabilidade subsidiária, quando insuficientes os recursos dos delegatários para indenizar a vítima.[7]

O tratamento, a nosso ver, deve ser análogo ao dispensado à responsabilidade por danos causados pelas concessionárias de serviços públicos. A atividade delegada é exercida por conta e risco do delegatário, que possui, portanto, responsabilidade pessoal e direta pelos danos gerados no exercício da função.

Nesse caso, a responsabilidade é do notário e do registrador, e não do cartório, tendo em vista a ausência de personalidade jurídica das serventias extrajudiciais.

Registre-se, ainda, que, ao contrário dos servidores públicos, que são remunerados pelo próprio Estado (recursos orçamentários) e estão submetidos à hierarquia administrativa, os notários e registradores são remunerados por meio de emolumentos devidos pelos usuários das serventias, bem como são fiscalizados pelo Poder Judiciário.

Por esta razão, a fixação da responsabilidade civil subjetiva no art. 22 da Lei 8.935/1994, alterada pela Lei 13.286/2016, e no art. 38 da Lei 9.492/1997, contraria, em nosso juízo, o disposto nos arts. 37, § 6º, e 236, caput, da CRFB.

De fato, a alteração promovida pela Lei 13.286/2016 adicionou novo capítulo à questão, mas é preciso que a Suprema Corte escreva o final da novela, garantindo segurança jurídica ao tratamento da responsabilidade civil dos notários, registradores e Estado, o que pode ocorrer quando do julgamento do RE 842846 RG/SC, com repercussão geral.


[1] STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 6. ed., São Paulo: RT, 2004. p. 577
[2] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 22. ed., São Paulo: Malheiros, 1997. p. 75-76; CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 7. ed., São Paulo: Atlas, 2007. p. 255
[3] CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade civil do Estado. 3. ed., São Paulo: RT, 2007. p. 266.
[4] STF, 2ª Turma, RE 209.354 AgR/PR, Rel.  Min. Carlos Velloso, DJ 16/04/1999, p. 19; STF, 2ª Turma, AI 522.832 AgR/MS, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe-055  28/03/2008; STF, 2ª Turma, RE 551.156 AgR/SC, Rel. Min. Ellen Gracie, DJe-064  03/04/2009; STF, 2ª Turma, RE 518.894 AgR/SP, Rel. Min. Ayres Britto, DJe-183 23/09/2011.
[5] STJ, 2.ª Turma, AgRg no REsp 1.005.878/GO, Rel. Min. Humberto Martins, DJe 11/05/2009.
[6] STJ, 1.ª Turma, AgRg no REsp 1377074 / RJ, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe 23/02/2016; STJ, 2.ª Turma, REsp 1.087.862/AM, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 19/05/2010, Informativo de Jurisprudência do STJ n. 421.
[7] OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de Direito Administrativo, 4. ed., São Paulo: Método, 2016. p. 758/760.

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