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Considerações mais aprofundadas sobre o controle jurisdicional de questões de concursos públicos

CONCURSO PÚBLICO

CONTROLE JURISDICIONAL

INTERVENÇÃO

PODER JUDICIÁRIO

Alessandro Dantas Coutinho

Alessandro Dantas Coutinho

02/08/2016

Controle de mérito ou legalidade?

No passing

1. Introdução. 2. Quando pode e quando não pode haver intervenção do Poder Judiciário em demandas que envolvem concurso público. 3. Qual o papel do Judiciário? 4. Conclusão

1. Introdução.

Muitas vezes o candidato ingressa com uma demanda com o objetivo de verificar a existência de questões objetivas fora do programa do edital, sem resposta, com mais de uma resposta ou com vício insanável.

Tem sido comum o Poder Judiciário negar tais pleitos sob o fundamento de que se trata de controle de mérito, que não pode o Judiciário analisar critérios de correção eleitos pela Banca Examinadora, bem como não pode este Poder substituir a mesma.

A questão é: afinal, pode ou não o Judiciário fazer o controle de provas em concursos públicos? É sobre este tema que iremos tecer alguns comentários.

2. Quando pode e quando não pode haver intervenção do Poder Judiciário em demandas que envolvem concurso público?

Normalmente, nas demandas judiciais não se discute mérito, mas apenas legalidade, pois cobrar matéria fora do edital, questão com mais de uma resposta, questão sem reposta correta não encaixa, nem mesmo forçando ao máximo uma interpretação ampliativa, em conveniência e oportunidade, que são os pontos centrais do mérito administrativo e que, por isso, inviabiliza o controle de legalidade.

Quando há mérito legítimo o ato é legal e, por isso, não cabe controle jurisdicional. Assim, provando a ilegalidade da questão, deve ser pedido na ação a anulação da mesma e atribuição dos pontos ao candidato lesado que ingressou em juízo.

Nota-se que o controle é de legalidade e não visa analisar a conveniência e oportunidade da cobrança das questões, o que seria mérito administrativo e proibida a intervenção, pois ao Judiciário é vedado substituir a Administração.

Normalmente não é o caso! Pede-se expressamente a anulação da questão e invalidação nunca pode se referir a mérito administrativo, ponto que não cabe controle. O que se discute são ilegalidades ocorridas quando da confecção de questões.

É muito importante esta diferença: a Administração decidir por uma ou outra questão, se mais ou menos pertinente, é conveniência e oportunidade, é mérito administrativo e o Judiciário não pode intervir. Mas, eleita a questão ela não pode possuir vícios de legalidade, como mais de uma resposta, ausência de resposta, estar fora do programa do edital etc.

Desculpe o exemplo, mas seria o mesmo, simplificando a situação, que uma questão objetiva pedisse para marcar alternativa correta em um enunciado que pergunta quais são os Estados da Federação e lá constassem: São Paulo, Rio de Janeiro e outros Países. Veja, a questão tem mais de uma resposta!

Ou que perguntasse qual a capital do País e lá não constasse Distrito Federal. Não há resposta correta!

Muitas vezes o caso deduzido em juízo é assim, porém técnico a alguma ciência. O fato de o magistrado não compreender a questão não significa que ela foi confeccionada corretamente. Por isso a importância de um bom material probatório e uma perícia judicial para posterior confirmação do que se deduziu em juízo.

Inicialmente, tinha-se o entendimento de que era vedado ao Poder Judiciário a reavaliação de questões de provas em concursos públicos ou demais procedimentos seletivos, pois se estaria invadindo a esfera de discricionariedade típica da Administração Pública, ofendendo assim a tripartição de poderes inserida no art. 1º da Constituição da República.

Todavia, foi-se percebendo que a Administração Pública ao conduzir o certame estava praticando diversos vícios de legalidade, desrespeitando os direitos dos candidatos e atuando em linha divergente dos princípios que regem a Administração Pública.

Foram tantas ilegalidades que o Judiciário começou a perceber que muitas vezes o jurisdicionado não ia a juízo com objetivo de discutir critérios de correção, discutir conveniência e oportunidade do comportamento administrativo, mas verdadeiros, absurdos e chocantes comportamentos ilegais que por conta de irresponsabilidade ou falta de competência da Administração gerava a eliminação indevida do candidato no concurso ou procedimentos seletivos, ceifando o sonho de muitos.

Começou uma evolução jurisprudencial que tende cada vez mais a se avolumar, apesar de algumas vezes, sem analisar detidamente caso, certos magistrados de piso simplesmente negam a liminar ou julgam improcedente o pedido, sentenciando que se trata de mérito administrativo, que não cabe ao Judiciário decidir!

Ocorre na prática, muitas vezes, o que o filósofo ALFREDO ALGUSTO BACKER chamava de fundamentos de sistema óbvio, ou seja, há uma repetição impensada de uma matéria como se ela fosse pacífica e todos os casos fossem iguais!

Por mais que a Administração Pública possua uma autonomia ao conduzir o certame, o fato é que essa autonomia não é absoluta, sendo limitada pelos princípios orientadores da Administração Pública, já que o concurso público ou qualquer outro procedimento seletivo por si só é um procedimento administrativo que seleciona candidatos a algo, no caso: a um cargo ou emprego público.

NÃO HÁ SAÍDA!

A elaboração de uma questão viciada, da mesma forma que os demais atos administrativos, é precária e pode ser objeto de aferição pelo Poder Judiciário que, seja pelo conhecimento deste magistrado, seja por meio de auxílio de prova pericial, se constatado o vício deve ser anulada.

Nota-se que não se trata de controle de mérito do ato. Não se está questionando a conveniência e oportunidade das fases do concurso, das matérias que podem ser cobradas, do caráter eliminatório ou classificatório das fases, mas que cada fase, quando executada, seja feita de forma correta e nos termos do Ordenamento Jurídico.

O ato administrativo possui 5 (cinco) elementos: competência, finalidade, forma, motivo e objeto. Nos atos discricionários, o exercício legítimo da discricionariedade é chamado de mérito do ato. Tendo em vista que a discricionariedade repousa apenas sobre os elementos motivo e objeto, tem-se que o mérito do ato está ligado aos mesmos.

Diferentemente dos outros elementos, o motivo e o objeto nem sempre estarão previamente estabelecidos em lei. Por vezes, é dado ao agente público a autoridade/competência para determinar o motivo e o objeto do ato. Nesses casos, pautados em critérios de conveniência e oportunidade, a Administração optará pela conduta que melhor atenda ao interesse público.

Em um concurso ou outro procedimento seletivo existem atos vinculados e atos discricionários. É atividade discricionária, por exemplo: a) estabelecer os critérios de avaliação (que não podem ferir a razoabilidade, proporcionalidade), b) decidir se o prazo de validade do concurso será prorrogado; c) quando os candidatos serão convocados; c) em que setor o servidor será lotado; etc.

Quanto à elaboração de uma questão de uma prova objetiva, apesar da discricionariedade quanto ao que vai e como vai ser cobrado, a Administração tem um limite objetivo: a questão deve estar dentro do programado do edital, só pode ter uma resposta e a mesma deve estar em consonância com o estado atual da ciência, da qual foi aferido o conhecimento.

Isso é mais que claro!

De nada adiantaria toda a possibilidade de controle do concurso ou outro procedimento seletivo, da etapa interna, dos atos procedimentais da etapa externa, se, quando do julgamento das questões objetivas claramente ilegais (questão com mais de uma resposta, questão sem reposta, por exemplo) o Poder Judiciário simplesmente se escusasse ao necessário amparo jurisprudencial sob a equivocada argumentação de que se trata de mérito do ato, pois, como ficará claro, não se trata.

PRONTO! Aí está a mais fácil forma de burlar um concurso com a chancela do Poder Judiciário.

A verdade é que a repetição e aplicação sem reflexão da tese da “autonomia” que a Administração deve ter no concurso público ou em outros procedimentos seletivos estão criando uma zona de completa imunidade jurisdicional, chegando ao ponto de ficar mais restrita que os atos políticos, os atos interna corporis, etc.

É muito fácil alegar mérito e impedir logo de início o controle dessas atividades administrativas, principalmente pelo fato de que milhares de ações podem ser propostas sob o mesmo fundamento.

Infelizmente essa é uma realidade e parte do Judiciário tem simplesmente “anulado” o artigo 5º, inciso XXXV da CF – que veicula o princípio da inafastabilidade da jurisdição, ou amplo acesso à justiça, sob o fundamento – muitas vezes impensado e não refletido –  de tratar-se de mérito do ato, porém esquece de tutelar direito legítimo do jurisdicionado que há anos vem se preparando para as avaliações e são preteridos ou prejudicados por condutas arbitrárias que já sabem que são imunes a controle jurisdicional.

3. Qual o papel do Judiciário?

O Judiciário não pode se escusar do controle de legalidade e dizer que não cabe intervenção, sob pena de, além de criar uma zona de “imunidade jurisdicional”, dar o poder de a Administração criar a realidade!

O Judiciário tem que enfrentar o ponto!

As opções possíveis, todas embasadas nas provas e após análise das mesmas, são:

  • Entender que a questão está correta, não possui qualquer vício de legalidade e por isso não há motivo (como elemento do ato administrativo) para anular a questão, oportunidade que julgará improcedente o pleito autoral.
  • Entender que há vício de legalidade na questão (mais de uma resposta correta, sem resposta correta, erro de elaboração, fora do programa do edital) e, com isso, anular a questão e atribuir os pontos da mesma ao jurisdicionado, julgando procedente o pleito autoral.
  • Entender, se realmente for o caso de se ter discutido conveniência e oportunidade, não haver pedido de anulação do ato, extinguir o processo sem julgamento de mérito, pois não é possível pleitear ao Judiciário a revogação do ato ou qualquer tipo de controle de mérito.
  • Ou ainda, verificando que o que se discutiu foram aspectos de conveniência e oportunidade do ato, como, por exemplo, escolha das matérias dentre as previstas no edital, e tendo pedido a anulação do ato por este motivo, julgar improcedente a ação, reconhecer que no caso se discute mérito e que não cabe anulação de ato legal.

4. Conclusão

Como dito, muitas vezes os juízes negam pretensões bem fundamentas e que merecem acolhidas sob o fundamento que o Poder Judiciário não pode substituir a Banca Examinadora.

Cuidado! A Expressão “substituir a banca examinadora” é perigosa se aplicada de forma equivocada, pois a função jurisdicional tem caráter substitutivo. É uma característica da jurisdição! O juiz, analisando o caso concreto, se verificar que uma norma foi aplicada equivocadamente, deve afastá-la e aplicar a correta. Se um servidor for demitido ilegalmente o Judiciário não anula a decisão do PAD e reintegra o servidor? É típico caráter substitutivo da função jurisdicional!

Assim, quando uma decisão judicial negativa se funda no argumento de que o jurisdicionado pretende que o Judiciário substitua a banca examinadora, este pressuposto, antes de impedir o controle, deve, se for o caso, ensejá-lo, porém a substituição decorrente do reconhecimento de uma ilegalidade, onde o ato ilegal embatido é substituído por uma norma embasada no ordenamento pátrio, que, no caso, é uma decisão anulando as questões e atribuindo os pontos das mesmas ao jurisdicionado.

A simples alegação de mérito, de impossibilidade de intervenção do Judiciário em uma questão técnica é uma “retórica equivocada”, pois se o magistrado diz que é “mérito” ele não pode simplesmente lançar esta “palavra mágica” e negar o pedido. Nessa linha de decisão ele tem que fundamentar que a questão foi feita corretamente – ou seja, sem qualquer vício de legalidade – para, afastando a ilegalidade primeiramente, aproximar-se do contexto da conveniência e oportunidade e afastar o controle.

Todavia é pressuposto, que fique claro, que se enveredar pelo caminho de que não cabe controle, que não é caso de intervenção, que é mérito administrativo, depende, obrigatoriamente, do reconhecimento da legalidade das questões, o que normalmente não é feito, razão pela qual pode-se dizer que muitas decisões judiciais não trazem justiça real e social, o que, não precisa nem dizer, causa enormes prejuízos ao candidato lesado e que conta com o Poder Judiciário.

Mas quem pode dizer que o Poder Judiciário está errado? Só o próprio Poder Judiciário, via recurso, e muitas vezes o que se percebe é uma nova aplicação sem análise concreta e real do caso, das peculiaridades, onde mais uma vez não se afasta a ilegalidade da questão debatida para entender que se tratar de mérito administrativo. Simplesmente, mais uma vez com o uso de palavras e expressões mágicas como “mérito administrativo”, “soberania da banca examinadora”, “não cabe ao Judiciário substituir a Banca Examinadora”, a mesma injustiça se perpetua.

Estas são, portanto, algumas considerações sobre o tema e que, claro, merecem cada vez maiores estudos.


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