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A retenção abusiva de valores nas hipóteses de resilição de contratos de compra e venda de imóvel na planta

Cláudia Rodrigues

Cláudia Rodrigues

12/07/2016

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A boa-fé é reclamada pela lei tanto na formação quanto na execução dos contratos, assim como no seu rescaldo depois de terminado. Trata-se de princípio ético-social que rege toda a matéria contratual. A boa-fé revela-se como obrigação de lealdade, impondo as partes o dever de não especularem falsas expectativas e sim de preservarem as reais expectativas das partes no acordo.

Exige, assim, reciprocidade na lealdade das condutas e deve acompanhar o contrato em todas suas fases, concretizando-se no dever de cooperação e na obrigação de solidariedade, colocando-se como limite de toda situação negocial (PONTECORVO, Armando. Codice Civile Comentato. Coord. G. Bonilini e M. Confortini. 3ª. Ed. UTET ; Torino, 2009, p. 2.836).

Contraria a boa-fé o comportamento da parte que na formação do contrato estipula cláusula abusiva.  O conhecimento da desproporção dos valores envolvidos no contrato revela o dolo de aproveitamento.

É comum nos contrato de compra e venda de imóvel ainda na planta e com valores a serem adimplidos junto à construtora e posteriormente com saldo financiado por Instituição Financeira, a instituição cláusula de retenção de valores abusiva na hipótese de resilição contratual. Consoante observa Maria Alessandra Livi,

“ L´obbligo della buona fede in sede di esecuzione del contrato deve, pertanto, ritenersi violato non solo nel caso in cui uma parte abbia agito com il doloso proposito di recare pregiudizio all´altra, ma anche qualora il comportamento da essa tenuto non sai stato, comunque, improntato ala diligente correttezza ed al senso di solidarietà socieale che integrano, appunto, il contenuto della buona fede”  (Codice civile. A cura di Pietro Rescigno. Coordinamento di G. P. CIrillo – V. Cuffaro – F. Roselli. VIII Edizione. Milano : Giuffrè, 2010, p. 2709. Tradução livre:  “A obrigação de boa-fé na execução do contrato deve considerar-se violada não só no caso cujo uma parte tenha agido com propósito doloso de causar prejuízo a outra parte, mas, também quando seu comportamento não esteja de acordo com diligente correção e com senso da solidariedade social que integram, ambos, o conteúdo da boa-fé”).

Ao instituir cláusula desse quilate, a vendedora trilha o caminho do enriquecimento injustificado que tem origem no deslocamento patrimonial sem justa causa e não pressupõe um ilícito, nem um dano injusto em sentido técnico. Consiste, assim, em qualquer vantagem de natureza patrimonial decorrente de deslocamento patrimonial sem base jurígena e tem como correlato negativo uma diminuição patrimonial ou uma falta de aumento de riqueza da outra parte. Portanto, havendo um enriquecimento de uma parte com correlato prejuízo da outra, sem justa causa jurígena, configurado estará o enriquecimento sem causa.

Dentro dessa concepção depreende-se que para a caracterização do enriquecimento injustificado é necessário que um dos protagonistas da relação tenha “conseguito uma qualque forma di proffito, lucro o incremento patrimoniale”  (Paolo Gallo. . Codice Civile Comentato. Coord. G. Bonilini e M. Confortini. 3ª. Ed. UTET ; Torino, 2009, p. 4272. Tradução livre: ter “conseguido qualquer forma de benefício, lucro ou incremento patrimonial). Nesse norte, negócios realizados nesses parâmetros, revela  benefício patrimonial em prol da vendedora, uma vez que estipula valor abusivo a título de “cláusula penal” na hipótese de resilição contratual.

Nesse sentido, em matéria de venda e compra, determinadas cláusulas são tidas como abusivas à luz do art. 53 do Código de Defesa do Consumidor, que dispõe:

“Nos contratos de compra e venda de móveis ou imóveis mediante pagamento em prestações, bem como nas alienações fiduciárías em garantia, consideram-se nulas de pleno direito as cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas em benefício do credor que, em razão do inadimplemento, pleitear devolução do contrato e a retomada do produto alienado”.

Se desistente o aderente, por óbvio lhe afigura o direito de receber de volta o quanto pagou, devidamente atualizado e de forma imediata. O fato de ter pago algumas prestações e interrompido as restantes, não se revela motivo suficiente para a perda praticamente integral ou quase integral das quantias pagas, posto que induziria ao locupletamento sem causa da Vendedora.

Indiscutível a aplicação do Código de Defesa do Consumidor ao presente caso, isso porque a relação jurídica havida entre as partes é autêntico negócio jurídico de compra e venda de imóvel, sob o sistema de autofinanciamento. Por ser relação de consumo, aplicam-se os dispositivos contidos na Lei nº 8.078/90, para equilibrar a posição dos contratantes, resguardando-os de cláusulas contratuais suscetíveis de causar exagerada vantagem ao fornecedor (artigos 51, incisos II e IV e 53,” caput “).

Em contratos de adesão, as disposições contratuais não têm validade e eficácia se contiverem cláusulas impositivas estabelecendo encargos e multas exorbitantes que ocasionam lesividade ao consumidor, parte notadamente mais frágil da relação negocial. Muito embora o adquirente tenha concordado com o que foi estipulado, não pode ser prejudicado no tocante ao modo de devolução das quantias, mormente por ter assinado termo impresso sem opção e sem benefício favorável ao aderente, Comprador.

A inadimplência do promitente comprador não pode alimentar fundos de investimento imobiliário e nem sacrificar o devedor quando frustrada sua perspectiva de investimento imobiliário por motivos alheios à sua vontade. Deve-se, tão-somente, buscar o equilíbrio do valor restituível com a compensação pela desistência.

Não obstante o Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 53 já estipule a abusividade em tal situação, o Código Civil, deixa claro em seu art. 413, ser dever do juiz reduzir essa “multa” manifestamente excessiva. Esse dever legal situa-se no campo da equidade e se coaduna com a finalidade social do contrato que o corrente Código atribui, bem como com a boa-fé objetiva.

Ao caminhar nessa seara, evidencia-se o abuso do direito, segundo a regra estabelecida no art. 187, do Código Civil que ocorre sempre que o titular de um direito, exercita-o de forma anormal, isto é, o titular do direito excede os limites que lhe cumpre observar, estabelecidos em lei.

De um modo simples pode-se dizer que no abuso do direito o exercício do direito é desconforme com seu escopo ou, na observação de Mauro Orlandi “ l´abuso delinea l´utilizzazione alterata dello schema formale del diritto, finalizzata al conseguimento di obiettivi ulterior e diversi rispetto a quelli indicati dal Legislatore”  (Abuso del diritto e buona fede nei contrati. A cura di Stefano Pagliantini. Giappichelli : Torino, 2010, p.102. Tradução livre: “ o abuso delineia uma utilização alterada do esquema formal do direito, com o fim de conseguir objetivos diversos àqueles indicados pelo legislador”).

Assim, a princípio, o sujeito é titular do direito segundo o esquema legal, mas ao exercê-lo é que se afasta da autorização legislativa, decorrendo daí, a censura e consequente dever de reparar dano eventualmente decorrente dessa conduta abusiva.

Aliás, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça que:

“Pode o julgador reduzir o percentual fixado a título de cláusula penal no instrumento contratual de promessa de compra e venda, quando o valor avençado acarreta excessiva onerosidade ao promissário-comprador e propicia o enriquecimento sem causa do promitente-vendedor ” (REsp. nº 330.017/SP, 3 Turma do Superior Tribunal de Justiça, v.u., Relatora Ministra Nancy Andrighi, em 13/11/01, DJU de 18/02/02, pág. 421).

No mesmo sentido:

“O caráter de norma pública atribuído ao Código de Defesa do Consumidor derroga a liberdade contratual para ajustá-la aos parâmetros da lei, impondo-se a redução da quantia a ser retida pela promitente vendedora a patamar razoável, ainda que a cláusula tenha sido celebrada de modo irretratável e irrevogável.” (REsp. nº 292.942/MG, 4 Turma do Superior Tribunal de Justiça, v.u., Relator Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, em 03/04/01, DJU de 07/05/01, pág. 151).

Importante salientar que os dispositivos insertos no art. 53, do CDC e 423, do CC, não podem ser afastados pela vontade das partes: disposição nesse sentido, a nosso ver, é ineficaz.

Portanto, o que se conclui e repisando o já afirmado anteriormente, é que a instituição da cláusula de retenção de percentuais abusivos para as hipóteses de resilição, configuram abuso de seu direito legítimo de instituir cláusula penal ao arbitrar os valores em percentuais tão desproporcionais à exigida equidade e equilíbrio contratual. Ao assim agir, demonstra, também que sua conduta não foi pautada na boa-fé objetiva, tampouco o contrato atingiu sua finalidade social.


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