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Comércio eletrônico (3): as criptomoedas e o fenômeno bitcoin

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André Santa Cruz

André Santa Cruz

15/08/2016

Bitcoin BTC - virtual money

De todos os monopólios estatais que podem – e devem – ser quebrados pelo desenvolvimento do comércio eletrônico, o monopólio da emissão de moeda é o mais importante deles.

O dinheiro não é uma criação estatal, mas do próprio mercado. O dinheiro surgiu quando as dificuldades da troca direta de bens (escambo) fizeram com que bens mais demandados começassem a ser usados como meio de troca indireta, isto é, começassem a ser usados como “moeda”. Daí vem o “teorema da regressão” de Ludwig von Mises: um bem só pode se tornar dinheiro (moeda), isto é, meio de troca indireta, se antes já tinha valor como mercadoria, ou seja, como meio de troca direta.

As primeiras moedas, portanto, foram aqueles bens (ouro e prata, por exemplo) que, em virtude de certas características (raridade, durabilidade, divisibilidade, portabilidade, testabilidade etc.) eram mais demandados do que outros. A maior demanda por um bem fazia dele uma mercadoria comerciável: pessoas o aceitavam como meio de troca mesmo não necessitando diretamente dele, mas porque sabiam que, futuramente, conseguiriam trocá-lo por algo desejado com mais facilidade. Quanto mais um bem era demandado, maior era a sua comerciabilidade, e quanto mais sua comerciabilidade aumentava, a demanda por ele também crescia. Entrava-se num ciclo virtuoso até o ponto em que todos aceitavam facilmente aquele bem como meio de troca. O dinheiro acabara de ser criado.

A criação do dinheiro facilitou a especialização e a divisão do trabalho, fundamentais para o desenvolvimento econômico e social. Antes, alguém que produzia lanças tinha que encontrar pessoas interessadas em trocar comida por lanças, roupas por lanças etc. Agora, ele precisa apenas trocar suas lanças por dinheiro, e depois usá-lo para adquirir o que precisa.

A especialização e a divisão do trabalho, por sua vez, facilitaram a acumulação de riqueza e a formação de poupança, o que permitiu o investimento em bens de capital, melhorando e aumentando a produção, e propiciou a formalização de empréstimos e financiamentos a terceiros, dinamizando a economia.

O dinheiro também fez com que os demais bens em circulação no mercado pudessem ser precificados de forma objetiva, e sabe-se que o sistema de preços é o que permite o cálculo econômico racional: analisando os preços, o empresário sabe se está tendo lucros ou prejuízos e descobre a melhor forma de alocar seus recursos.

Mas se o dinheiro surgiu e se desenvolveu livremente no mercado, por que ele hoje é controlado de forma monopolística pelo estado? A explicação é simples.

Numa economia em que se usa o ouro, por exemplo, como moeda, um indivíduo tem duas formas de adquirir dinheiro: (i) produzindo bens ou serviços que outras pessoas queiram pegar por eles ou (ii) dedicando-se à mineração (garimpo).

O estado, por sua vez, adquire dinheiro, via de regra, pela tributação. Ocorre que esta é, normalmente, impopular, podendo gerar revoltas que, como a História nos ensina, derrubam qualquer governo, por mais poderoso que ele seja. Assim, o estado descobriu que controlar a moeda lhe permite criar dinheiro do nada (sem lastro), sem causar o impacto e a revolta que a tributação causa. A criação de dinheiro sem lastro é chamada de inflação (infla-se a base monetária), e sua consequência inevitável é o aumento dos preços, dada a desvalorização da unidade monetária.

Portanto, o controle do dinheiro pelo estado, exercido através do Bancos Centrais, é a principal causa das crises econômicas e dos surtos de inflação seguidos de aumento generalizado dos preços que temos visto nas últimas décadas, como há tempos já explicaram os economistas da Escola Austríaca (Ludwig von Mises, Friedrich Hayek e Murray Rothbard).

O comércio eletrônico (uso a expressão aqui em seu sentido lato, significando as negociações/contratações virtuais, por meio da internet), porém, pode ajudar a quebrar esse monopólio estatal sobre o dinheiro, com a criação e o desenvolvimento das criptomoedas, cujo exemplo mais significativo é o bitcoin.

Não se sabe ao certo quem criou o bitcoin, já que sua origem é um artigo publicado num fórum de criptografia em 2008, assinado por Satoshi Nakamoto, mas acredita-se que se trata de um pseudônimo, já que essa pessoa nunca apareceu em público, tendo desaparecido dos fóruns de que participava alguns anos depois da divulgação de sua revolucionária ideia.

O bitcoin é uma criptomoeda que utiliza uma tecnologia ponto-a-ponto (peer-to-peer) para criar um sistema de pagamentos on line que não depende de intermediários e não se submete a nenhuma autoridade regulatória centralizadora. O código do bitcoin é aberto, seu design é público, não há proprietários ou controladores centrais e qualquer pessoa pode participar do seu sistema de gerenciamento coletivo. Enfim, o bitcoin é uma inovação revolucionária porque é o primeiro sistema de pagamentos totalmente descentralizado.

O comércio eletrônico tradicional é sempre feito através de intermediários (uma operadora de cartão de crédito, uma instituição financeira ou uma empresa de pagamentos on line, como o PayPal) e lastreado em uma moeda oficial (dólar, real, euro etc.). As transações com bitcoins, por sua vez, não dependem de intermediários e não são lastreadas em uma moeda oficial, mas no próprio bitcoin. Portanto, não se trata de apenas de um novo sistema de pagamentos, mas de uma nova moeda.

Dada a importância e a singularidade do tema, transcrevo abaixo as explicações de Fernando Ulrich, em seu livro Bitcoin: o dinheiro na era digital, a primeira obra publicada no Brasil sobre o assunto:

O que é Bitcoin

Bitcoin é uma moeda digital peer-to-peer (par a par ou, simplesmente, de ponto a ponto), de código aberto, que não depende de uma autoridade central. Entre muitas outras coisas, o que faz o Bitcoin ser único é o fato de ele ser o primeiro sistema de pagamentos global totalmente descentralizado. Ainda que à primeira vista possa parecer complicado, os conceitos fundamentais não são difíceis de compreender.

Visão geral

Até a invenção do Bitcoin, em 2008, pelo programador não identificado conhecido apenas pelo nome Satoshi Nakamoto, transações online sempre requereram um terceiro intermediário de confiança. Por exemplo, se Maria quisesse enviar 100 u.m. ao João por meio da internet, ela teria que depender de serviços de terceiros como PayPal ou Mastercard. Intermediários como o PayPal mantêm um registro dos saldos em conta dos clientes. Quando Maria envia 100 u.m ao João, o PayPal debita a quantia de sua conta, creditando-a na de João. Sem tais intermediários, um dinheiro digital poderia ser gasto duas vezes. Imagine que não haja intermediários com registros históricos, e que o dinheiro digital seja simplesmente um arquivo de computador, da mesma forma que documentos digitais são arquivos de computador. Maria poderia enviar ao João 100 u.m. simplesmente anexando o arquivo de dinheiro em uma mensagem. Mas assim como ocorre com um e-mail, enviar um arquivo como anexo não o remove do computador originador da mensagem eletrônica. Maria reteria a cópia do arquivo após tê-lo enviado anexado à mensagem. Dessa forma, ela poderia facilmente enviar as mesmas 100 u.m. ao Marcos. Em ciência da computação, isso é conhecido como o problema do “gasto duplo”, e, até o advento do Bitcoin, essa questão só poderia ser solucionada por meio de um terceiro de confiança que empregasse um registro histórico de transações.

A invenção do Bitcoin é revolucionária porque, pela primeira vez, o problema do gasto duplo pode ser resolvido sem a necessidade de um terceiro; Bitcoin o faz distribuindo o imprescindível registro histórico a todos os usuários do sistema via uma rede peer-to-peer. Todas as transações que ocorrem na economia Bitcoin são registradas em uma espécie de livro-razão público e distribuído chamado de blockchain (corrente de blocos, ou simplesmente um registro público de transações), o que nada mais é do que um grande banco de dados público, contendo o histórico de todas as transações realizadas. Novas transações são verificadas contra o blockchain de modo a assegurar que os mesmos bitcoins não tenham sido previamente gastos, eliminando assim o problema do gasto duplo. A rede global peer-to-peer, composta de milhares de usuários, torna-se o próprio intermediário; Maria e João podem transacionar sem o PayPal.

É importante notar que as transações na rede Bitcoin não são denominadas em dólares, euros ou reais, como são no PayPal ou Mastercard; em vez disso, são denominadas em bitcoins. Isso torna o sistema Bitcoin não apenas uma rede de pagamentos decentralizada, mas também uma moeda virtual. O valor da moeda não deriva do ouro ou de algum decreto governamental, mas do valor que as pessoas lhe atribuem. O valor em reais de um bitcoin é determinado em um mercado aberto, da mesma forma que são estabelecidas as taxas de câmbio entre diferentes moedas mundiais.

Como funciona

Até aqui discutimos o que é o Bitcoin: uma rede de pagamentos peer-to-peer e uma moeda virtual que opera, essencialmente, como o dinheiro online. Vejamos agora como é seu funcionamento.

As transações são verificadas, e o gasto duplo é prevenido, por meio de um uso inteligente da criptografia de chave pública. Tal mecanismo exige que a cada usuário sejam atribuídas duas “chaves”, uma privada, que é mantida em segredo, como uma senha, e outra pública, que pode ser compartilhada com todos. Quando a Maria decide transferir bitcoins ao João, ela cria uma mensagem, chamada de “transação”, que contém a chave pública do João, assinando com sua chave privada. Olhando a chave pública da Maria, qualquer um pode verificar que a transação foi de fato assinada com sua chave privada, sendo, assim, uma troca autêntica, e que João é o novo proprietário dos fundos. A transação – e portanto uma transferência de propriedade dos bitcoins – é registrada, carimbada com data e hora e exposta em um “bloco” do blockchain (o grande banco de dados, ou livro-razão da rede Bitcoin). A criptografia de chave pública garante que todos os computadores na rede tenham um registro constantemente atualizado e verificado de todas as transações dentro da rede Bitcoin, o que impede o gasto duplo e qualquer tipo de fraude.

Mas o que significa dizermos que “a rede” verifica as transações e as reconcilia com o registro público? E como exatamente são criados e introduzidos novos bitcoins na oferta monetária? Como vimos, porque o Bitcoin é uma rede peer-to-peer, não há uma autoridade central encarregada nem de criar unidades monetárias nem de verificar as transações. Essa rede depende dos usuários que proveem a força computacional para realizar os registros e as reconciliações das transações. Esses usuários são chamados de “mineradores”, porque são recompensados pelo seu trabalho com bitcoins recém-criados. Bitcoins são criados, ou “minerados”, à medida que milhares de computadores dispersos resolvem problemas matemáticos complexos que verificam as transações no blockchain. Como um analista afirmou,

A real mineração de bitcoins é puramente um processo matemático. Uma analogia útil é a procura de números primos: costumava ser relativamente fácil achar os menores (Erastóstenes, na Grécia Antiga, produziu o primeiro algoritmo para encontrá-los). Mas à medida que eles eram encontrados, ficava mais difícil encontrar os maiores. Hoje em dia, pesquisadores usam computadores avançados de alto desempenho para encontrá-los, e suas façanhas são observadas pela comunidade da matemática (por exemplo, a Universidade do Tennessee mantém uma lista dos 5.000 maiores).

No caso do Bitcoin, a busca não é, na verdade, por números primos, mas por encontrar a sequência de dados (chamada de “bloco”) que produz certo padrão quando o algoritmo “hash” do Bitcoin é aplicado aos dados. Quando uma combinação ocorre, o minerador obtém um prêmio de bitcoins (e também uma taxa de serviço, em bitcoins, no caso de o mesmo bloco ter sido usado para verificar uma transação). O tamanho do prêmio é reduzido ao passo que bitcoins são minerados.

A dificuldade da busca também aumenta, fazendo com que seja computacionalmente mais difícil encontrar uma combinação. Esses dois efeitos combinados acabam por reduzir ao longo do tempo a taxa com que bitcoins são produzidos, imitando a taxa de produção de uma commodity como o ouro. Em um momento futuro, novos bitcoins não serão produzidos, e o único incentivo aos mineradores serão as taxas de serviços pela verificação de transações.

O protocolo, portanto, foi projetado de tal forma que cada minerador contribui com a força de processamento de seu computador visando à sustentação da infraestrutura necessária para manter e autenticar a rede da moeda digital. Mineradores são premiados com bitcoins recém-criados por contribuir com força de processamento para manter a rede e por verificar as transações no blockchain. E à medida que mais capacidade computacional é dedicada à mineração, o protocolo incrementa a dificuldade do problema matemático, assegurando que bitcoins sejam sempre minerados a uma taxa previsível e limitada.

Esse processo de mineração de bitcoins não continuará indefinidamente. O Bitcoin foi projetado de modo a reproduzir a extração de ouro ou outro metal precioso da Terra – somente um número limitado e previamente conhecido de bitcoins poderá ser minerado. A quantidade arbitrária escolhida como limite foi de 21 milhões de bitcoins. Estima-se que os mineradores colherão o último “satoshi”, ou 0,00000001 de um bitcoin, no ano de 2140. Se a potência de mineração total escalar a um nível bastante elevado, a dificuldade de minerar bitcoins aumentará tanto que encontrar o último “satoshi” será uma empreitada digital consideravelmente desafiadora. Uma vez que o último “satoshi” tenha sido minerado, os mineradores que direcionarem sua potência de processamento ao ato de verificação das transações serão recompensados com taxas de serviço, em vez de novos bitcoins minerados. Isso garante que os mineradores ainda tenham um incentivo de manter a rede operando após a extração do último bitcoin.

O futuro do bitcoin, por enquanto, ainda é incerto. É provável que os governos de vários países usem toda a sua força contra essa criptomoeda, já que ela representa uma real possibilidade de quebra do monopólio estatal sobre o dinheiro, o que seria um grande avanço no caminho de uma sociedade mais livre e próspera.


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