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O saneamento compartilhado no novo CPC

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O saneamento compartilhado no novo CPC

AUDIÊNCIA

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CPC 2015

JUIZ

NCPC

PROCESSO CIVIL

SANEAMENTO COMPARTILHADO

Fernando Gajardoni
Fernando Gajardoni

08/08/2016

Finda a fase postulatória (momento ordinariamente reservado para a apresentação das pretensões e defesas), e não sendo o caso de julgamento conforme o estado do processo (arts. 354 e 355 do CPC/2015), o artigo 357 do CPC/2015 estabelece que será proferida formalmente decisão de saneamento e de organização do processo pelo juiz.

Nela o juiz, para além de resolver as questões processuais pendentes (impugnação da justiça gratuita, alegação de incompetência, etc.), deverá delimitar as questões de fato sobre as quais recairá a atividade probatória (especificando os meios de prova admitidos); definir a distribuição do ônus da prova, observado o artigo 373 do CPC/2015 (que trata da possibilidade de distribuição dinâmica do ônus probatório);  delimitar as questões de direito relevantes para a decisão do mérito; e , se necessário, designar audiência de instrução e julgamento.

No CPC/1973, a decisão saneadora era proferida de modo solitário pelo juiz. Seja em audiência na presença das partes, seja por escrito na forma do revogado artigo 331, § 3º, do CPC/1973, não havia propriamente espaço – ao menos do ponto de vista legislativo – para que as partes participassem, junto com o juiz, do saneamento e organização do processo, visto como incumbência privativa do órgão jurisdicional.

Já o novo CPC, certamente inspirado pelo modelo de processo cooperativo do artigo 6º, apresenta ao menos duas consideráveis mudanças na temática ora investigada.

O art. 357, § 2º, do CPC/2015 expressamente prevê que as partes, conjuntamente, podem apresentar ao juiz, para fins de homologação, negócio jurídico processual típico de delimitação consensual das questões de fato e de direito referidas no artigo 357, incisos II e IV, do CPC/2015 (algo que, de ordinário, seria decidido exclusivamente pelo juiz).

Tem-se aqui uma hipótese bastante interessante de aplicação do princípio da cooperação das partes para com o juiz (artigo 6º do CPC/15), especialmente se considerarmos que, ordinariamente, é o juiz que coopera com as partes (determinando emendas, sugerindo correções, etc.).

Ao apesentar ao juiz proposta de delimitação das questões de fato e de direito, as partes contribuem para uma prestação jurisdicional mais célere e efetiva, pois substituem a atividade de elaboração das questões pelo juiz, pela de conferência e homologação das questões apresentadas pelas partes [1].

A convenção de fixação de questões pelas partes, todavia, não opera efeitos de modo automático, inaplicável, por conseguinte, o artigo 200, caput, do CPC/2015. Aqui há expressa menção à necessidade de homologação da convenção pelo juiz, que por isso controlará não só a correção das questões formuladas, mas também a legalidade da convenção que se apresenta (poderes, portanto, muito mais amplos do que os referidos no artigo 190, parágrafo único, do CPC/2015). Obviamente, o juiz pode homologar integralmente as questões apresentadas entendendo-as pertinentes. Ou pode a partir delas formular a decisão do artigo 357, do CPC/2015, fazendo as adaptações que entender necessárias.

Tanto quanto a decisão judicial proferida nos termos do artigo 357, do CPC/2015, após o prazo para esclarecimentos e ajustes do § 1º, a decisão que homologa a convenção das partes tal como apresentada se estabiliza, vinculando a todos (inclusive ao juiz). Como regra, não será mais lícito às partes reclamar a inclusão ou correção das questões fixadas, que limitarão toda a atividade probatória e os debates que serão travados nas fases instrutória e decisória do processo.

Já a segunda novidade é encontrada no art. 357, § 3º, que estabelece ser dever do juiz, nas causas de maior complexidade em matéria de fato ou de direito, designar audiência preliminar para que o saneamento e a organização do processo sejam feitos em cooperação com partes, oportunidade em que o juiz, se for o caso, as convidará a integrar ou esclarecer suas alegações.

Tanto quanto o previsto no art. 357, § 2º, do CPC/2015, estamos diante de mais um negócio jurídico processual típico (previsto na lei como tal), para alguns plurilateral (dependente da convergência de vontades não só das partes, mas também do órgão julgador).

A esperança é que o juiz possa, em debate franco e aberto com as partes, se esclarecer e ser esclarecido à luz dos deveres inerentes à cooperação (esclarecimento, consulta, prevenção e auxílio), a seguir tomando todas as decisões sobre as questões processuais pendentes, questões de fato, provas que terão sua produção deferida, distribuição do ônus da prova e questões de direito relevantes para a decisão de mérito, junto com elas e seus advogados [2].

Este contato cooperativo entre as partes e o juiz, inclusive, pode fomentar a prática autocompositiva, a qual, que pese a audiência do art. 334 do CPC/2015, não deixou de estar entre os deveres do juiz na condução do processo (art. 139, V, CPC/2015).

A audiência para fins de saneamento compartilhado pode servir, ainda, para a fixação, entre partes e juiz, de calendário processual, na forma do art. 191 do CPC/2015, sendo, portanto, negócio jurídico processual típico inspirado no mesmo ideário cooperativo do saneamento compartilhado (partes e juízes tomando conjuntamente as decisões sobre a condução do processo).

Obviamente, nada impede que o juiz designe a audiência para, consultando as partes, proferir a decisão do art. 357 do CPC/2015, considerando que quem pode o mais (designá-la em causas complexas – art. 357, § 3º, CPC/2015), pode o menos (designá-la em causas simples). Mas, definitivamente, para as causas mais simples não há obrigatoriedade de realização desta audiência.

É de bom alvitre que juiz, ao designar a audiência para fins de saneamento compartilhado, alerte as partes das providências e atividades que serão realizadas em audiência, inclusive incitando-as as comparecer preparadas para prestar esclarecimentos, formular quesitos, ajudar na escolha do perito, debater seus honorários e indicar as provas que serão produzidas (inclusive já trazendo o rol de testemunhas para apresentação e debate com a parte adversa, na forma do art. 357, § 5º, do CPC/2015).

Em resumo: no novo CPC as partes ganham considerável espaço na condução do processo, tarefa dantes reservada, quase que exclusivamente, ao juiz. O que resta saber agora é se efetivamente haverá a coparticipação ora autorizada, ou se as duas novidades dantes referidas integrarão o rol das disposições figurativas e sem uso real do CPC/2015.


[1]  O art. 357, § 2º, do CPC/2015, não autoriza – ao menos oficialmente – que as partes apresentem ao juiz convenção sobre as provas que deverão ser produzidas em fase instrutória. O dispositivo só fala em convenção sobre as questões. Poderia se cogitar sobre a apresentação de convenção atípica, com base no art. 190 do CPC/2015, sobre as provas que o juiz deveria necessariamente deferir, ou que não deveria em situação alguma determinar de ofício. Porém, como afirmado outrora (GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, Andre; OLIVEIRA Jr., Zulmar Duarte. Teoria Geral do Processo: Comentários ao CPC/2015. São Paulo: Método, 2015, p. 627/628) e ratificado pelo enunciado n. 36 da ENFAM (Escola Nacional de Formação de Magistrados), trata-se de convenção processual sobre situação jurídica processual com objeto ilícito e praticado por parte ilegítima, pois além de contrariar o regramento legal do art. 370 do CPC/2015 (poderes instrutórios do juiz), representa disposição de poder que não é das partes como expressamente exige o art. 190, do CPC/2015 (“seus ônus, poderes…”). O acordo de saneamento, portanto, não pode limitar os poderes instrutórios do juiz, tampouco impor a produção de prova que se entenda impertinente e irrelevante para a solução do conflito. Convenção neste sentido vale como sugestão não vinculante ao Estado/Juiz. E nada mais.

[2]  O CPC/1973 (art. 331), embora não proclamasse expressamente a possibilidade de saneamento compartilhado, não vedava sua realização. Pelo contrário, substanciosa doutrina não só admitia como recomendava sua realização em determinados tipos de causa, corretamente alertando o potencial positivo do ato na diminuição da beligerância entre as partes e no número de recursos contra as decisões consensualmente ali tomadas (inclusive em vista da inexistência, propriamente, de interesse recursal) (HOFFMAN, Paulo. Saneamento compartilhado. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p 94 e ss.).


VEJA AQUI OUTROS TEXTOS DA SÉRIE CPC 2015

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