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A influência da Integração Econômica na reconfiguração dos modelos de Estado

COMÉRCIO EXTERIOR

DIREITO ECONÔMICO

DIREITO INTERNACIONAL

ESTADO

ESTADO COOPERATIVO CONSTITUCIONAL

INTEGRAÇÃO ECONÔMICA. ACORDO GERAL DE TARIFAS E COMÉRCIO

ORDEM ECONÔMICA INTERNACIONAL

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO

SOBERANIA

Leonardo Vizeu Figueiredo

Leonardo Vizeu Figueiredo

15/09/2016

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EMENTA: ORDEM ECONÔMICA INTERNACIONAL. DIREITO ECONÔMICO. DIREITO INTERNACIONAL. COMÉRCIO EXTERIOR. INTEGRAÇÃO ECONÔMICA. ACORDO GERAL DE TARIFAS E COMÉRCIO. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO. SOBERANIA. ESTADO. ESTADO COOPERATIVO CONSTITUCIONAL.

1. Introdução:

O presente artigo objetiva promover uma análise da influência que o processo de Integração Econômica promovido a partir da segunda metade do Século XX teve sobre as mudanças de paradigmas nas Teorias de Direito do Estado.

Isto porque, o aquecimento das relações comerciais entre as Nações Soberanas levou ao intercâmbio não só de bens, mercadorias e capital, mas de serviços e mão de obra, promovendo, destarte, um inexorável processo de evolução no que se refere às Relações Internacionais.

O conceito clássico de soberania transmutou-se e adquiriu novas feições, assim como a nacionalidade e a idéia de aduana e fronteiras.

Portanto, faz-se necessário o estudo interdisciplinar dos pontos de interseção do Comércio Exterior com o Direito Internacional, o Direito Econômico e o Direito Constitucional para que se possa analisar os novos paradigmas estatais.

Para tanto, analisar-se-á o processo de integração econômica, suas origens e etapas, bem como os principais órgãos envoltos no cenário atual do Comércio Exterior. Feito isso, estudar-se-á a Teoria das Relações Internacionais, suas principais correntes e influência sobre o Direito Econômico em sua vertente Internacional. Por fim, verificar-se-á como o processo de Integração Econômica influenciou nas recentes mudanças ocorridas no que se refere à conceituação de Estado.

2. Ordem Econômica Internacional

A Ordem Econômica Internacional objetiva estabelecer um enquadramento jurídico de caráter cosmopolita, destinado à harmonização e aprimoramento das relações comerciais e econômicas, desenvolvidas por todas as pessoas jurídicas de direito público externo envolvidas.

Observe-se que, com as mudanças das relações econômicas internacionais, notadamente no período compreendido na segunda metade do Século XX, o crescimento da economia dos países passou a pautar-se na evolução da ordem econômica mundial. Esta, por sua vez depende do desenvolvimento das relações comerciais entre estes países, sem a qual não há como se vislumbrar uma economia sustentável e racional em escala global. Hoje, tal processo de integração é aplicado em praticamente todos os continentes, mormente em virtude da constante formação e fortalecimento de blocos econômicos, apesar das divergências quanto à forma, quanto à velocidade e quanto à intensidade. Observe-se que o principal caminho para o crescimento das economias, a fim de garantir bases sólidas para a edificação do desenvolvimento social, é a ampliação do comércio internacional. Isto porque as Nações dependem do intercâmbio comercial para atender satisfatoriamente suas necessidades internas, uma vez que não há homogeneidade em relação às vantagens comparativas que possuem.

Não obstante, à medida que cresce o intercâmbio internacional, as relações comerciais entre os países sofrem inúmeras transformações, dado o dinamismo que rege o processo econômico internacional. Todavia, com o constante e contínuo aprimoramento destas relações, que se tornam cada vez mais complexas, mister se faz o uso, em uma primeira etapa de aproximação e integração econômica, de mecanismos de proteção às economias nacionais, com o fito de resguardar os mercados internos mais frágeis diante de grandes potencias econômicas. Por óbvio, à medida que vão se aquecendo, em caráter gradual, as relações e as trocas comerciais, os mecanismos de proteção deixam de ter este foco, podendo, inclusive cair em desuso.

Observe-se que, a racionalização e a harmonização da proteção às economias internas com as trocas do comércio exterior, é o grande desafio que se impõe ao Direito Econômico Internacional. Assim, a Ordem Econômica Internacional tem por fim estabelecer um conjunto de normas que disciplinem a cooperação entre as Nações para intensificação do comércio exterior, bem como a universalização dos direitos de cunho sócio-econômico. Outrossim, pode-se dizer que, dentro de uma perspectiva doméstica, visa regulamentar e disciplinar, tanto a instalação em território nacional de diversos fatores de produção de procedência estrangeira, quanto as transações comerciais relativas a bens, serviços e capitais, daí decorrentes.

De sua evolução e desenvolvimento resultou o aparecimento de diversos Organismos Internacionais, conforme veremos adiante.

2.1. Finalidades e princípios

A finalidade da Ordem Econômica Internacional é a constituição de uma unidade jurídico-econômica que leve em conta a diversidade dos ordenamentos internacionais e das realidades internas de cada Estado, baseando-se na interdependência recíproca e na coexistência pacífica. Desde que foi estruturada, a Ordem Econômica Internacional já foi objeto de algumas reformulações, conforme será visto adiante.

A Organização das Nações Unidas, em 1974, originariamente editou a Resolução nº 3.281, que continha 15 princípios para nortear a Ordem Econômica Internacional. Todavia, tais princípios sofreram forte influência com o advento do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio – GATT.

Por sua vez, os princípios instituídos pelo GATT pautaram-se concretamente em uma posição desigual, reconhecendo uma realidade fática, uma vez que, os países possuem realidades internas, de caráter sócio-econômico, nitidamente diversas, consolidando a Ordem Econômica Internacional com fulcro nos seguintes princípios:

a) os Estados não podem adotar relações comerciais discriminatórias;

b) os Estados não podem impedir o pagamento de lucros de investimentos estrangeiros;

c) os Estados devem cooperar na estabilização dos preços na economia;

d) os Estados devem evitar o dumping e a criação de estoques que interfiram nos demais países em crescimento econômico;

e) os Estados não podem impedir o comércio internacional, com o uso de barreiras alfandegárias; e

f) os Estados subdesenvolvidos ou em desenvolvimento têm direito a uma assistência econômica.

2.2. Integração Econômica

É o processo econômico-político entre governos nacionais e soberanos de desagravação, visando a redução, parcial ou total, das barreiras tarifárias e não-tarifárias que limitam ou entravam o comércio recíproco cujas regras foram estabelecidas pelo GATT. Outrossim, o processo de integração econômica, sob uma visão objetiva, é o conjunto de medidas de caráter econômico e comercial que têm por objetivo promover a aproximação e, eventualmente, a união entre as economias de dois ou mais países. Por desagravação tarifária entende-se o mecanismo de redução gradual das tarifas aplicadas ao comércio entre dois ou mais países.

Historicamente, o processo de aproximação econômica das nações constantemente se fez presente na vida da humanidade, nem sempre em caráter pacifista. Observe-se que, a pax romana tinha por objetivo garantir a cobrança de tributos dos povos subjugados. Outrossim, o processo das grandes navegações iniciado pelos países ibéricos objetivava o estabelecimento de novas rotas comerciais com o oriente. Por sua vez, a colonização européia igualmente tinha finalidade precipuamente econômica. A integração sempre esteve presente na história do homem, sendo uma necessidade macro das Nações Soberanas.

Atualmente, utiliza-se o termo globalização para denominar a formação de blocos econômicos entre países a nível mundial, levando-se em conta, ainda, as conseqüências sócio-culturais nas mais diversas Nações. A globalização significa, portanto, a integração multicultural entre economias e blocos através da retirada cada vez maior de entraves ao livre comércio. Observe-se que, ao se conceituar o termo globalização, deve-se ponderar, outrossim, fenômenos macro-históricos, além das implicações jurídicas sobre o tema[1].

Tais medidas integracionistas e de desagravo tarifário concentram-se, em um primeiro momento, na diminuição ou mesmo eliminação de barreiras tarifárias e não-tarifárias que, por razões protecionistas, constrangem, limitam e, até mesmo em casos extremos, inviabilizam o comércio de bens entre países.

A eliminação das restrições tarifárias, de cunho pecuniário, e das não-tarifárias ao comércio entre os signatários é, por óbvio, um objetivo central nos processos de integração. São chamadas restrições não-tarifárias as disposições legais distintas das exações pecuniárias que têm por objetivo central limitar a importação de mercadorias por determinado país (quotas ou anuências prévias para importação, por exemplo). Com a progressiva eliminação das restrições tarifárias e não-tarifárias, as alíquotas aplicadas ao comércio dentro da zona são sempre diferentes (e menores) do que aquelas praticadas a países fora da zona. Essa diferença, chamada de margem de preferência, é um dos grandes estímulos que os países têm para integrarem-se.

A integração econômica, via de regra, como mostra a história decorrente da segunda metade do Séc. XX, se dá de forma gradual, passando-se por diversas etapas integracionistas, que vão desde a redução de algumas barreiras tarifárias, até, em uma etapa mais adiantada de integração, a definição e adoção de uma Tarifa Externa Comum, ou seja, uma tarifa a ser aplicada por todos os sócios ao comércio de bens com terceiros mercados.

A Tarifa Externa Comum – TEC – é, na realidade, um conjunto de tarifas que incidem sobre as importações realizadas pelos países-membros do respectivo bloco econômico. Representa um passo a mais no processo de integração, já que não apenas o comércio intrazona é regulado, mas também a relação comercial com os demais países. É empregada como instrumento de regulação das importações dos países associados em uma união aduaneira ou um mercado comum. Diferentemente do que acontece numa zona de preferências tarifárias ou numa área de livre comércio, como será melhor esmiuçado adiante, os países participantes abrem mão da competência para fixar unilateralmente os níveis tarifários para as importações oriundas de outros países.

A TEC é um passo necessário para equalizar as condições de concorrência, ou seja, garantir que os produtores dos diferentes signatários pagarão o mesmo montante para importação de insumos e máquinas, e, portanto, poderão competir entre si em condição de igualdade. Definida em comum pelos signatários, só poderá ser revista de comum acordo pelos Estados partes. Isso significa que qualquer negociação comercial com outros países ou regiões deve ser conduzida pelos membros em conjunto. No entanto, também há algumas exceções à TEC, que são negociadas separadamente, com programas de convergência definidos para garantir a sua adequação.

Observe-se que, associado a esse exercício impõe-se o estabelecimento de um regime de origem de produtos, bens e serviços, mecanismo pelo qual se determina se um produto é originário da região, fazendo jus às vantagens comerciais próprias do sistema de integração, ou não. O processo de integração permite isenção de tarifas para comércio intrazona, mas não para produtos importados de terceiros países, que estejam simplesmente sendo reexportados. Mister se faz, então, a criação de regras que diferenciem os dois casos acima. Essa regra é o regime de origem.

Avançando ainda mais dentro do processo integracionista, chega-se a arranjos adiantados de integração que admitem a liberalização do comércio de serviços e a livre circulação dos fatores de produção (capital e trabalho), e exigem a coordenação de políticas macroeconômicas e até mesmo a coordenação de políticas fiscais e cambiais. Em grau extremo, a integração econômica pode levar, inclusive, à adoção de uma moeda única, conforme veremos, pormenorizadamente, adiante.

Resta claro que, quanto mais avança o processo de integração, mais se torna necessária a coordenação de políticas macroeconômicas. A política macroeconômica de um país se divide em três esferas principais: política cambial, política monetária e política fiscal. A coordenação dessas políticas certamente será um processo lento, já que implicará uma limitação da autonomia de cada país para conduzir sua política econômica.

Como quer que se perfaçam, os modelos de integração baseiam-se, fundamentalmente, na vontade dos Estados de obter, por meio de sua adoção, vantagens econômicas que se definirão, entre outros aspectos, em termos de:

a) aumento geral da produção, através de um melhor aproveitamento de economias de escala;

b) aumento da produtividade, através da exploração de vantagens comparativas entre sócios de um mesmo bloco econômico; e

c) estímulo à eficiência, por meio do aumento da concorrência interna.

Observe-se que, o conceito de integração econômica, assim como todo o Direito Econômico, é recente, passando a ser utilizado em seu sentido atual após a segunda guerra mundial. Insere-se perfeitamente no atual cenário econômico mundial, marcado por suas correntes complementares de multilateralização das relações comerciais e de regionalização econômica. A integração é fenômeno comum no mundo deste final de século. Quase todas as grandes economias mundiais encontram-se, de alguma forma, envolvidas em processos de integração econômica. Estados Unidos (NAFTA), Europa (União Européia), América Latina (Pacto Andino e MERCOSUL) e África (SADECSouthern Africa Development Community) – a integração está presente por todo o globo.

De acordo com a teoria e doutrina do comércio internacional, estabelecida pelo GATT, consideram-se quatro as situações clássicas de integração econômica: Zona de Preferências Tarifárias, Zona de Livre Comércio, União Aduaneira, Mercado Comum. Um quinto modelo, inédito até recentemente, é constituído pela União Econômica e Monetária, conforme será visto pormenorizadamente adiante.

Antes de adentrar ao estudo das fases ou etapas de integração econômica, cumpre analisar quais são as principais medidas protecionistas adotadas pelos Estados Soberanos, para salvaguarda de suas economias internas.

2.2.1. Barreiras tarifárias

São gravames impostos pelo Estado, com o fito de restringir ou inviabilizar a entrada de mercadorias estrangeiras ou a saída de mercadorias nacionais para o exterior. São caracterizadas pela aplicação de exações pecuniárias elevadas que praticamente inviabilizam a entrada, saída ou trânsito de um produto.

Tais barreiras têm por fim proteger o produtor nacional e o mercado interno em face dos concorrentes estrangeiros. Servem como instrumento de intervenção e regulação do Poder Público, nas relações de comércio internacional.

Conceitualmente, tais barreiras são criadas pela incidência de tarifas, em relação às trocas econômicas internacionais, no que tange à entrada, circulação e à saída de produtos. No conceito da valoração aduaneira, os produtos de maior valor agregado pagam tarifas mais altas do que os produtos de menor valor. Esta maneira de se aplicar tarifas diferenciadas serve para tornar o sistema igualitário.

Atualmente, as relações comerciais em escala mundial funcionam de forma integrada, observando-se que, consoante já dito, as economias nacionais dependem umas das outras para garantir um desenvolvimento mútuo. Desta feita, os Estados Soberanos se encontram diante de um grande desafio: o crescimento econômico, sustentável e racional, dependente das relações de comércio internacional e a proteção ao avanço predatório das outras economias estrangeiras em seus mercados internos. Constroem-se, por conseguinte, parcerias em forma de acordos comerciais para um grupo de países, criando-se obstáculos para os demais.

Ressalte-se que, no atual cenário integracionista das relações internacionais de comércio, a adoção de medidas protecionistas de defesa comercial, podem ser efetuadas, tanto em caráter interno, em relação aos demais países participantes do bloco, quanto em caráter externo, em relação à terceiros países fora do respectivo bloco.

Assim, à medida que vão sendo implementadas políticas integracionistas em favor da liberalização econômica, ampliando-se as relações comerciais, vão sendo tomadas, entretanto, decisões com o objetivo de proteger as empresas e, particularmente, os setores econômicos menos competitivos.

Para tanto, mister se faz aliar, ao crescente comércio exterior, a adoção de políticas protecionistas e instrumentos de regulação que possibilitem resguardar o mercado interno sem, contudo, inviabilizar a gradual entrada e participação no mercado internacional.

No estudo sobre barreiras ao comércio internacional, necessário se faz a análise das formas existentes de protecionismo. Por protecionismo entende-se o conjunto jurídico-político de medidas tomadas no âmbito do comércio internacional para modificar, restringindo ou inviabilizando, o seu fluxo. É a opção política comercial contrária ao livre-comércio. Tem como objetivo a defesa da produção nacional frente à concorrência estrangeira, através de tarifas aduaneiras elevadas, quotas, taxas cambiais diferenciadas, barreiras não tarifárias, dentre outros instrumentos de proteção às economias domésticas.

Por sua vez, as barreiras tarifárias, de cunho pecuniário, podem assumir caráter nitidamente tributário, devendo submeter-se aos ditames constitucionais e legais de cada nação para tanto, sendo voltadas, por óbvio, para uma finalidade muito mais parafiscal do que arrecadatória.

Observe-se que a adoção de barreiras tarifárias de cunho tributário é opção política de cada Estado, face às regras e normas estabelecidas pela Organização Mundial do Comércio – OMC para o comércio internacional, podendo tal cobrança ser efetuada em caráter não-tributário, mediante adoção de receitas derivadas de cunho meramente protecionista e de adequação de custos entre o produto nacional e o estrangeiro, de acordo com os princípios de direito financeiro e as regras de comércio exterior estabelecidos no ordenamento jurídico de cada Estado.

Existem, basicamente, três tipos de barreiras alfandegárias de cunho pecuniário:

a) de trânsito: incidem sobre os bens que somente atravessam o país;

b) de exportação: incidem sobre os bens destinados aos mercados exteriores. São, via de regra, impostas por países produtores de bens primários, para estimular o processamento doméstico desses bens e incentivar exportações de produtos beneficiados ou industrializados, com maior valor agregado;

c) de importação: são destinados à tarifação das mercadorias adquiridas para o consumo interno, assim que entram no território nacional.

Além das barreiras tarifária, faz-se necessário destacar que os Estados, diante de uma conduta que se traduza em infração ao comércio exterior, a saber dumping ou subsídios acionáveis, podem valer-se dos instrumentos de defesa comercial, nos termos da Lei nº 9.019, de 1995.

2.2.2. Barreiras não tarifárias

Os Estados podem valer-se, ainda, de barreiras não tarifárias, com o fito de restringir a participação estrangeira em seus respectivos mercados internos, bem como o comércio recíproco, traduzindo, via de regra, em entraves procedimentais oriundos do acirramento dos trâmites burocráticos.

Denominam-se barreiras não-tarifárias aquelas que não se referem ao pagamento de exações, de cunho pecuniário, sobre a importação, exportação ou o trânsito, de bens, serviços ou mercadorias.

Tais encargos não-tarifários, contudo, aumentam o custo da entrada, saída e circulação, podendo ter um impacto no comércio. A OMC permite a aplicação de encargos internos às importações, mas esses encargos não devem ser de forma a proporcionar proteção à produção doméstica. Isso implica que os encargos internos sobre produtos importados não devem superar os encargos aplicados aos produtos domésticos.

Estas barreiras podem decorrer da necessidade de atendimento a requisitos técnicos, como aqueles estabelecidos num regulamento específico de vigilância sanitária, por exemplo, ou a requisitos administrativos, como é o caso de limitação da exportação por cotas pré-fixadas. Podem ser, conforme se apresentem as regras burocráticas de cada Nação:

a) proibição pura e simples das importações;

b) imposição de limite de cotas para as importações;

c) emperrar o trâmite para importações impondo expedição de licença prévia para tanto;

d) imposição de tributos com alíquotas variáveis e gravames suplementares às importações;

e) estipulação de normas de vigilância sanitária, no que se refere à controle de qualidade e regulamentações. São, basicamente, normas de proteção à saúde e à vida humana, animal ou vegetal. Podem ser utilizadas como instrumento protecionista contra importações, sobretudo no setor agrícola;

f) estipulação de normas para forma de embalagem e marca de origem;

g) adoção de procedimentos arbitrários para classificação aduaneira; e

h) obrigatoriedade de informação sobre o processo de produção e beneficiamento;

2.3. Etapas da Integração Econômica

A integração se procedimentaliza de forma gradual, mediante o atendimento dos seguintes estágios, de acordo com o regramento do GATT:

2.3.1 Zona de Tarifas Preferenciais

Ocorre quando os Estados acordam, entre si, a redução parcial de algumas exações alfandegárias. É a etapa mais incipiente de integração econômica, consistindo na adoção recíproca, entre dois ou mais países, de níveis tarifários preferenciais[2]. Ou seja, as tarifas incidentes sobre o comércio entre os países membros do grupo são inferiores às tarifas cobradas de países não-membros.

Por sua vez, denomina-se margem de preferência à diferença entre as tarifas acordadas e aquelas aplicadas ao comércio com terceiros mercados. Arranjos dessa natureza constituem, em geral, etapas preliminares na negociação de Zonas de Livre Comércio. Exemplos significativos de Zonas de Preferências Tarifárias são muitos dos acordos celebrados no marco da Associação Latino Americana de Integração.

2.3.2 Zona de Livre Comércio

Ocorre com a eliminação total dos gravames alfandegários que incidem no comércio entre os Estados acordantes, não se dando, necessariamente, para todos os produtos comercializados, uma vez que determinados segmentos de mercado podem ficar protegidos nas listas de exceções. É a segunda etapa (ou modelo) de integração econômica que consiste na eliminação de todas as barreiras tarifárias e não-tarifárias que incidem sobre o comércio dos países do grupo.

De acordo com a normatização estabelecida pelo General Agreement on Tariffs and Trade – GATT, acordo multilateral sobre comércio internacional que vem sendo negociado em reuniões contínuas desde 1947, e que originou a Organização Mundial de Comércio, um pacto multilateral é considerado Zona de Livre Comércio quando engloba, no mínimo, 80% dos bens comercializados entre os membros do grupo. Como esta etapa pressupõe a isenção de tarifas aos bens comercializados entre os sócios, torna-se imperativo determinar até que ponto determinado produto é originário de um país membro ou foi importado de um terceiro mercado e está sendo reexportado para dentro da Zona.

A determinação da nacionalidade de um bem ou produto dá-se através do Regime de Origem, instrumento essencial e imprescindível em qualquer acordo de livre comércio. O mais bem sucedido, atualmente, de uma Zona de Livre Comércio em pleno funcionamento é o NAFTA (Acordo de Livre Comércio da América do Norte), firmado em 1994 entre os Estados Unidos, o Canadá e o México.

2.3.3 União aduaneira

Ocorre com a anulação das exações alfandegárias, bem como com a unificação da estrutura tributária, geralmente com a estipulação de alíquota zero para todos os produtos do comércio entre os Estados participantes. Outrossim, com a padronização da política tarifária evita-se a participação de terceiros e, desta forma, os desvios de comércio.

Corresponde, amiúde, a uma etapa ou modelo de integração econômica no qual os países membros de uma Zona de Livre Comércio adotam uma mesma tarifa às importações provenientes de mercados externos, unificando sua política aduaneira. Tal tarifação é denominada de Tarifa Externa Comum – TEC. A implementação da TEC redunda na criação de uma zona aduaneira comum entre os signatários de uma União Aduaneira, situação que torna imprescindível o estabelecimento de disciplinas comuns em matéria alfandegária e, em última ratio, a unificação de políticas comerciais. Muitos são hoje os exemplos de União Aduaneira. A SACU – Southern African Customs Union, pacto multilateral que reúne vários países da África austral em torno da República Sul Africana, é o único exemplo de União Aduaneira no continente africano.

2.3.4 Mercado comum

Ocorre quando, além da união aduaneira, há livre circulação e mobilidade dos fatores de produção (mão-de-obra, capital, capacidade empresarial, tecnologia, etc) entre os Estados participantes. Observe-se que, a maior diferença entre o Mercado Comum e a União Aduaneira é que esta última regula apenas a livre circulação de mercadorias, enquanto o Mercado Comum prevê também a livre circulação dos demais fatores produtivos.

A expressão “fatores produtivos” ou “fatores de produção” compreende dois grandes elementos: capital e trabalho. Da liberalização desses fatores decorre, por um lado, a livre circulação de pessoas (trabalhadores ou empresas) e, por outro, a livre circulação de capitais (investimentos, remessas de lucro, etc.).

Do ponto de vista do fator de produção mão de obra, a livre circulação implica na extinção de todas as barreiras fundadas na nacionalidade, adotando-se uma postura xenofilística, mas também na implementação de uma verdadeira condição de isonomia de direitos e obrigações em relação aos nacionais de um país. No que se refere ao capital, a condição de Mercado Comum pressupõe a implementação de critérios regionalizados que evitem restrições ou condicionamentos nos movimentos de capital em função de critérios de nacionalidade, de caráter xenofóbico.

Destarte, o capital de empresas oriundas de outros países do Mercado Comum não poderá ser tratado como “estrangeiro”, em caráter xenofóbico, no momento de sua entrada (investimento) ou saída (remessa de lucros ou dividendos). Além disso, o Mercado Comum pressupõe a coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais (definição de metas comuns em matéria de juros, fiscal, cambial, por exemplo).

2.3.5 União econômica ou monetária

Neste estágio busca-se a unificação das políticas monetária, fiscal e cambial, com a criação de moeda única e de um Banco Central independente. Constitui a etapa ou modelo mais avançado e complexo de um processo de integração. Em primeiro lugar, agrega-se à adoção de uma moeda única, bem como à unificação política em matéria monetária, a ser conduzida por um Banco Central comunitário.

A grande diferença em relação ao Mercado Comum está, além da moeda única, na existência de uma política macroeconômica, não mais meramente coordenada pelos signatários, mas com feições comunitárias. O único exemplo que podemos citar, atualmente, de uma União Econômica e Monetária, ainda em processo de construção, ressalte-se, é a União Européia. Com a assinatura, em 1992, do Tratado de Maastricht, são definidos os pré-requisitos para a entrada dos países-membros da Comunidade Econômica Européia na nova União Econômica: déficit público máximo de 3% do PIB; inflação baixa e controlada; dívida pública de, no máximo, 60% do PIB; moeda estável, dentro da banda de flutuação do Mecanismo Europeu de Câmbio, e; taxa de juros de longo prazo controlada.

Em janeiro de 1999 foi lançado o euro, moeda única reconhecida e adotada de imediato por 11 dos 15 países signatários e membros da bloco europeu. A moeda, tão-somente, foi usada em transações bancárias até 2002, fazendo às vezes de um indexador. A partir deste ano, passou a circular nos países que a adotaram, substituindo as moedas locais para fins de transações correntes e comerciais, como compras e pagamentos. Foi concebido, igualmente, um Banco Central Europeu, que está sediado na Alemanha.

2.4. O Acordo Geral de Tarifas e Comércio

Após o segundo grande conflito mundial, mister se fez a necessidade de se buscar mecanismos pacíficos e diplomáticos de solução de controvérsias entre os Estados. Assim, diversas Nações Soberanas resolveram normatizar suas relações econômicas internacionais, mormente suas trocas comerciais, não só com visando a melhoria em suas respectivas Ordens Sociais, com o fito de aumentar os índices de qualidade de vida de seus cidadãos, observando-se a experiência histórica de que os impasses sócio-econômicos levavam os governos, não raro, a estados de beligerância.

Com o fito de impulsionar a liberalização comercial, restringindo práticas protecionistas adotadas desde meados de 1930, vinte e três países, posteriormente denominados fundadores, iniciaram negociações de cunho tarifário, no ano de 1946, iniciando, assim, o processo de desagravação e aproximação econômica. Essa primeira rodada de negociações, que resultou na produção de um conjunto normativo de acordos multilaterais, estabelecidos pelos respectivos signatários, versando sobre concessões tarifárias recíprocas, passou a ser denominado Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio – GATT.

Outrossim, para regular aspectos financeiros e monetários, mormente para se garantir a fixidez e unidade cambial nas trocas de internacionais, foram criados o BIRD e o FMI, e no âmbito comercial, foi discutida a criação da Organização Internacional do Comércio – OIC, concebida para atuar como uma agência das Nações Unidas, especializada em matéria de comércio internacional.

Os membros fundadores, juntamente com outros países, formaram um grupo de trabalho que minutou o projeto de criação da OIC, sendo os Estados Unidos, por suas próprias tradições liberais, um dos países mais atuantes no convencimento do ideário do liberalismo comercial regulamentado em bases concessivas multilaterais.

O foro de discussões e debates, que se iniciou em novembro de 1947, estendendo-se a março de 1948, ocorreu na capital de Cuba, resultando na assinatura da Carta de Havana, na qual constava, como produto final, a criação da Organização Internacional do Comércio. A minuta de concepção da OIC apresentava-se, à época, audacioso, uma vez que, além de estabelecer disciplinas para o comércio de bens, continha normas sobre emprego, práticas comerciais restritivas, investimentos estrangeiros, bem como circulação de serviços e mão de obra.

Todavia, em que pese a importância e influência dos Estados Unidos na liderança destas negociações, diversas questões políticas internas levaram o país a estagnar e, ao fim, alterar seu posicionamento de apoio inicial para criação da OIC. Destarte, em 1950, os Estados Unidos da América, em pronunciamento oficial, anunciaram sua desistência em encaminhar o projeto de criação da OIC, ao Congresso, para a devida ratificação. Assim, sem a participação e apoio econômico dos EUA, a criação da Organização Internacional do Comércio, como organismo permanente de normatização e regulação do comércio exterior caiu no esquecimento, sendo descartada.

Em face dos fatos susomencionados, o GATT, que foi um acordo originariamente criado para regular, em caráter provisório, tão-somente, as relações econômicas internacionais, foi o instrumento que, de fato, disciplinou por mais de quarenta anos as relações comerciais entre as Nações Soberanas.

Destarte, o Acordo Geral de Tarifas e Comércio, concebido em 1948 com a finalidade de expandir o comércio internacional, reduzindo os direitos alfandegários, através de contingenciamentos, de acordos preferenciais e de barreiras não-pecuniárias, foi a base normativa para toda a experiência, então incipiente, de trocas comerciais no âmbito internacional.

2.4.1 Princípios

O Acordo Geral de Tarifas e Comércio baseia-se nos princípios a seguir listados, que configuram a base das trocas comerciais entre as Nações:

2.4.1.1 Cláusula Nação mais favorecida

Estabelece que todo e qualquer favorecimento alfandegário oferecido a uma nação deve ser extensível às demais. Em outras palavras, no comércio mundial não deve haver discriminação. Todas as partes contratantes têm que conceder a todas as demais partes o tratamento que concedem a um país em especial. Portanto, nenhum país pode conceder a outro vantagens comerciais especiais, nem discriminar um país em especial.

2.4.1.2 Cláusula de habilitação

Estabelece exceção ao princípio acima, para que os benefícios alfandegários outorgados aos países periféricos, subdesenvolvidos ou em fase de desenvolvimento, não seja indevidamente dado às Nações mais prósperas.

Outrossim, a cláusula de habilitação foi negociada, na Rodada Tóquio, que é a base jurídica do Sistema Geral de Preferências, outorgado pelos países desenvolvidos aos demais países.

2.4.1.3 Condições especiais para os países em desenvolvimento

Grande parte dos países signatários do GATT é formada de países em desenvolvimento. Por este motivo, foi anexada uma seção prevendo que os países desenvolvidos deviam prestar assistência aos países em desenvolvimento e aos menos desenvolvidos. Estes deveriam contar com condições mais favoráveis de acesso a mercados, além de não se exigir reciprocidade nas negociações.

2.4.1.4 Tratamento nacional

Os bens importados devem receber o mesmo tratamento concedido a produto equivalente de origem nacional.

Assim, coíbe-se no âmbito do GATT que os países estabelecem tratamento privilegiado e protecionista não transparente para sua indústria nacional, em detrimento dos concorrentes estrangeiros, resguardado o direito de se estabelecer regime especial e temporário de salvaguardas.

2.4.1.5 Proteção transparente

Trata-se de permissão a regime de proteção por meio de tarifa. Isto é, o Acordo não proíbe a proteção a setores econômicos nacionais.

Entretanto, tal protecionismo deve ser efetuado essencialmente por meio de tarifa, tida como uma forma transparente de divulgação do grau de proteção que determinado país dispensa a seus produtos e, também, é considerado como o que provoca o menor grau de distorção ao comércio internacional.

2.4.1.6 Base estável para o comércio

Dentre os princípios do GATT, este possui importância impar. As relações comerciais entre os países necessitam de uma base estável para o comércio e a melhor forma encontrada, no momento, para ratificar esta estabilidade, é efetivada por meio da consolidação das tarifas de importação que cada país poderá praticar, conforme o seu compromisso nas negociações.

As tarifas máximas que cada nação poderá aplicar a determinados produtos são consolidadas e figuram em listas por país e são partes integrantes do Acordo Geral.

2.4.1.7 Concorrência leal

Grande parte das atividades desenvolvidas e dos esforços empreendidos pelos signatários do GATT objetivam coibir práticas de dumping e subsídios injustificáveis. A premissa é de que, tão importante quanto um comércio aberto é a concorrência leal, que não permite tais práticas.

2.4.1.8 Proibição das restrições quantitativas à importação

As restrições quantitativas já foram muito utilizadas anteriormente, tendo valia impar como medida de caráter protecionista. Atualmente, observa-se uma certa redução na prática pelos países desenvolvidos, porém ainda existem resquícios de sua utilização, principalmente para produtos agropecuários.

Outrossim, dada às notórias dificuldades no Balanço de Pagamentos para Países em Desenvolvimento, a estes é facultada a utilização de medidas restritivas para impedir perda excessiva de divisas decorrente de importações. Essas medidas, contudo devem ser aplicadas sem discriminação.

2.4.1.9 Adoção de medidas urgentes

Permite a adoção de medidas em caso de surto de importação que cause ou ameace causar prejuízo grave aos produtos nacionais. Tais medidas materializam-se, atualmente, na adoção de mecanismos de proteção comercial, tais como, a salvaguarda.

Assim, os países podem pedir isenção de algum compromisso ou obrigação decorrentes do Acordo Geral. Ressalte-se que, a política agrícola norte-americana é, atualmente, fruto deste mecanismo.

2.4.1.10 Reconhecimento de acordos regionais

Partindo-se da premissa que a integração das economias de uma determinada região pode trazer benefícios ao comércio mundial, permite-se que Estados soberanos acordem entre si a redução das barreiras tarifárias. Esta é a base do processo de integração econômica.

O Acordo prevê a isenção do cumprimento da cláusula de nação mais favorecida, desde que determinadas condições sejam preenchidas, a saber: não utilização da integração para impor barreiras ao restante das partes contratantes; eliminação dos obstáculos relativos a parcela representativa do comércio da região; e tarifas e outras regras não podem ser mais restritivas que antes do processo de integração.

É de se ressaltar que este princípio define as etapas de Zona de Tarifas Preferenciais (concessão de alguns benefícios comerciais mútuos, tão-somente, entre os signatários), Zona de Livre Comércio (grupo de dois ou mais países entre os quais se eliminem os direitos aduaneiros e os demais regulamentos comerciais restritivos, para parcela representativa do intercâmbio comercial dos produtos originários da região), União Aduaneira (a substituição por um só território aduaneiro formado pelos países integrantes, de modo que os direitos aduaneiros e demais regulamentos comerciais restritivos sejam eliminados, e que cada um dos Membros aplique ao comércio com os demais países idênticas tarifas e regulamentos comerciais), Mercado Comum (criação de zona comercial na qual é livre a circulação dos fatores de produção, bens, produtos, serviços e mão-de-obra) e União Monetária (zona comercial onde há unificação das políticas aduaneiras, tributárias e monetárias).

2.4.1.11 Cláusula de evolução

Determina a gradual supressão de determinados benefícios, na medida em que os países subdesenvolvidos ou em fase de desenvolvimento vão aquecendo e evoluindo suas economias.

2.4.2 Rodadas de Negociação

Durante a vigência do GATT, foram realizadas oito reuniões, denominadas de rodadas, conforme a seguir listado, com os seguintes temas:

  1. Genebra, em 1947, tarifas;
  2. Annecy, em 1949, tarifas;
  3. Torquay, em 1950-1951, tarifas;
  4. Genebra, em 1955-1956, tarifas;
  5. Genebra, em 1960-1961 (Rodada Dillon), tarifas ;
  6. Genebra, em 1964-1967 (Rodada Kennedy), tarifas e antidumping;
  7. Genebra, em 1973-1979 (Rodada Tóquio), tarifas, medidas não tarifárias,acordos; e
  8. Genebra, em 1986-1993 (Rodada Uruguai), tarifas, novo marco jurídico, OMC.

Nas primeiras cinco reuniões, buscou-se, em caráter quase que exclusivo, iniciar e procedimentalizar o processo de reduções e desagravos tarifários. Todavia, ante à recenticidade do processo de aproximação econômica, os progressos, no que se refere à redução tarifária, não foram muito expressivos.

Na Rodada Dillon, os Estados europeus apresentaram, como proposta, o método de redução linear das tarifas, o qual somente passou a ser implementado na Rodada Kennedy. Por sua vez, a Rodada Kennedy marcou a primeira participação da Comunidade Européia, na qualidade de bloco econômico. Destarte, esta rodada foi marcada pelo equilíbrio entre os signatários, no que se refere ao poder de negociação. Ressalte-se que o alcance deste equilíbrio negocial, aliado à adoção da redução linear de tarifas, proporcionaram uma redução de 35% na tarifa média dos produtos industrializados dos ditos Estados desenvolvidos.

Oficialmente lançada em Punta del Este, no ano 1986, a Rodada Uruguai trouxe à baila o surgimento de novos modelos na agenda de negociações, por meio da incorporação do fator negocial político às tradicionais negociações de produtos. Frise-se que as negociações do NAFTA e do MERCOSUL foram fortemente influenciadas por estes novos paradigmas, permeados por interesses políticos, tomando maior força nas fóruns de discussão sobre a constituição da ALCA. Assim, o ponto busílis das negociações de comércio em caráter multilateral foi transferido da mera redução das barreiras ao comércio de mercadorias para a negociação de regras e disciplinas aplicáveis a matérias tão variadas quanto os direitos de propriedade intelectual, o comércio de bens e serviços, os investimentos internacionais, bem como as políticas industriais nacionais.

Os Estados signatários e participantes do comércio internacional concluíram que, diante desta nova configuração internacional, os mecanismos instituídos pelo GATT, na administração do comércio mundial tornaram-se obsoletos, mormente por contar, tão-somente, com mera estruturação provisória, fazendo-se mister a constituição de um ente permanente e com estrutura organizacional própria para realização de tarefa de tamanha magnitude. Assim, as discussões e negociações realizadas no trâmite da Rodada Uruguai resultaram na elaboração de um organismo de comércio internacional permanente, bem como em um novo conjunto de regras e instrumentos, adequados e aptos ao novo cenário internacional, culminando na criação da Organização Mundial do Comércio.

É de se ressaltar que, pelas diferenças sócio-econômicas dos diversos países membros, o GATT passou por diversas etapas de adaptação, evoluindo de acordo com as necessidades e com as questões surgidas nas primeiras décadas de regulação do comércio exterior, observando-se que própria a ONU modificou o tratamento a ser dispensado aos países de economia mais frágil.

2.5. Organização Mundial do Comércio

É um fórum permanente de negociação, de concessões comerciais, de solução para controvérsias sobre comércio desleal e combate a medidas arbitrárias, criado pelo Acordo de Marrakech de 1994, sendo conhecido, outrossim, pela sigla GATT/94, ou pela sua denominação em inglês World Trade Organization – WTO. A Organização Mundial do Comércio – OMC – trata-se, assim, de organização internacional que negocia e normatiza regras sobre o comércio entre as nações. Seus membros transacionam e celebram acordos que são internalizados pelo poderes constituídos de seus signatários, passando, assim, a regular o comércio internacional. Atualmente, conta com cento e cinquenta e três Estados membros, tendo sede em Genebra, Suíça.

ACORDO CONSTITUTIVO DA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE COMÉRCIO

As Partes do presente Acordo,

Reconhecendo que as suas relações na esfera da atividade comercial e econômica devem objetivar a elevação dos níveis de vida, o pleno emprego e um volume considerável e em constante elevação de receitas reais e demanda efetiva, o aumento da produção e do comércio de bens e de Serviços, permitindo ao mesmo tempo a utilização ótima dos recursos mundiais em conformidade com o objetivo de um desenvolvimento sustentável e buscando proteger e preservar o meio ambiente e incrementar os meios para fazê-lo, de maneira compatível com suas respectivas necessidades e interesses segundo os diferentes níveis de desenvolvimento econômico,

Reconhecendo ademais que é necessário realizar esforços positivos para que os países em desenvolvimento, especialmente os de menor desenvolvimento relativo, obtenham uma parte do incremento do comércio internacional que corresponda às necessidades de seu desenvolvimento econômico,

Desejosas de contribuir para a consecução desses objetivos mediante a celebração de acordos destinados a obter, na base da reciprocidade e de vantagens mútuas, a redução substancial das tarifas aduaneiras e dos demais obstáculos ao comercio assim como a eliminação do tratamento discriminatório nas relações comerciais internacionais,

Resolvidas, por conseguinte, a desenvolver um sistema multilateral de comércio integrado, mais viável e duradouro que compreenda o Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio, os resultados de esforços anteriores de liberalização do comércio e os resultados integrais das Negociações Comerciais Multilaterais da Rodada Uruguai.

Decididas a preservar os princípios fundamentais e a favorecer a consecução dos objetivos que informam este sistema multilateral de comércio,

Acordam o seguinte:

Artigo I

Estabelecimento da Organização

Constitui-se pelo presente Acordo a Organização Mundial de Comércio (a seguir denominada “OMC”).

Tem gênese no ano de 1994, sendo criada durante a Conferência de Marrakech, ao termo das complexas negociações da Rodada Uruguai. Sua criação veio consubstanciar o modelo de engenharia geopolítico-econômico, cujo modelo embrionário da nova ordem internacional que começara e ser arquitetado no fim da Segunda Guerra Mundial, com a criação do FMI, do Banco Mundial e das Nações Unidas, todas instituições originárias dos Acorde de Bretton Woods.

Assim, a OMC é fruto da evolução e do aperfeiçoamento do sistema de comércio exterior, inaugurado pelo Acordo Geral de Tarifas e Comércio, conjuntamente com as instituições multilaterais dedicadas à cooperação econômica internacional, acima mencionadas. Isto porque, conforme já visto, o fracasso das negociações em torno da Carta de Havana, que ambicionava a constituição da Organização Internacional do Comercio, mormente em virtude da falta de apoio do Legislativo norte-americano, levou a adoção das rodadas de negociação do GATT como fonte de abertura para o comércio mundial. Destarte, na ausência de uma real organização internacional para o comércio, o GATT supriu essa demanda, como uma instituição provisória, sendo o único instrumento multilateral a tratar do comércio internacional de 1948 até o estabelecimento em 1995 da OMC.

Após uma série de negociações frustradas, na Rodada do Uruguai foi criada a OMC, de caráter permanente, substituindo o GATT. Em 1994, à época em que foi firmado o Acordo Constitutivo da OMC, nem todos os países tinham interesse em se filiar à OMC, uma vez que a adesão exigia a aceitação de todos os Acordos negociados durante a Rodada Uruguai (à exceção dos acordos multilaterais).

Contudo, no decorrer do tempo e com o constante exercício de suas atividades, no qual a OMC passou a desempenhar um importante papel na regulação do comércio mundial e na solução pacífica e diplomática de controvérsias entre os países – membros, alguns destes países solicitaram o início do processo de adesão, visando participar do enorme mercado global criado a partir da OMC.

O governo brasileiro por meio do Decreto nº 1.355, de 30 de dezembro de 1994, promulgou a ata final que incorpora os resultados da Rodada Uruguai de Negociações Comerciais Multilaterais (Acordo de Marrakech/1994).

Outrossim, realizou-se em Doha, Qatar, no período de 9 a 14 de novembro de 2001, a IV Conferência Ministerial da OMC, onde os Ministros responsáveis pelo Comércio, depois de 6 dias de intensas negociações, acordaram o lançamento de uma nova rodada de negociações multilaterais.

Tais negociações realizar-se-ão seguindo o princípio do compromisso único (single undertaking), devendo, ainda, observar o princípio de tratamento especial e diferenciado para países em desenvolvimento e países menos desenvolvidos, incorporados na Parte IV do GATT 1994, na Decisão de 28 de Novembro de 1979 sobre Tratamento Mais Favorável e Diferenciado, Reciprocidade e Plena Participação de Países em Desenvolvimento, na Decisão da Rodada Uruguai sobre Medidas em Favor de Países Menos Desenvolvidos e em outras disposições relevantes da OMC.

2.5.1. Processo de adesão

Para integrar a OMC e participar do comércio internacional, o país solicitante necessita, primeiramente, adequar seu ordenamento jurídico interno aos diversos acordos pactuados no âmbito do referido foro. Ato continuo, vem a fase das concessões tarifárias, em que cada signatário da OMC elabora lista de solicitação de redução tarifária para produtos de seu interesse exportador. Tais listas são encaminhadas ao país solicitante, que, após análise e estudo, concederá o desagravamento tarifário naqueles produtos que considere não prejudiciais à sua indústria doméstica e à estabilidade de sua economia.

Caso haja consenso, entre todos os signatários da OMC, de que a quantidade e o nível de concessões é satisfatório, o país solicitante ingressará como novo membro do organismo. Caso se chegue ao consenso, retornar-se-á às negociações. Ressalte-se que as decisões, no âmbito da OMC, devem ser tomadas sob o princípio do consenso, em outras palavras, a deliberação somente restará aprovada quando nenhum dos signatários envolvidos dela discordar.

No Brasil, sempre que um país solicita sua adesão à OMC, o Departamento de Negociações Internacionais – DEINT, como será melhor tratado adiante, publica aviso no Diário Oficial da União e envia comunicado às entidades de classe, para que estas manifestem seus interesses, após o que o DEINT consolida a lista que será negociada com o país solicitante.

2.5.2. Estrutura organizacional

A Organização Mundial do Comércio realiza Conferências Ministeriais a cada dois anos. Existe um Conselho Geral que implementa as decisões alcançadas na Conferência e é responsável pela administração diária. A Conferência Ministerial escolhe um diretor geral com o mandato de quatro anos.

Assim, encontra-se estruturado em três órgãos principais, nos termos do arts. 4º e 6º da Rodada do Uruguai, abaixo transcritos:

Artigo IV

Estrutura da OMC

1. Estabelecer-se-á uma Conferência Ministerial composta por representantes de todos os Membros que se reunirá ao menos uma vez cada dois anos. A Conferência Ministerial desempenhará as funções da OMC e adotará as disposições necessárias para tais fins. A Conferência Ministerial terá a faculdade de adotar decisões sobre todos os assuntos compreendidos no âmbito de qualquer dos Acordos Comerciais Multilaterais caso assim o solicite um membro em conformidade com o estipulado especificamente em matéria de adoção de decisões no presente Acordo e no Acordo comercial multilateral relevante.

2. Estabelecer-se-á um Conselho Geral composto por representantes de todos os Membros que se reunirá quando cabível. Nos intervalos entre reuniões da Conferência Ministerial o Conselho Geral desempenhará as funções da Conferência. O Conselho Geral cumprirá igualmente as funções que se lhe atribuam no presente Acordo. O Conselho Geral estabelecerá suas regras de procedimento e aprovará as dos Comitês previstos no parágrafo 7.

a) Conferência de Ministros: composto de representantes de todos os Estados signatários da OMC, sendo órgão de caráter deliberativo, dotado de função análoga à legislativa;

b) Conselho Geral: é o órgão de resolução de disputas e mecanismos de revisão de política comercial, dotado de função análoga à executiva e judiciária; e

Artigo VI

A Secretaria

1. Fica estabelecida uma secretaria da OMC (doravante denominada Secretaria), chefiada por um Diretor-Geral.

2. A Conferência Ministerial indicará o Diretor-Geral e adotará os regulamentos que estabeleçam seus poderes, deveres, condições de trabalho e mandato.

3. O Diretor-Geral indicará os intrigantes do pessoal da Secretaria e definirá seus deveres e condições de trabalho de acordo com os regulamentos adotados pela Conferência Ministerial.

4. As competências do Diretor-Geral e do pessoal da Secretaria terão natureza exclusivamente Internacional. No desempenho de suas funções, o Diretor-Geral e o pessoal da Secretaria não buscarão nem aceitarão instruções de qualquer governo ou de qualquer outra autoridade Externa à OMC. Além disco eles se absterão de toda ação que possa afetar negativamente sua condição de funcionários Internacionais. Os Membros da OMC respeitarão a natureza internacional das funções do Diretor-Geral e do pessoal da Secretaria e não buscarão influenciá-los no desempenho dessas funções.

c) Secretariado: dirigido por um diretor geral, nomeado pela Conferência de Ministros, dotado de função análoga à executiva.

2.5.3. Funções

Pode-se ementar as principais atribuições da Organização Mundial do Comércio, nas três funções abaixo seguidas:

a) gerenciar os acordos que compõem o sistema multilateral de comércio;

b) servir de fórum para comércio internacional (firmar acordos internacionais);

c) supervisionar a adoção dos acordos e implementação destes acordos pelos membros da organização(verificar as políticas comerciais nacionais).

Nessa linha, mister se faz uma breve leitura no art. 3º da Rodada do Uruguai:

Artigo III

Funções da OMC

1. A OMC facilitará a aplicação administração e funcionamento do presente Acordo e dos Acordos Comerciais Multilaterais e promoverá a consecução de seus objetivos e constituirá também o quadro jurídico para a aplicação, administração e funcionamento dos Acordos Comerciais Plurilaterais.

2. A OMC será o foro para as negociações entre seus Membros acerca de suas relações comerciais multilaterais em assuntos tratados no quadro dos acordos incluídos nos Anexos ao presente Acordo. A OMC poderá também servir de foro para ulteriores negociações entre seus Membros acerca de suas relações comercias multilaterais e de quadro jurídico para a aplicação dos resultados dessas negociações segundo decida a Conferência Ministerial.

3. A OMC administrará o entendimento relativo às normas e procedimentos que regem a solução de controvérsias (denominado a seguir ‘Entendimento sobre Solução de controvérsias’ ou ‘ESC’) que figura no Anexo 2 do presente Acordo.

4. A OMC administrará o mecanismo de Exame das Políticas comerciais (denominado a seguir ‘TPRM’) estabelecido no anexo 3 do presente Acordo.

5. Com o objetivo de alcançar uma maior coerência na formulação das políticas econômicas em escala mundial, a OMC cooperará no que couber com o Fundo Monetário Internacional e com o Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento e com os órgãos a eles afiliados.

Outra atribuição de extrema relevância e alta visibilidade que a OMC exerce é o Sistema de Solução de Controvérsias, destacando-a, no atual cenário internacional, de outras instituições. Este mecanismo foi criado para solucionar os conflitos gerados pela aplicação dos acordos sobre o comércio internacional entre os membros da OMC, devendo ser estudado em tópico a parte.

2.5.4. Sistema de Solução de Controvérsias

O sistema de solução de controvérsias foi concebido durante as negociações da Rodada do Uruguai, sendo usualmente destacado como uma contribuição impar para a estabilidade econômica global. Tais negociações resultaram, em 1994, na elaboração do Entendimento sobre Solução de Controvérsias – ESC (Dispute Settlement Understanding – DSU), constante no Anexo 2 do Tratado de Marrakesh.

ANEXO 2

ENTENDIMENTO RELATIVO ÀS NORMAS E PROCEDIMENTOS SOBRE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS

Os Membros pelo presente acordam o seguinte:

Artigo 1

Âmbito e Aplicação

1. As regras e procedimentos do presente Entendimento se aplicam às controvérsias pleiteadas conforme as disposições sobre consultas e solução de controvérsias dos acordos enumerados no Apêndice 1 do presente Entendimento (denominados no presente Entendimento “acordos abrangidos”). As regras e procedimentos deste Entendimento se aplicam igualmente às consultas e solução de controvérsias entre Membros relativas a seus direitos ou obrigações ao amparo do Acordo Constitutivo da Organização Mundial de Comércio (denominada no presente Entendimento “Acordo Constitutivo da OMC”) e do presente Entendimento, considerados isoladamente ou em conjunto com quaisquer dos outros acordos abrangidos.

2. As regras e procedimentos do presente Entendimento se aplicam sem prejuízo das regras e procedimentos especiais ou adicionais sobre solução de controvérsias contidos nos acordos abrangidos, conforme identificadas no Apêndice 2 do presente Entendimento. Havendo discrepância entre as regras e procedimentos do presente Entendimento e as regras e procedimentos especiais ou adicionais constantes do Apêndice 2, prevalecerão as regras e procedimentos especiais ou adicionais constantes do Apêndice 2. Nas controvérsias relativas a normas e procedimentos de mais de um acordo abrangido, caso haja conflito entre as regras e procedimentos especiais ou adicionais dos acordos em questão, e se as partes em controvérsia não chegarem a acordo sobre as normas e procedimentos dentro dos 20 dias seguintes ao estabelecimento do grupo especial, o Presidente do Órgão de Solução de Controvérsias previstos no parágrafo 1 do Artigo 2 (denominado no presente Entendimento “OSC”), em consulta com as partes envolvidas na controvérsia, determinará, no prazo de 10 dias contados da solicitação de um dos Membros, as normas e os procedimentos a serem aplicados. O Presidente seguirá o princípio de que normas e procedimentos especiais ou adicionais devem ser aplicados quando possível, e de que normas e procedimentos definidos neste Entendimento devem ser aplicados na medida necessária para evitar conflito de normas.

O ESC introduziu um modelo mais claro, razoável e organizado de solução de controvérsias, representando grande avanço em face do antigo procedimento adotado pelo GATT. Seu objetivo central é o de promover a segurança e garantir previsibilidade no sistema multilateral de comércio. Observe-se, todavia, que as decisões proferidas não são vinculantes, cuja eficácia tem as seguintes características:

a) abrangência: todos os acordos celebrado no âmbito da OMC submetem-se ao mecanismo;

b) automaticidade: oriunda da regra do consenso negativo, válida para diversos procedimentos, tais como o estabelecimento dos Painéis, as decisões dos Órgãos de Apelação, dentre outros, servindo de garantia para que o mecanismo somente seja interrompido por acordo mútuo das partes em litígio;

c) exeqüibilidade: trata-se de adaptação do termo em inglês enforcement, traduzindo-se na possibilidade de requerer autorização de retaliação econômica, uma vez constatada eventual descumprimento de decisão do Órgão de Solução de Controvérsias, devidamente embasada em relatório do Painel ou do Corpo de Apelação.

As controvérsias, via de regra, têm origem quando um Estado adota eventual medida de política comercial ou conduta que um ou mais membros da Organização Mundial do Comércio reputem violadora dos acordos celebrados no âmbito da própria organização. Somente estão aptos a acionar o sistema de Solução de Controvérsias os Estados signatários da OMC, seja como parte ou, ainda, na qualidade de terceiro interessado. Assim, não há, a princípio, possibilidade de que agentes não governamentais sejam partes nas disputas. É de se ressaltar que o sistema adotado pelo ESC não objetiva estimular a litigiosidade entre as Nações envoltas no cenário de comércio internacional, sendo, portanto, incentivado a adoção de soluções mutuamente consentidas e livre negociadas pelas partes, observadas as regras firmadas nos acordos celebrados no âmbito da OMC.

Seguindo essa linha, existem outros instrumentos alternativos, cuja adoção é legitimada pela organização, para promover a devida resolução dos impasses entre os Estados signatários que não necessitam de recursos para o Painel, tampouco para o Corpo de Apelação. Tais instrumentos se traduzem nas seguintes prática: os bons serviços (good offices), a conciliação, a mediação, bem como a arbitragem, que podem ser requeridas a qualquer tempo do processo por algumas partes envoltas.

2.5.4.1 Órgão de Solução de Controvérsias

Acionar o Sistema de Solução de Controvérsias é uma operação complexa, envolvendo as partes e os terceiros interessados no caso, bem como diversas etapas procedimentais, tais como os Grupos Especiais do Órgão de Solução de Controvérsias, o Corpo de Apelação (Appellate Body) e o Secretariado da OMC, além de especialistas independentes, que são autoridade de comércio exterior que podem ser ouvidos.

O Órgão de Solução de Controvérsias – OSC – (Dispute Settlement Body) encontra-se diretamente vinculado ao Conselho Geral, sendo, como este, composto por todos os representantes da OMC. É o responsável por todo o processo de Solução de Controvérsias previsto no ESC tendo autoridade para estabelecer os Grupos Especiais, adotar seus relatórios, podendo, ainda, estabelecer o Corpo de Apelação (Appellate Body) e autorizar a suspensão de obrigações nos termos dos acordos previamente pactuados.

ANEXO 2

ENTENDIMENTO RELATIVO ÀS NORMAS E PROCEDIMENTOS SOBRE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS

(…)

Artigo 2

Administração

1. Pelo presente Entendimento estabelece-se o Órgão de Solução de Controvérsias para aplicar as presentes normas e procedimentos e as disposições em matéria de consultas e solução de controvérsias dos acordos abrangidos, salvo disposição em contrário de um desses acordos. Conseqüentemente, o OSC tem competência para estabelecer grupos especiais, acatar relatórios dos grupos especiais e do órgão de Apelação, supervisionar a aplicação das decisões e recomendações e autorizar a suspensão de concessões e de outras obrigações determinadas pelos acordos abrangidos. Com relação às controvérsias que surjam no âmbito de um acordo dentre os Acordos Comerciais Plurilaterais, entender-se-á que o termo “Membro” utilizado no presente Entendimento se refere apenas aos Membros integrantes do Acordo Comercial Plurilateral em questão. Quando o OSC aplicar as disposições sobre solução de controvérsias de um Acordo Comercial Plurilateral, somente poderão participar das decisões ou medidas adotadas pelo OSC aqueles Membros que sejam partes do Acordo em questão.

2. O OSC deverá informar os pertinentes Conselhos e Comitês da OMC do andamento das controvérsias relacionadas com disposições de seus respectivos acordos.

3. O OSC se reunirá com a freqüência necessária para o desempenho de suas funções dentro dos prazos estabelecidos pelo presente Entendimento.

4. Nos casos em que as normas e procedimentos do presente Entendimento estabeleçam que o OSC deve tomar uma decisão tal procedimento será por consenso[3].

Da leitura do art. 2º, acima transcrito, depreende-se que suas decisões baseiam-se no princípio do consenso. É de se ressaltar que, quando o OSC estabelece Painéis, aprova relatórios de algum destes ou do Corpo de Apelação, ou, ainda, autoriza retaliações econômicas, só não aprovará a eventual decisão caso haja um consenso negativo sobre a mesma. Em outras palavras, caso um membro deseje bloquear alguma decisão do OSC deverá convencer todos os outros membros da OMC, inclusive seu ex adverso no caso, para ter sucesso em sua empreitada.

2.5.4.2 Procedimentos

O procedimento de solução de controvérsias encontra-se estruturado nas seguintes fases:

a) consultas: trata-se da etapa exordial, que se inicia por iniciativa da parte demandante, estando previsto no art. 4º do Entendimento sobre Solução de Controvérsias. Para tanto, é imprescindível dar ciência ao ex adverso sobre a possibilidade de eventual disputa, devendo a parte demandada responder ao pedido em dez dias, abrindo-se para eventuais informações em até trinta dias. Nesta etapa, a discussão é restrita às partes e, na eventualidade de não haver possibilidade de acordo, é possível que a parte demandante pleiteie o estabelecimento de grupos especiais junto ao OSC para solução da controvérsia;

Artigo 4

Consultas

1. Os Membros afirmam sua determinação de fortalecer e aperfeiçoar a eficácia dos procedimentos de consulta utilizados pelos Membros.

2. Cada Membro se compromete a examinar com compreensão a argumentação apresentada por outro Membro e a conceder oportunidade adequada para consulta com relação a medidas adotadas dentro de seu território que afetem o funcionamento de qualquer acordo abrangido.

(…)

Artigo 5

Bons Ofícios, Conciliação e Mediação

1. Bons ofícios, conciliação e mediação são procedimentos adotados voluntariamente se as partes na controvérsia assim acordarem.

2. As diligências relativas aos bons ofícios, à conciliação e à mediação, e em especial as posições adotadas durante as mesmas pelas partes envolvidas nas controvérsias, deverão ser confidenciais e sem prejuízo dos direitos de quaisquer das partes em diligências posteriores baseadas nestes procedimentos.

b) grupos especiais: são constituídos nos termos dos arts. 6º e seguintes do ESC, operando de forma análoga a um tribunal, sendo considerada a primeira instância julgadora no âmbito da OSC. É usualmente composto por três ou, excepcionalmente, por cinco especialistas selecionados para a hipótese sub examine. Significa dizer que não há um grupo especial permanente sendo montados ad hoc. As partes deverão indicar os componentes, casuisticamente e de comum acordo, com base em nomes apresentados pelo Secretariado. A parte demandante, em querendo estabelecer um grupo especial, deve requerê-lo expressamente, sendo que, tão-somente, pelo consenso negativo de todos os membros do OSC poderá ser vetada sua constituição. Vale ressaltar, outrossim, que suas deliberações iniciais deverão ser confidenciais. Uma vez estabelecido, o grupo especial terá, após a definição de sua composição, prazo de seis meses para apresentar o relatório final. Durante o trâmite de seus trabalhos, deverá se reunir com as partes para fixar os prazos que serão adotados, inclusive para oitiva de terceiros interessados, bem como elaborar e entregar às partes relatório preliminar, depois da apreciação do requerimento exordial e de sua resposta. O relatório provisório deverá ser revisto pelo grupo especial, a fim de que seja lavrado o relatório final, devendo ser traduzido para os dois idiomas oficiais da OMC, a saber, espanhol e inglês, e adotado pelo OSC, quando finalmente o público terá franqueado acesso ao seu teor;

Artigo 6

Estabelecimento de Grupos Especiais

1. Se a parte reclamante assim o solicitar, um grupo especial será estabelecido no mais tardar na reunião do OSC seguinte àquela em que a solicitação aparece pela primeira vez como item da agenda do OSC, a menos que nessa reunião o OSC decida por consenso não estabelecer o grupo especial[4].

2. Os pedidos de estabelecimento de grupo especial deverão ser formulados por escrito. Deverão indicar se foram realizadas consultas, identificar as medidas em controvérsia e fornecer uma breve exposição do embasamento legal da reclamação, suficiente para apresentar o problema com clareza. Caso a parte reclamante solicite o estabelecimento do grupo especial com termos de referência diferentes dos termos padrão, o pedido escrito deverá incluir sugestão de texto para os termos de referência especiais.

(…)

Artigo 10

Terceiros

1. Os interesses das partes em controvérsia e os dos demais Membros decorrentes do acordo abrangido ao qual se refira a controvérsia deverão ser integralmente levados em consideração no correr dos trabalhos dos grupos especiais.

2. Todo Membro que tenha interesse concreto em um assunto submetido a um grupo especial e que tenha notificado esse interesse ao OSC (denominado no presente Entendimento “terceiro”) terá oportunidade de ser ouvido pelo grupo especial e de apresentar-lhe comunicações escritas. Estas comunicações serão também fornecidas às partes em controvérsia e constarão do relatório do grupo especial.

3. Os terceiros receberão as comunicações das partes em controvérsia apresentadas ao grupo especial em sua primeira reunião.

4. Se um terceiro considerar que uma medida já tratada por um grupo especial anula ou prejudica benefícios a ele advindos de qualquer acordo abrangido, o referido Membro poderá recorrer aos procedimentos normais de solução de controvérsias definidos no presente Entendimento. Tal controvérsia deverá, onde possível, ser submetida ao grupo especial que tenha inicialmente tratado do assunto.

c) apelação: caso uma das partes envoltas no painel discorde do relatório final, poderá apelar ao Corpo ou Órgão de Apelação, o qual será estabelecido pelo Órgão de Solução de Controvérsias, funcionando como uma segunda instancia em face das decisões dos Grupos Especiais, nos termos do art. 17 e seguintes do ESC. Tal corpo será composto por sete membros, cuja escolha será feita por meio de um sistema de rotação estabelecido nos procedimentos do Corpo de Apelação. Seus membros são indicados pelo OSC, tendo mandato de quatro anos, com possibilidade uma única recondução por igual período. Por sua vez, as vagas serão preenchidas de acordo com a respectiva vacância. Caso a nomeação ocorra antes do término do mandato do predecessor, o sucessor deverá esperar o termo final para nomeação. Os membros escolhidos devem ser pessoas de notório conhecimento e possuir grande experiência em direito, comércio internacional e outras matérias abordadas pela organização. Outrossim, não poderão ter filiação oficial a qualquer governo, estando sempre disponíveis quando convocadas e ter ciência das atividades do Órgão de Solução de Controvérsias da OMC. O acesso ao Órgão de Apelação não é franqueado a terceiros interessados, sendo restrito somente àqueles envolvidos na disputa. É facultado aos terceiros, desde que notifiquem previamente o OSC do seu substancial interesse, a possibilidade de envio de submissões por escrito, podendo ser eventualmente ouvidas pelo Corpo de Apelação. Em geral todo o trâmite junto ao Órgão de Apelação deve ser concluído em até sessenta dias, contados da data em que é feita a notificação pela parte apelante. Caso não haja possibilidade de conclusão dos trabalhos nesse prazo, a instância recursal deverá solicitar, por escrito e fundamentadamente, prorrogação do prazo pelo tempo que se fizer necessário, não podendo ultrapassar noventa dias. A matéria da apelação deverá ser restrita a questões de direito trazidas pelo grupo especial em seu relatório final, bem como as possíveis interpretações que couberem, a fim de ser estabelecida a exegese que melhor se aplique in casu. Os procedimentos de trabalho, são confidencias e os relatórios produzidos pelo Corpo de Apelação são confeccionados sem a presença das parte envoltas, assim como todas as opiniões expressadas por indivíduos participantes dos trâmites também deverão ser confidenciais e anônimas. Garante-se ao Corpo de Apelação o poder de sustentar, alterar ou inverter as decisões proferidas pelo grupo especial em seu relatório final. A decisão do Corpo de Apelação deve ser referendada pelo OSC e aceita incondicionalmente pelas partes envoltas, a não ser que o OSC decida por consenso em não aceitar a decisão proferida pelo Corpo, em um prazo de 30 dias, a partir da data de circulação entre as partes da decisão proferida;

Artigo 17

Apelação

1. O OSC constituirá um órgão Permanente de Apelação, que receberá as apelações das decisões dos grupos especiais. Será composto por sete pessoas, três das quais atuarão em cada caso. Os integrantes do órgão de Apelação atuarão em alternância. Tal alternância deverá ser determinada pelos procedimentos do órgão de Apelação.

2. O OSC nomeará os integrantes do órgão de Apelação para períodos de quatro anos, e poderá renovar por uma vez o mandato de cada um dos integrantes. Contudo, os mandatos de três das sete pessoas nomeadas imediatamente após a entrada em vigor do Acordo Constitutivo da OMC, que serão escolhidas por sorteio, expirará ao final de dois anos. As vagas serão preenchidas à medida que forem sendo abertas. A pessoa nomeada para substituir outra cujo mandato não tenha expirado exercerá o cargo durante o período que reste até a conclusão do referido mandato.

d) implementação: após a decisão, aquele país que realizou a conduta reputada como violadora das boas práticas de comércio internacional, deverá imediatamente modificá-la e, caso continue a quebrar o acordo, deverá oferecer uma compensação ou sofrer uma retaliação. Prioriza-se, nessa etapa, a modificação na conduta daquele que perdeu a demanda, para que este se adapte às regras e às recomendações estipuladas. Tal atitude é essencial para garantir a efetiva resolução da disputa e o benefício de todos. Para tanto, a parte sucumbente deverá demonstrar suas intenções para o OSC, em 30 dias da data da adoção dos relatórios, apresentando as medidas que irá implementar. Se a obediência das determinações se provar impraticável, será concedido tempo razoável para apresentação de novas medidas. Caso reste frustrada essa nova tentativa, a parte sucumbente deverá entrar em negociação com o vencedor para a determinação conjunta de uma forma de compensação. Se, passados vinte dias, nenhuma medida considerada satisfatória for implementada, é facultado à parte vencedora solicitar ao OSC autorização para impor sanções comerciais em face do sucumbente. O OSC encontra-se vinculado a apresentação de resposta, em até trinta dias após a expiração do período tempo razoável concedido, salvo se houver consenso negativo contra tal ato. Em princípio, as sanções devem ser impostas ao mesmo setor da disputa, mas caso se revele impraticável ou ineficiente, as sanções podem ser impostas em setores diferentes do mesmo acordo, ou, ainda, sobre um acordo diferente. Objetiva-se minimizar as chances das ações serem tomadas sobre setores que, a princípio, não sejam relacionados com a querela comercial e, concomitantemente, permitir que a ação seja realmente efetiva.

Artigo 20

Calendário das Decisões do OSC

Salvo acordado diferentemente pelas partes em controvérsia, o período compreendido entre a data de estabelecimento do grupo especial pelo OSC e a data em que o OSC examinar a adoção do relatório do grupo especial ou do órgão de Apelação não deverá, como regra geral, exceder nove meses quando o relatório do grupo especial não sofrer apelação ou 12 meses quando houver apelação. Se o grupo especial ou o órgão de Apelação, com base no parágrafo 9 do Artigo 12 ou parágrafo 5 do Artigo 17, decidirem pela prorrogação do prazo de entrega de seus relatórios, o prazo adicional será acrescentado aos períodos acima mencionados.

Artigo 21

Supervisão da Aplicação das Recomendações e Decisões

1. O pronto cumprimento das recomendações e decisões do OSC é fundamental para assegurar a efetiva solução das controvérsias, em benefício de todos os Membros.

(…)

Artigo 22

Compensação e Suspensão de Concessões

1. A compensação e a suspensão de concessões ou de outras obrigações são medidas temporárias disponíveis no caso de as recomendações e decisões não serem implementadas dentro de prazo razoável. No entanto, nem a compensação nem a suspensão de concessões ou de outras obrigações é preferível à total implementação de uma recomendação com o objetivo de adaptar uma medida a um acordo abrangido. A compensação é voluntária e, se concedida, deverá ser compatível com os acordos abrangidos.

2. Se o Membro afetado não adaptar a um acordo abrangido a medida considerada incompatível ou não cumprir de outro modo as recomendações e decisões adotadas dentro do prazo razoável determinado conforme o parágrafo 3 do Artigo 21, tal Membro deverá, se assim for solicitado, e em período não superior à expiração do prazo razoável, entabular negociações com quaisquer das partes que hajam recorrido ao procedimento de solução de controvérsias, tendo em vista a fixação de compensações mutuamente satisfatórias. Se dentro dos 20 dias seguintes à data de expiração do prazo razoável não se houver acordado uma compensação satisfatória, quaisquer das partes que hajam recorrido ao procedimento de solução de controvérsias poderá solicitar autorização do OSC para suspender a aplicação de concessões ou de outras obrigações decorrentes dos acordos abrangidos ao Membro interessado.

3. Ao considerar quais concessões ou outras obrigações serão suspensas, a parte reclamante aplicará os seguintes princípios e procedimentos:

2.6. Aspectos conclusivos tópicos

De todo o esforço depreendido pelos organismos internacionais vinculados ao comércio exterior, denota-se uma constante preocupação em se assegurar a continuidade nas relações internacionais de trocas econômicas entre as Nações envoltas. Para tanto, pode-se dizer que apresentam as características a seguir listadas:

a) continuidade: procura assegurar a continuidade da operação comercial em trâmite, adequando-a às mudanças do mercado, evitando-se sua ruptura brusca e eventuais prejuízos daí decorrentes. Isto é, as normas de Direito Internacional, em sua vertente econômica, em que pese os fatores imprevistos que possam aparecer no curso das relações comerciais entre os Estados Soberanos, primam pela manutenção das mesmas e pela recomposição, sempre que possível, da realidade material econômico-financeira originária. Isto porque, o cenário de trocas internacionais é um ambiente extremamente dinâmico e de fortes incertezas. Assim, para não se prejudicar as constantes e necessárias relações econômicas entre as Nações envolvidas, mister se fez dotar os mecanismos de trocas comerciais de instrumentos que lhes garantam a continuidade, bem como a manutenção de seu equilíbrio econômico financeiro;

b) reciprocidade: Permite que sejam alcançados compromissos mutuamente vantajosos para os Estados envolvidos, evitando o enriquecimento demasiado de um em detrimento do outro e o conseqüente acirramento das desigualdades entre as nações. Observe-se que o objetivo maior das relações econômicas internacionais é permitir que sejam alcançados os interesses de todos os entes envolvidos. Isto porque, dentro do cenário político-internacional não há que se falar em prevalência de interesses de uma Nação sobre outras, mas, exatamente, de auto-determinismo e de respeito mútuo entre as mesmas. Logo, a garantia da realização de todos os interesses envolvidos é fator primordial para a manutenção harmônica das trocas comerciais externas, sendo cláusula primordial a ser zelada pelo direito econômico internacional;

c) maleabilidade: dada a dinâmica com a qual as constantes mudanças do mercado internacional se apresentam, as normas que o regulam necessitam de um alto grau de abstração, bem como de um processo mais célere de alteração, não podendo ficar atada aos trâmites ordinários do processo legislativo para a produção normativa necessária, bem como do processo judicial para a solução dos conflitos de interesses. Observe-se que a principal fonte normativa do Direito Internacional é o acordo firmado entre Nações, o qual não possui um caráter supra-nacional, uma vez que não é produto dos poderes constituídos estatais, mas, exatamente, do processo de proximidade e integração de entes soberanos, os quais não guardam quaisquer relações de subordinação entre si. Logo, tais normas não possuem um caráter cogente e definitivo em relação aos seus signatários, sujeitando-se, ainda, à constantes mudanças em decorrência da necessidade de se adequar à realidade flutuante do mercado internacional, bem como a possibilidade de denúncia ou descumprimento.

d) prospectividade: inexiste uma estrutura judiciária, tradicional e misoneísta, para solução dos litígios existentes, sendo resolvidos, preferencialmente, por mecanismos alternativos e extrajudiciais de composição de conflitos de interesses, tais como a arbitragem, previamente eleita pelos conflitantes junto aos organismos internacionais. Isto porque, uma vez que se trata de conflitos de interesses oriundos de entes soberanos entre si, não há como submeter a resolução dos mesmos a uma estrutura derivada dos poderes constituídos do Estado, criada a partir das idéias de Montesquieu para repartir o Poder estatal em três funções típicas. Assim, a resolução de tais conflitos de interesses deve ficar a cargo de mecanismos e instrumentos alternativos, frutos da convergência de vontades dos entes envolvidos. Alcança-se, destarte, resultados céleres e plenamente eficazes, que garantem a continuidade pacífica e harmônica das relações comerciais;

e) sanção: uma vez que se cuida de conflitos de interesses travados entre entes soberanos, as sanções aplicadas não tem o caráter impositivo e punitivo característico das condenações judiciárias. A sanção tem um caráter compensatório a ser aplicada em transações futuras, a fim de garantir a reciprocidade dos interesses econômicos envolvidos, bem como a continuidade das relações de comércio exterior. Destarte, não visa a punição, no sentido tradicional repressivo e punitivo que se emprega no direito, mas, simplesmente, a composição dos conflitos, evitando-se enriquecimento desarrazoado em detrimento das partes envolvidas, de forma a garantir uma participação igualitária de todos os Estados Soberanos no comércio internacional.

Em que pese haver grandes avanços no que se refere à garantia da paz por meio da adoção de instrumentos de composição harmônica de conflitos de interesses econômicos entre os Estados envoltos no cenário de comércio internacional, depreende-se que ainda não houve a implementação de instrumentos garantidores de que o crescimento econômico oriundo das trocas internacionais efetivamente se traduza em desenvolvimento social.

Mormente em face de países com economias em desenvolvimento, a experiência de aproximação e aquecimento das relações de comércio exterior garantiu uma maior circulação de riquezas em suas economias domésticas, em que pese não haver o correspondente e proporcional desenvolvimento social.

Isto porque, das características acima listadas, depreende-se que não há uma preocupação nas organizações mundiais de comércio exterior com a garantia de se alcançar metas socialmente desejáveis com o estreitamento das relações comerciais, em que pese junto a ONU, conforme visto, já haver esforços para a identificação das causas da pobreza e propositura de ações para sua profilaxia e combate.

3. Relações Internacionais

O crescimento econômico e o desenvolvimento social dos países são pilares que dependem do intercâmbio com demais nações para serem alcançados em níveis satisfatórios. Nessa linha, faz-se necessário frisar que, durante todos os períodos da história humana, há registros notórios de mútuas transferências entre os diversos povos do globo.

Assim, o processo de aproximação das nações constantemente se fez presente na vida da humanidade, nem sempre em caráter pacifista, todavia. Observe-se que, a pax romana[5] tinha por objetivo garantir a cobrança de tributos dos povos subjugados. Outrossim, o processo das grandes navegações[6] iniciado pelos países ibéricos objetivava o estabelecimento de novas rotas comerciais com o oriente. Por sua vez, a colonização européia igualmente tinha finalidade precipuamente econômica. A integração sempre esteve presente na história do homem, sendo uma necessidade macro das Nações Soberanas.

É de se ressaltar que muitos impasses econômicos entre as nações, não raro, eram resolvidos no plano do conflito bélico, com conseqüências desastrosas, tanto no campo econômico quanto no social. Com o desgaste da utilização do direito de guerra como via de resolução de conflitos de interesses entre as nações, surgem as Relações Internacionais, como um domínio teórico e um campo autônomo da Ciência Política, sendo imediatamente contemporâneo ao período posterior ao término da 1ª Guerra Mundial. Não raro, costuma-se atribuir ao Royal Institute of International Affairs, fundado em 1920, na Inglaterra, o pioneirismo no estudo exclusivo às relações internacionais. Todavia, a London School of Economics inaugurou, na mesma época, um Departamento de Relações Internacionais, que, a posteriori, revelou-se de suma importância para as construções teóricas da escola inglesa de relações internacionais. No Brasil, o primeiro curso dedicado ao estudo específico de Relações Internacionais data de 1969, sendo de iniciativa da Universidade de Brasília.

Assim, como campo de ciência, as Relações Internacionais, ou as Relações Exteriores, como é usualmente designada, visa ao estudo sistemático das diversas formas pelas quais os Estados se relacionam, além de suas fronteiras, seja em caráter político, econômico ou, ainda, social, tendo como ponto busílis o sistema internacional. Observe-se que, o campo de estudo das relações internacionais, não se limita aos Estados, havendo outros atores que igualmente influem na construção de políticas externas, tais como, as empresas transnacionais, as organizações internacionais e as organizações não-governamentais. Resta claro, portanto, que seu objeto deve se focar, primordialmente, na política externa de determinado Estado. Todavia, não pode deixar de lado o conjunto estrutural das interações exercidas entre os diversos atores internacionais.

3.1. Teorias

Todas as escolas do pensamento humano são influenciadas pelos pensadores helenos, mormente Sócrates e seu discípulo Platão, bem como pelo discípulo deste, Aristóteles.

Platão, em sua obra, é foi fortemente influenciado pelo episódio do julgamento de seu mestre, Sócrates, conforme já visto. Assim, a construção de seus textos trazem a Teoria das Idéias, desenvolvida como hipótese no diálogo Fédon, a qual constitui uma maneira de garantir a possibilidade do conhecimento e fornecer uma inteligibilidade relativa aos fenômenos. A partir da Teoria das Idéias, surge toda uma conjuntura de escolas que procuram conceber a realidade mundial no plano do dever ser, no qual o mundo material percebido pelos sentidos é uma pálida reprodução do mundo das Idéias. Cada elemento concreto que existe participa, junto com todos os outros objetos de sua categoria de uma Idéia perfeita, a qual competia ao homem alcançar por meio da verdade e da justiça. Assim, compete ao homem, no campo político, a construção de um ideal de governança, por meio de três virtudes a serem cultivadas na alma dos líderes, de acordo com a construção platônica:

a) sabedoria: sendo a cabeça do Estado, ou seja, o governante, pois possui caráter de ouro e utiliza a razão;

b) coragem: sendo o peito do Estado, isto é, os soldados ou guardiões da pólis, pois sua alma de prata é imbuída de vontade;

c) temperança: sendo o baixo-ventre do Estado, ou os trabalhadores, pois sua alma de bronze orienta-se pelo desejo das coisas sensíveis

Em que pese ter sido discípulo de Platão, Aristóteles discorda de uma parte fundamental da filosofia daquele. Isto porque, Platão, conforme visto, concebia dois mundos existentes: o mundo concreto, que é apreendido por nossos sentidos e está em constante mutação; o mundo das idéias, abstrato e acessível somente pelo intelecto, sendo imutável e independente do tempo e do espaço material. Aristóteles, ao contrário, defende a existência de um único mundo real que é este em que se vive. Tudo aquilo que se encontra além de nosso campo de alcance sensorial não pode ser nada para o homem, na visão aristotélica, a qual denota um caráter eminentemente materialista. Assim, a obra de Aristóteles é construída a partir da constatação da realidade do mundo em que se vive, concebendo-a no plano do ser, isto é, a partir da constatação de como o homem é, dotado de vícios e virtudes, bem como de como estas influenciam no meio em que se vive.

No pensamento aristotélico, a ética é a ciência das condutas, menos exata na medida em que se ocupa com assuntos passíveis de modificação. Ocupa-se não com aquilo que no homem é essencial e imutável, mas com o que pode ser constatado por ações repisadas, disposições adquiridas ou de hábitos que constituem as virtudes e os vícios. Seu objetivo último é garantir ou possibilitar a conquista da felicidade, reconhecendo os vícios, a fim de alijá-los e ressaltando as virtudes já conquistadas. Tendo como ponto de partida as disposições naturais do homem, que são individuais a cada um e constituem seu caráter, a moral ensina devem ser modificadas as disposições viciadas do homem para que se ajustem à razão, transmutando-as em virtudes. Tais características humanas costumam estar afastadas do meio-termo, estado de equilíbrio que Aristóteles considera o ideal. A virtude seria o alcance do meio-termo, ao passo que o vício seria o extremo, seja pela falta, seja pelo excesso.

No campo da política, o pensamento aristotélico possui uma série de desdobramentos, que implicam na construção de teorias que partem da premissa que o homem, no plano dos fatos, se conduz, precipuuamente, com base em seus vícios e em suas virtudes. Desta constatação, as relações de poder e liderança serão moldadas em face do caráter de quem esteja ocupando as instâncias de poderes constituídos. Assim, mister se faz toda uma construção filosófica que se traduza em mecanismos e instrumentos de contenção e moldura do poder, sirvindo de impeço para que a máquina pública seja degenerada no atendimento de interesses egoísticos oligárquicos.

As principais teorias que analisam as ações estratégicas dos Estados têm como ponto busílis os arquétipos de pensamento criados pelos atenienses susomencionados, sendo a corrente conhecida como realista de forte inspiração aristotélica e a denominada liberal, ou idealista, inspirada na obra de Platão.

É de se ressaltar que os estudos focados no planejamento dos Estados, no campo das relações internacionais, objetivam analisar quais os fatores necessários para conservação e ampliação de poder, tendo como elementos empírico de verificação a ação diplomática e bélica dos países modernos, bem como a circulação de bens, produtos, capitais, mão de obra e demais fatores que caracterizam o comércio exterior.

As escolas realista e liberal se consolidaram, através do Séc. XX, como as principais correntes teóricas de pensamento nos estudos das Relações Internacionais. De tais correntes derivariam novos debates, a partir da revisão de seus conceitos em novos quadros analíticos. Nos anos 1980, originar-se-iam dessas discussões as correntes neorrealista e neoliberal.

Além das escolas realista e liberal, merecem destaque a teoria do sistema mundial, bem como a teoria da dependência e a teoria marxista, conforme será visto adiante.

3.1.1. O realismo

Trata-se de corrente de pensamento das Relações Internacionais que ganhou força com o advento da Guerra Fria, na qual a bipolaridade mundial entre os Estados Unidos da América e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas era patente.

Seu principal elemento de estudo, no que se refere à ação diplomática a ser estabelecida entre as Nações se dá por meio da verificação do poderio bélico dos países envoltos e do tênue equilíbrio advindo da corrida armamentista.

Assim, a corrente realista baseia-se em relações eminentemente concebidas em torno do poder de fato e da ausência de uma ordem internacional préexistente, como vetores determinantes das ações estratégicas traçadas pelas Nações. Portanto, para a escola realista não há outros sujeitos nas relações internacionais além das Nações.

Seus principais teóricos dissertam em universidades americanas, de modo que o pensamento internacional daquela época refletia a doutrina política seguida pelo governo americano desses tempos. Desta corrente, destacam-se Kenneth Waltz e Hans Morgenthau.

3.1.2. O liberalismo.

Em virtude do desenvolvimento das relações comerciais entre as Nações que compunham o bloco do dito Primeiro Mundo, que era eminentemente capitalista e liberal, tendo como principais valores o livre comércio e a propriedade privada, houve uma tendência para a internacionalização dos fluxos de capitais rumo aos espaços econômicos periféricos do então denominado Terceiro Mundo, acompanhado de um considerável aumento no comércio exterior.

Diante de tal conjuntura, que se configurava com a prelazia do capital norte americano na economia internacional, surge uma corrente teórica que questiona a validade das concepções realistas sobre as relações políticas entre os Estados inseridos no sistema internacional, que, segundo estes, baseava-se fundamentalmente na anarquia e na força bélica. Tal linha de pensamento teórico viria a ser denominada de escola liberal. Partiam da premissa que a crescente interdependência econômica entre os Países, potencializada pelos avanços tecnológicos da indústria de bens de consumo duráveis e das telecomunicações, tornariam cada vez mais dispendioso o conflito bélico, inviabilizando-o como instrumento determinante nas Relações Internacionais. Os pensadores liberais destacavam a progressiva consolidação de regimes jurídicos internacionais, por meio dos organismos supranacionais, bem como a crescente participação, considerada nesta escola irreversível e inexorável, em caráter autônomo de atores transnacionais, em especial as empresas multinacionais, como elementos empíricos de uma inflexão no modus operandi do sistema internacional. Destacam-se, desta escola teórica, autores como Robert Keohane e Joseph Nye.

3.1.3. O sistema-mundo

Trata-se de corrente teórica das relações internacionais que se foca na análise do sistema social e suas inter-relações com o avanço do capitalismo mundial como forças determinantes entre os diferentes países centrais, incluindo os periféricos. Para tanto, analisam que a unidade de estudo não deve ser, tão-somente, o Estado ou a sociedade nacional, propondo-se a verificar o sistema-mundo em seu conjunto, dentro de suas vertentes econômica e social. Seu principal teórico e fundador é Immanuel Wallerstein, tendo como membros André Gunder Frank, Samir Amin, Giovanni Arrighi e Theotonio dos Santos.

Partem da premissa que a economia-mundo capitalista é um sistema que incluí uma desigualdade hierárquica de distribuição baseada na concentração de certos tipos de produção relativamente monopolizada e, assim sendo, de alta rentabilidade, em certas zonas de comércio de acesso limitado. De acordo a Wallerstein, a formação dessas áreas de maior acumulação de capital em caráter internacional tem como corolário permitir o reforço das estruturas estatais internas, o que, por sua vez, buscam garantir a sobrevivência dos monopólios. O sistema mundo capitalista funciona e evoluí, eminentemente, em função dos fatores econômicos.

Estuda-se, na teoria do sistema mundo capitalista, a origem e a evolução do modo capitalista de produção, como um sistema de relações econômico, sociais, políticas e culturais. Segundo seus teóricos, tal sistema mundo nasceu na idade média européia e evoluiu até converter-se em um sistema global, e em cujo enfoque se distingue a existência de um centro, uma periferia e uma semi-periférica, distinguindo-se entre economias centrais, uma economia hegemônica que articula o conjunto do sistema.

3.1.4. O marxismo

Para os marxistas, o campo das relações internacionais é conflituoso, uma vez que se baseia no expansionismo do capital de um Estado sobre os demais. Assim, as Nações dotadas de economias mais expressivas, a fim de assegurar seu crescimento, impõem, de forma unilateral, seus interesses em detrimento dos países de economias mais fracas.

Destarte, as relações internacionais, segundo esta escola, estavam intrinsecamente ligadas à necessidade de garantir o crescimento econômico e o desenvolvimento social de uma Nação, por meio da imposição internacional do sistema de economias capitalistas. Tal movimento seria denominado pelos neomarxistas, dentre os quais se destacam Rosa Luxemburgo e Lênin, de imperialismo. O primeiro estudo sistemático do imperialismo surgiu em 1902 com a publicação da obra “Imperialismo”, de autoria do inglês John Hobson, para quem o fenômeno do expansionismo econômico era fruto da produção em excedente, que deveria ser exportada, necessariamente, para se evitar prejuízos, queda de preços e inflação. Assim, aponta o autor britânico que as motivações do expansionismo seriam a busca de novas fontes de matérias-primas e de mercados consumidores. A originalidade da obra de Hobson consiste em atribuir ao imperialismo raízes econômicas, o que forneceu as bases para a interpretação dos neomarxistas.

A escola marxista das relações internacionais vê na política de expansão e domínio territorial, cultural e econômico de uma Nação sobre outras, a origem dos conflitos em escala mundial. Para tanto, os marxistas clássicos apontavam para a necessidade de se pacificar as relações entre as Nações por meio de uma revolução proletária em escala mundial, de forma a impedir que a persecução pelo lucro não redundasse na exploração e no empobrecimento de um país pelo outro.

3.1.5. A teoria da dependência

Trata-se de uma corrente que se propõe a uma leitura crítica e marxista, em caráter não dogmático, e busca explicar os processos de origem e reprodução do subdesenvolvimento na periferia do sistema capitalista. Tem origem nas formulações teóricas desenvolvidas por intelectuais, como Ruy Mauro Marini, André Gunder Frank, Theotonio dos Santos, Vania Bambirra, Orlando Caputo e Roberto Pizarro.

Tem origem na década de 60, segunda metade do Séc. XX, com o fito de repensar o modelo sócio-econômico proposto pela Comissão Econômica para América Latina e Caribe da ONU para as economias periféricas das Américas, oferecendo uma alternativa de interpretação da dinâmica social da América Latina.

Seus teóricos concebiam o desenvolvimento e o subdesenvolvimento como posições funcionais impostas por parte das Nações mais fortes, dentro da configuração geoeconômica mundial. Fácil perceber que a Teoria da Dependência versa sobre as interrelações das economias dos países entitulados de periféricos, ou dependentes, com as economias dos Estados chamados centrais, ou hegemônicos. Ainda, argumenta-se que estas relações econômicas, caracterizadas pela dependência por parte dos países periféricos em relação às economias centrais, originavam sistemas de relações políticas e ideológicas que pré-determinavam os modelos de desenvolvimento político e social a serem implementados nos países dependentes ou periféricos.

A relação de dependência econômica era fruto, para esta corrente teórica, de uma configuração geopolítico-econômica, em escala global, na qual o papel reservado às economias periféricas era de mercados forncecedores de matéria prima, produtos primários e gêneros de primeira necessidade, abastecendo os países centrais. Estes, por sua vez, reservavam-se o papel de produtores e exportadores de bens de consumo duráveis, industrializados por meio de processos teconológicos e aplicação de capitais, cujo acesso às economias periféricas se dá de forma excessivamente onerosa, o que tornaria inviável o desenvolvimento racional e sustentável das economias periféricas.

Tal situação de dependência dos capitais e das tecnologias produzidos pelos países centrais e desenvolvidos, segundo estes teóricos, limita e cerceia as possibilidades de tomadas de decisões e implementação de ações autônomas, impedindo que o centro político das forças sociais locais nos países periféricos se sobrepusessem ao mercado internacional e conquistassem maior autonomia política.

Apresenta, como um de seus ponto busílis de estudo e análise, a questão da extração do excedente econômico gerado nos países atrasados por meio da ação predatória do capital estrangeiro, fenômeno este que se encontra intrinsecamente vinculado com as estruturas sócio-econômicas de poder internas, que se articulam, de forma promíscua e perniciosa, com o capital externo. Argumenta-se, segundo seus teóricos, que o capital estrangeiro na extração do excedente produzido internamente nas economias periféricas, reproduz a relação de dependência, de forma cíclica e viciosa.

Um intelectual de destaque na Teoria da Dependência foi Fernando Henrique Cardoso, profundo conhecedor do pensamento marxista, em que pese ele próprio não ser marxista. A contribuição do pensamento do sociológo brasileiro introduziu uma abordagem da dependência sob a inspiração da teoria de Max Weber, criando assim uma corrente variante weberiana, sendo contrária, todavia, a revolução socialista.

A Teoria da Dependência e sua produção intelectual experimentou um forte declínio a partir dos anos de 1970, mormente em virtude do fracasso de sua implementação no governo do Chile, durante a gestão de Salvador Allende. A partir dos anos de 1980, com o avanço do ideário social democráta na Inglaterra e do neoliberalismo durante a gestão de Ronald Reagan nos Estados Unidos da América, a Teoria da Dependência caiu no esquecimento, em face, ainda, da consolidação destes movimentos experimentada na América Latina, nos anos de 1990, bem como, posteriormente, com o fenômeno da globalização.

3.1.6. Da análise da Justiça Econômica a partir da teoria das Relações Internacionais

Em que pese terem óticas e campos de análise diversos, pode-se vislumbrar pontos em comum no que se refere às correntes teóricas das Relações Internacionais. Nesse sentido, todas as correntes buscam teorizar sobre os diversos sistemas nos quais os Estados se interrelacionam, principalmente no que tange ao econômico e ao social.

Do estudo das diversas correntes teóricas das Relações Internacionais, salvo a realista que se baseia no exercício do poder de fato oriundo da força, todas as outras se fundamentam, em maior ou menor grau, no processo de aquecimento das trocas comerciais entre os países como forma de aproximação e, também, de explicação para o sucesso econômico-social de uns e o aparente fracasso de outros.

Assim, o grande desafio que se apresenta no campo das Relações Internacionais é conjugar o crescimento econômico e o desenvolvimento social das Nações dentro de um cenário de expansionismo, no qual os Estados buscam vender seus excedentes e adquirir outros bens, produtos e serviços para atendimentos de suas necessidades domésticas, mantendo, contudo, sua balança comercial equilibrada, de forma a evitar evasão de divisas de suas fronteiras.

Todavia, uma vez que a sociedade é marcada pela escassez de recursos, não raro, a busca de novos mercados e de novas fontes de matéria prima de um Estado traduz-se em diminuição nos níveis de qualidade de vida de outro.

Destarte, mister se faz equacionar, dentro de um cenário de cooperação internacional, fórmulas de atendimento mútuo dos interesses não só das Nações, mas de todos os demais atores envoltos no processo de relações internacionais, tanto sob aspectos econômicos quanto sociais.

Portanto, ao se estudar os aspectos nos quais a teoria de Justiça Econômica pode e deve ser aplicada em escala global, como instrumento de garantia de crescimento econômico e de desenvolvimento social, pode-se adotar de suas diversas correntes, no campo das relações internacionais, à exceção do realismo, as seguintes contribuições:

a) da escola liberal, a teorização sobre o aquecimento do comércio exterior como instrumento para se aumentar o fluxo de rendas e riquezas nos países em desenvolvimento, a fim de que tal crescimento possibilite bases sólidas para o alcance metas socialmente desejáveis;

b) do sistema mundo, a teorização sobre a comparação entre os diferentes sistemas de produção domésticas de cada país, a fim de montar um quadro de análise das vantagens comparativas naturais e artificiais que cada um apresenta, para que, a partir deste, possa se traçar um campo de intercâmbio comercial cooperativo e equilibrado;

c) do marxismo, a teorização sobre os efeitos perniciosos que o expansionismo internacional traz, quando não se baseia em princípios previamente estabelecidos de cooperação para alcance de interesses mútuos entre as Nações envoltas;

d) da teoria da dependência pode-se extrair as causas prováveis do exíguo desenvolvimento social que os países ditos de economia periférica apresentam.

Observe-se que, à exceção do realismo, todas as demais correntes teóricas das Relações Internacionais baseiam-se em aspectos econômicos e sociais para estudar as diversas formas de interação entre os países. Logo, todas contribuem para o estudo da Justiça Econômica dentro de uma perspectiva internacional.

Se é fato que as Relações Internacionais baseiam-se na troca de interesses entre as Nações, tal fato não deve ser limitado na imposição pelos países mais fortes sobre os mais fracos, como querem os realistas. Tampouco, não há como se conceber que o mero aumento do fluxo de capitais dos países desenvolvidos para os em desenvolvimento será fator determinante para o alcance da pacificação mundial como pretendem os liberais, uma vez que o aquecimento do comércio exterior nem sempre apresenta índices satisfatórios de desenvolvimento social, como apontam os teóricos do marxismo, do sistema-mundo e da teoria da dependência.

Destarte, o aumento de rendas e riquezas circulantes em um país, para se atingir patamares de Justiça Econômica Internacional, deve ser associado à consecução de metas socialmente desejáveis e previamente estipuladas de desenvolvimento, dentro de um espírito cosmopolita de cooperação.

4. Estados: da Soberania ao Cooperativismo Constitucional

Os Estados são os principais sujeitos que atuam na Ordem Internacional, tanto de uma perspectiva histórica quanto por aspectos operacionais, observando-se que é a partir dele que derivam os demais sujeitos, tais como as organizações internacionais. Trata-se da comunidade organizada politicamente, em território geograficamente definido, normalmente sob a regência de uma Constituição e dirigida por um governo. Um Estado, conforme se dê a organização no tocante ao desempenho de suas atribuições político-administrativas, pode ser unitário ou federado, neste caso compondo com outros estados-membros, ou entes federativos, uma federação. O reconhecimento da independência de um Estado em relação a outros, permitindo ao primeiro firmar acordos internacionais, é uma condição fundamental para estabelecimento da Soberania.

A Soberania, pressuposto fundamental para a existência do Estado, teve gênese no Século XVI. O conceito foi teorizado e desenvolvido pelo filósofo francês Jean Bodin, que, em sua obra Os Seis Livros da República, sustentava a tese pela qual a hereditariedade da Monarquia francesa dava ao Soberano a prerrogativa de não se sujeitar a nenhuma condição a ser imposta pelo povo. Assim, todo o poder do Estado pertenceria ao Rei e não poderia ser compartilhado com mais nenhum dos estamentos sociais, a saber, o clero, a nobreza ou o povo. Por meio do pensamento de Jean-Jacques Rousseau, o conceito de soberania é transferido da pessoa do governante para todo o povo, sendo este o corpo político ou a sociedade de cidadãos. A partir do Séc. XIX, o conceito de soberania ganha contornos jurídicos, a ser atribuído como elemento do Estado, quanto sujeito na Ordem internacional, não pertencendo mais a nenhuma autoridade política em particular.

Na lição de Alexandre Groppali, podemos conceituar o Estado, no plano internacional, como sendo a pessoa jurídica de direito público externo, constituída por um povo fixado em determinado território, sob a influência de um poder supremo, dotado de soberania, para fins de defesa, ordem e progresso social[7].

Interessante anotar que o Estado pode também ser definido em termos de condições domésticas, conforme descreveu Max Weber, entre outros, no que diz respeito ao monopólio do uso legítimo da violência em face dos cidadãos. Em outras palavras, o único ente que se encontra autorizado a impor sua vontade, por meio de coerção física aos demais, é o Estado Soberano, que detém a legitimação do uso da força.

Assim, diante do exposto, pode-se depreender como seus elementos:

a) povo: conjunto de indivíduos que falam a mesma língua, têm costumes e hábitos idênticos, afinidade de interesses, uma história e tradições comuns, isto é, conjunto das pessoas que constituem a base humana de uma nação, que se submetem às mesmas leis;

b) território: base geográfica sobre a qual o Estado exerce a sua soberania, tratando-se da porção de autoridade juridicamente atribuída e exercida sobre os rios, lagos e mares contíguos, e, ainda, sobre o espaço aéreo, até a altura determinada pelas necessidades da polícia e segurança do país. Deve-se, ainda, considerar como extensão do território os navios de guerra, onde quer que se encontrem, e os navios mercantes em alto-mar ou em águas nacionais;

c) poder público: filosoficamente, pode-se conceituá-lo como a potestade exercida de modo difuso, e não necessariamente explícito, pelo conjunto das relações sociais sobre os indivíduos, e que lhes impõe determinações que regulam seus modos de ser: comportamentos, interesses, ideologias, dentre outras. Sob um prisma mais fisiológico, trata-se do conjunto dos entes e órgãos investidos de autoridade para realizar os fins do Estado;

d) soberania: aptidão que tem um Estado de ser uma ordem suprema que não deve a sua validade a nenhuma outra ordem superior;

e) finalidade: garantia da satisfação social e da estabilidade política, mantendo-se a segurança jurídica nas relações sociais.

É de se destacar que a noção jurídica de soberania orienta as relações entre Estados, enfatizando a premência de se legitimar o poder político por meio de leis. O reconhecimento do status de Estado, na comunidade internacional, é um ato unilateral, expresso ou tácito, pelo qual um Estado constata a existência de um outro na ordem internacional, dotado de soberania, de personalidade jurídica internacional e dos demais elementos constitutivos. O reconhecimento é indispensável para que o novo Estado se relacione com seus pares, firmando acordos e contraindo obrigações. Via de regra, exige-se três fatores essenciais para que o Estado seja devidamente reconhecido como tal:

a) que seu governo seja independente, inclusive no que respeita à condução da política externa;

b) que o governo controle efetivamente o seu território e população e cumpra as suas obrigações internacionais; e

c) que possua um território delimitado.

Ainda que se discuta a natureza temporal do ato de reconhecimento do Estado, atribuindo-lhe caráter constitutivo ou declaratório, é consenso que se dê de forma retroativa, incondicional e irrevogável, ainda que a posteriori ocorra eventual rompimento de relações diplomáticas. Desta feita, a eficácia do ato o aproxima da natureza declaratória, salvo melhor juízo.

Há que se destacar, por fim, que o reconhecimento do Estado não se confunde com o reconhecimento do governo. Este se dá, por outros Estados, quando uma facção política assume os poderes constituídos, com o rompimento de seu sistema de direito e de sua ordem jurídica. Observe-se que o rompimento com a ordem vigente não desonera o Estado do cumprimento de suas obrigações internacionais, razão pela qual um governo que pretenda o inadimplemento de seus deveres exteriores poderá não ter sua legitimidade reconhecida pelos demais Estados. Assim, o reconhecimento de um novo governo não é ato obrigatório para os demais Estados. Condiciona-se à assunção dos seguintes fatores para que haja reconhecimento de um novo governo no plano internacional:

a) controle da máquina do Estado e obediência civil;

b) cumprimento das obrigações internacionais do Estado;

c) surgimento do novo governo sem intervenção estrangeira.

Outrossim, o reconhecimento de um novo governo produz os seguintes efeitos:

a) estabelecimento de relações diplomáticas: embora um Estado possa reconhecer o governo de outro mas romper relações diplomáticas, estas tendem a seguir-se ao reconhecimento;

b) imunidade de jurisdição do novo governo perante outros Estados;

c) legitimidade para ser parte em tribunal estrangeiro; e

d) admissão, pelo Estado que reconhece, da validade dos atos do novo governo.

Atualmente, com a transmutação de diversos conceitos jurídicos, oriundos das novas necessidades da sociedade, a Soberania e o Estado são vistos sob novas óticas, mormente em virtude das novas configurações das relações internacionais.

Em que pese a tradição realista basear-se no caráter absoluto da Soberania para o estudo do Estado, em virtude da adoção do princípio da cooperação em caráter internacional, mormente após a Segunda Grande Guerra, o mundo assistiu a um forte aquecimento nas relações exteriores em caráter multilateral. Presenciou-se o surgimento de outros sujeitos de direito e atores, além da clássica figura do Estado, todos atuando em prol de interesses maiores que as meras necessidades nacionais.

O princípio da cooperação entre os atores internacionais permitiu, assim, que as relações exteriores tivessem como base o transnacionalismo em favor da garantia de paz e segurança internacionais, bem como do desenvolvimento socioeconômico racional e sustentável entre as Nações envoltas. Logo, a cooperação baseia-se na abertura nacional para a adoção dos atos internacionais, consensualmente pactuados pelos atores internacionais.

Em que pese ter sido aplicado, exordialmente, nas relações econômicas de caráter internacional, o princípio da cooperação foi tendo seu campo de aplicabilidade ampliado para as relações sociais, tendo, assim, reflexos sobre o ordenamento jurídico das Nações, inclusive na seara constitucional.

Há que se ter em mente que, sendo a sociedade um organismo dinâmico, sujeito a constantes e periódicas mutações, o Estado também se sujeita a uma série de mudanças, a fim de se tornar mais apto a atender de forma satisfatória os reclamos sociais, não podendo, portanto, ser concebido como um ente estanque e imutável. Tal processo de mudança e adaptação do Estado contemporâneo é apontado por Peter Häberle:

“O tipo do Estado Constitucional ocidental livre e democrático não é, como tal, imutável. Séculos foram necessários para se moldar o conjunto dos elementos estatal e democrático, de direitos fundamentais individuais e, por fim, sociais e culturais, e o futuro continuará a desenvolvê-los. Suas características singulares são concebidas pela Teoria da Constituição em uma aproximação dos conceitos com a realidade; outras ciências têm realizado o trabalho de ligação, como a Economia Política e a Teoria Econômica Internacional, e também a Teoria das Relações Internacionais. Há uma percepção de que o Estado Constitucional do Direito Internacional entrou em nova fase: o entrelaçamento das relações internacionais, objeto do Simpósio de Direito Constitucional realizado na Basiléia em 1977, ganhou intensidade, extensão e profundidade, de forma que o Estado Constitucional ocidental precisa reagir adequadamente. Nesse sentido é proposto o conceito de Estado Constitucional Cooperativo”.[8] – grifamos.

Dentro dessa perspectiva de evolução estatal, Peter Härbele abraçou o conceito de Estado Constitucional Cooperativo como fenômeno de amplitude do conceito do cooperativismo dos povos, traduzindo na abertura constitucional para o direito internacional, com viés para o transnacionalismo, dentro da teoria da norma e da teoria do estado e com forte influência na configuração do ordenamento jurídico interno das Nações. Conforme nos ensina o catedrático alemão:

“O aspecto ideal-moral (expresso por meio de disposições constitucionais como cooperação internacional ou responsabilidade, paz no mundo, Direitos Fundamentais como fundamento de toda a sociedade humana, Art. 1°, §2° GG, Declaração Universal dos Direitos Humanos etc.), que deve ser compreendido juntamente com o aspecto sociológico-econômico, de forma teórico-estatal, vincula-se a muitos outros aspectos: o fundo dos mares como bem comum da humanidade, a escassez dos substratos econômicos (matéria prima, energia, gêneros alimentícios), dos recursos e a situação social das pessoas dos países em desenvolvimento, obrigam o Estado a uma responsabilidade comum. O Estado Constitucional se depara com ela, interna e externamente, com uma crescente cooperação que se amplia e intensifica. Cooperação será, para o Estado Constitucional, uma parte de sua identidade que ele, no interesse da transparência constitucional, não apenas deveria praticar como, também, documentar em seus textos jurídicos, em especial nos documentos constitucionais. Uma comparação entre os Estados Constitucionais mostra que, nesse sentido, eles são ainda bem diferentes no aspecto cooperativo. [9] – grifamos.

Assim, conclui que:

“Estado Constitucional Cooperativo é o Estado que justamente encontra a sua identidade também no Direito Internacional, no entrelaçamento das relações internacionais e supranacionais, na percepção da cooperação e responsabilidade internacional, assim como no campo da solidariedade. Ele corresponde, com isso, à necessidade internacional de políticas de paz”. [10] – grifamos.

O modelo de Estado Constitucional Cooperativo traz, em seu conteúdo normativo, instrumentos que permitam a plena aplicabilidade dos princípios internacionais, celebrados com base no consenso das Nações, as quais devem estar comprometidas com a garantia da paz e a manutenção da segurança, bem como com os ditames de justiça social e econômica. Assim, consubstanciado no transnacionalismo, a cooperação jurídico-constitucional permite que no corpo do texto constitucional sejam tratados e ponderados não apenas os interesses nacionais, mas também os interesses de outros países que tenham reflexo além de suas fronteiras.

Esse movimento de abertura do direito constitucional para o internacional não é algo inusitado, tampouco recente, sendo um instituto já estudado pelos internacionalistas. Entendido como o movimento de aproximação consensual de Nações, cuja finalidade estaria em promover a realização de seus interesses em comum e a composição pacífica de seus interesses colidentes, na via diplomática, recentemente tem demonstrado uma tendência à constitucionalização de princípios orientadores das relações internacionais. Tal internalização das normas decorrente dos tratados entre as Nações, com sua introdução no ordenamento jurídico doméstico, pode ser verificada na lição de Francisco Rezek:

“A sociedade internacional, ao contrário do que sucede com as comunidades nacionais organizadas sob a forma de Estados, é ainda hoje descentralizada, e o será provavelmente por muito tempo adiante de nossa época. (…) A vontade singular de um Estado soberano somente sucumbe para dar lugar ao primado de outras vontades reunidas quando aquele mesmo Estado tenha, antes, abonado a adoção de semelhante regra”. [11] – grifamos.

José Joaquim Gomes Canotilho também comenta a respeito:

“A abertura internacional significa (…) a afirmação do direito internacional como direito do próprio país e o reconhecimento de alguns dos seus princípios ou regras como ‘medida de justiça’, vinculativa da própria ordem jurídica interna. (…) a abertura internacional aponta para a indispensabilidade de os poderes públicos constitucionalmente competentes tomarem ‘participação activa’ na solução dos problemas internacionais (nas organizações internacionais, na defesa da paz e segurança internacionais, na defesa dos direitos humanos) (…)”[12].

Cuida-se, assim, do processo de constitucionalização das normas regentes das relações internacionais, como forma de se cristalizar em bases sólidas o processo inexorável de aproximação pacífica das Nações, erigindo-as ao status de princípios constitucionais.

Vale observar a notória semelhança entre a ordem principiológica adotada pelo Estado Português e as diretrizes adotadas pela Constituição da República Federativa do Brasil, no que tange à sedimentação de princípios de relações internacionais. Ainda no magistério de José Joaquim Gomes Canotilho, conforme a seguir transcrito:

“A abertura internacional e a abertura da Constituição, nos termos acabados de descrever, não são uma abertura para ‘qualquer’ ordem internacional. Pelo contrário, é uma ordem internacional informada e conformada por determinados princípios (…) da Constituição da República.. A ordem internacional e as relações internacionais devem assentar em princípios intrinsecamente justos: o princípio da independência nacional, o respeito do direito dos homens, dos direitos dos povos, da igualdade entre os estados, de solução pacífica dos conflitos internacionais, da não ingerência nos assuntos internos de outros Estados e da cooperação com todos os outros povos para a emancipação e progresso da humanidade. A ordem internacional e a ordem constitucional interna interactivamente abertas são ‘ordens fundadas nos direitos humanos e nos direitos dos povos’(…), são ‘ordens de paz’ e de solução pacífica dos conflitos” [13]. – grifamos.

Nessa linha, resta claro que o papel que os Estados exercem na atual ordem internacional, dentro do espírito de cooperação que norteia o campo das relações internacionais, sob uma ótica transnacionalista, é fortemente influenciado pelo processo de aquecimento das trocas comerciais. Tal constatação implica, em um primeiro momento, no aumento do fluxo de circulação de rendas e riquezas, fato que, para se traduzir em desenvolvimento social, realizando ditames de Justiça Econômica, deve ter reflexos obrigatórios na ordem jurídica interna de cada Nação envolta.

O Estado Constitucional Cooperativo, conforme apontado por Peter Häberle, apresenta-se como a redefinição do novo papel reservado a este sujeito de direito internacional, o qual se presta a garantir a eficácia das normas de direito internacional, fruto do cooperativismo e do consensualismo da comunidade internacional, do que para a mera defesa de seus interesses internos.

Assim, o modelo de Estado Constitucional Cooperativo apresenta-se como o mais eficaz para assegurar a realização dos ditames de Justiça Econômica dentro de uma perspectiva global.

5. Conclusão

A segunda metade do século XX foi um período rico na história jurídica do homem contemporâneo. Isto porque, os clássicos modelos oitocentrista que serviram de pilar para toda a estrutura estatal foram revisados e os paradigmas foram mudados.

A Soberania dos Estados, expressam máxima de sua potestade quanto pessoa jurídica de direito internacional deixou de ter um caráter absoluto, sendo relativizada em prol de interesses cosmopolitas maiores de cooperação e manutenção da paz.

Assim, a abertura dos textos constitucionais para o direito internacional foi notadamente marcante e crucial, sendo ponto divisor no que se refere à contemporânea Teoria do Estado.

Nessa linha, coube a Peter Härbele a grata tarefa de traduzir em doutrina as transmutações jurídico-estatais presenciadas com o processo de integração econômica, oriundo do aquecimento pacífico das relações comerciais entre as Nações soberanas.

Diferente dos clássicos textos constitucionais produzidos sob a égide da soberania estatal em caráter absoluto, as cartas magnas dos Estados Cooperativos caracterizam-se por reconhecer a juridicidade dos atos internacionais voltados para a cooperação, o desenvolvimento e a manutenção da paz, independente de quaisquer manifestações volitivas dos Poderes Constituídos.

Desta feita, a vontade estatal, antes restrita às fronteiras de cada país, assume novas e maiores feições, representando não apenas a volição de um povo ou etnia, mas o produto da atividade volitiva de todas as Nações envoltas no ideário de desenvolvimento e manutenção da paz.

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[1] SANTOS, Wanderley Guilherme dos. Globalização: Convergências e Exclusões. Seminários Friedrich Naumann do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro. Julho de 1997.
[2] Obs.: Zona Franca é a denominação dada a área delimitada no interior de um país, beneficiada com incentivos fiscais e tarifas alfandegárias reduzidas ou ausentes, com o objetivo de estimular o comércio e acelerar o desenvolvimento de uma região.
[3] Considerar-se-á que o OSC decidiu por consenso matéria submetida a sua consideração quando nenhum Membro presente à reunião do OSC na qual a decisão foi adotada a ela se opuser formalmente.
[4] Se a parte reclamante assim solicitar, uma reunião do OSC será convocada com tal objetivo dentro dos quinze dias seguintes ao pedido, sempre que se dê aviso com antecedência mínima de 10 dias.
[5] A Pax Romana, expressão latina para “a paz romana”, é o longo período de relativa paz, gerada pelas armas e pelo autoritarismo, experimentado pelo Império Romano. Iniciou-se quando Augusto César, em 29 A.C., declarou o fim das guerras civis e durou até o ano da morte de Marco Aurélio, em 180. Este termo enquadra-se historicamente nos dois primeiros séculos do Império Romano, instaurado em 27 A.C. por Augusto César. Neste período, a população romana viveu protegida do seu maior receio: as invasões dos bárbaros que viviam junto às fronteiras, o limes. Pax romana era uma expressão já usada na época, possuindo um sentido de segurança, ordem e progresso para todos os povos dominados por Roma.
[6] Utiliza-se a expressão grandes navegações para fazer referência ao movimento ibérico de descoberta de novas rotas comerciais com o oriente, bem como de colonização das Américas.
[7] GROPPALI, Alexandre. Doutrina do Estado, trad. de Paulo Edmur de Souza Queiroz. São Paulo: Saraiva: 1953.
[8] HÄRBELE, Peter. Estado Constitucional Cooperativo. Tradução Marco Augusto Maliska e Elises Antoniuk. Rio de Janeiro: Renovar. 2007. p. 1 e 2.
[9] HÄRBELE, Peter. Op. cit. p. 3 e 4.
[10] HÄRBELE, Peter. Op. cit. p. 4.
[11] REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 1.
[12] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 4ª ed. Coimbra: Livraria Almedina, 2001. p. 363.
[13] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Op. cit. p. 364.

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