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A prevalência do negociado sobre o legislado na jurisprudência recente do STF

HORAS IN ITINERE

JUSTIÇA DO TRABALHO

LIMITAÇÃO MATERIAL

NORMA COLETIVA

STF

Ricardo Resende

Ricardo Resende

15/09/2016

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Com algumas exceções, a Justiça do Trabalho vem mantendo, a duras penas, a limitação material da negociação coletiva ao chamado princípio da adequação setorial negociada.

Consoante ensina Maurício Godinho Delgado[1],

Pelo princípio da adequação setorial negociada as normas autônomas juscoletivas construídas para incidirem sobre certa comunidade econômico-profissional podem prevalecer sobre o padrão geral heterônomo justrabalhista desde que respeitados certos critérios objetivamente fixados. São dois esses critérios autorizativos: a) quando as normas autônomas juscoletivas implementam um padrão setorial de direitos superior ao padrão geral oriundo da legislação heterônoma aplicável; b) quando as normas juscoletivas transacionam setorialmente parcelas justrabalhistas de indisponibilidade apenas relativa (e não de indisponibilidade absoluta). (grifos no original)

São consideradas parcelas de indisponibilidade absoluta aquelas asseguradas por normas de ordem pública, por constituírem patamar civilizatório mínimo das relações de trabalho. Tais direitos não poderiam ser reduzidos, sequer mediante negociação coletiva, sob pena de afronta à dignidade da pessoa humana e à valorização do trabalho, fundamentos da República Federativa do Brasil (CRFB/88, artigos 1º, III, e 170).

Neste diapasão, o Tribunal Superior do Trabalho consolidou entendimento, por exemplo, no sentido de que “é inválida cláusula de acordo ou convenção coletiva de trabalho contemplando a supressão ou redução do intervalo intrajornada porque este constitui medida de higiene, saúde e segurança do trabalho, garantido por norma de ordem pública (art. 71 da CLT e art. 7º, XXII, da CF/1988), infenso à negociação coletiva” (Súmula 437, II).

Seguindo a mesma linha interpretativa, a jurisprudência do TST se consolidou no sentido de que é inválida a cláusula de norma coletiva que suprima as horas in itinere. A título de exemplo, o seguinte julgado recente:

AGRAVO EM EMBARGOS EM EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO DE REVISTA. INTERPOSIÇÃO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. HORAS IN ITINERE. CLÁUSULA NORMATIVA QUE SUPRIME O DIREITO À REMUNERAÇÃO. INVALIDADE. MATÉRIA PACIFICADA NESTA CORTE. INCIDÊNCIA DO ARTIGO 894, § 2º, DA CLT. CONTRARIEDADE NÃO CARACTERIZADA À SÚMULA Nº 90 DO TST. Nos termos do artigo 894, § 2º, da CLT, com a redação dada pela Lei nº 13.015/2014, a divergência apta a ensejar os embargos deve ser atual, não se considerando tal a ultrapassada por súmula do Tribunal Superior do Trabalho ou do Supremo Tribunal Federal, ou superada por iterativa e notória jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho. Discute-se a validade da norma coletiva que suprime o direito ao pagamento das horas in itinere. Por ser direito assegurado pela lei ao trabalhador, o pagamento de horas in itinere não pode ser suprimido por norma coletiva. Inválida é a cláusula convencional que assim dispõe. Tal matéria se encontra pacificada no âmbito desta Corte. […] (TST, Ag-E-ED-RR- 3554-90.2011.5.12.0003, Relator Ministro: Cláudio Mascarenhas Brandão, Data de Julgamento: 17/12/2015, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 29/01/2016).

Desde 2015, entretanto, vem ganhando força nos noticiários a intenção do governo e do Congresso Nacional de alterar a legislação trabalhista, de forma a permitir a prevalência do negociado sobre o legislado, isto é, a prevalência do quanto pactuado em instrumento coletivo de trabalho sobre a norma heterônoma estatal.

Por sua vez, de forma semelhante ao que já ocorrera anteriormente, no tocante à oportunidade, o Supremo Tribunal Federal colocou em pauta a votação de diversas matérias trabalhistas, dentre as quais a extensão do reconhecimento dos acordos coletivos de trabalho e das convenções coletivas de trabalho (art. 7º, XXVI, da CRFB/88). Em outras palavras, foi reaberta a discussão, também no âmbito jurisprudencial, a respeito da (i)limitação material da negociação coletiva.

Aos 08.09.2016, nos autos do RE 895.759/PE, o Min. Teori Zavascki proferiu decisão monocrática (DJE de 13.09.2016) reformando decisão do TST, bem como firmando o entendimento segundo o qual é válida a cláusula de norma coletiva que promova a supressão das horas in itinere, desde que compensada pela concessão de outras vantagens ao trabalhador. Eis os fundamentos da decisão:

[…] 2. O Plenário do Supremo Tribunal Federal apreciou discussão semelhante à presente, sob o rito do art. 543-B do CPC/1973, no julgamento do RE 590.415 (Rel. Min. ROBERTO BARROSO, DJe de 29/5/2015, Tema 152), interposto contra acórdão do Tribunal Superior do Trabalho que negara a validade de quitação ampla do contrato de trabalho, constante de plano de dispensa incentivada, por considerá-la contrária ao art. 477, § 2º, da CLT. Ao analisar o recurso paradigma, o STF assentou a seguinte tese:

A transação extrajudicial que importa rescisão do contrato de trabalho, em razão de adesão voluntária do empregado a plano de dispensa incentivada, enseja quitação ampla e irrestrita de todas as parcelas objeto do contrato de emprego, caso essa condição tenha constado expressamente do acordo coletivo que aprovou o plano, bem como dos demais instrumentos celebrados com o empregado.

O voto condutor do acórdão, da lavra do Ministro Roberto Barroso, foi proferido com base nas seguintes razões: (a) “a Constituição reconheceu as convenções e os acordos coletivos como instrumentos legítimos de prevenção e de autocomposição de conflitos trabalhistas; tornou explícita a possibilidade de utilização desses instrumentos, inclusive para a redução de direitos trabalhistas; atribuiu ao sindicato a representação da categoria; impôs a participação dos sindicatos nas negociações coletivas; e assegurou, em alguma medida, a liberdade sindical (…)”; (b) “a Constituição de 1988 (…) prestigiou a autonomia coletiva da vontade como mecanismo pelo qual o trabalhador contribuirá para a formulação das normas que regerão a sua própria vida, inclusive no trabalho (art. 7º, XXVI, CF)”; (c) “no âmbito do direito coletivo, não se verifica (…) a mesma assimetria de poder presente nas relações individuais de trabalho. Por consequência, a autonomia coletiva da vontade não se encontra sujeita aos mesmos limites que a autonomia individual”; (d) “(…) não deve ser vista com bons olhos a sistemática invalidação dos acordos coletivos de trabalho com base em uma lógica de limitação da autonomia da vontade exclusivamente aplicável às relações individuais de trabalho”.

3. No presente caso, a recorrente firmou acordo coletivo de trabalho com o sindicato da categoria à qual pertence a parte recorrida para que fosse suprimido o pagamento das horas in itinere e, em contrapartida, fossem concedidas outras vantagens aos empregados, “tais como ‘fornecimento de cesta básica durante a entressafra; seguro de vida e acidentes além do obrigatório e sem custo para o empregado; pagamento do abono anual aos trabalhadores com ganho mensal superior a dois salários-mínimos; pagamento do salário-família além do limite legal; fornecimento de repositor energético; adoção de tabela progressiva de produção além da prevista na Convenção Coletiva” (fl. 7, doc. 29).

O Tribunal de origem entendeu, todavia, pela invalidade do acordo coletivo de trabalho, uma vez que o direito às horas in itinere seria indisponível em razão do que dispõe o art. 58, § 2º, da CLT:

Art. 58 (…)

§ 2º O tempo despendido pelo empregado até o local de trabalho e para o seu retorno, por qualquer meio de transporte, não será computado na jornada de trabalho, salvo quando, tratando-se de local de difícil acesso ou não servido por transporte público, o empregador fornecer a condução.

O acórdão recorrido não se encontra em conformidade com a ratio adotada no julgamento do RE 590.415, no qual esta Corte conferiu especial relevância ao princípio da autonomia da vontade no âmbito do direito coletivo do trabalho. Ainda que o acordo coletivo de trabalho tenha afastado direito assegurado aos trabalhadores pela CLT, concedeu-lhe outras vantagens com vistas a compensar essa supressão. Ademais, a validade da votação da Assembleia Geral que deliberou pela celebração do acordo coletivo de trabalho não foi rechaçada nesta demanda, razão pela qual se deve presumir legítima a manifestação de vontade proferida pela entidade sindical.

Registre-se que a própria Constituição Federal admite que as normas coletivas de trabalho disponham sobre salário (art. 7º, VI) e jornada de trabalho (art. 7º, XIII e XIV), inclusive reduzindo temporariamente remuneração e fixando jornada diversa da constitucionalmente estabelecida. Não se constata, por outro lado, que o acordo coletivo em questão tenha extrapolado os limites da razoabilidade, uma vez que, embora tenha limitado direito legalmente previsto, concedeu outras vantagens em seu lugar, por meio de manifestação de vontade válida da entidade sindical.

4. Registre-se que o requisito da repercussão geral está atendido em face do que prescreve o art. 543-A, § 3º, do CPC/1973: “Haverá repercussão geral sempre que o recurso impugnar decisão contrária a súmula ou jurisprudência dominante do Tribunal”.

5. Diante do exposto, com base no art. 557, § 1º-A, do CPC/1973, dou provimento ao recurso extraordinário para afastar a condenação da recorrente ao pagamento das horas in itinere e dos respectivos reflexos salariais. Após o trânsito em julgado, oficie-se à Vice-Presidência do Tribunal Superior do Trabalho, encaminhando-lhe cópia desta decisão para as devidas providências, tendo em conta a indicação do presente apelo como representativo de controvérsia.

Observa-se, desse modo, que a tese da prevalência do negociado sobre o legislado já começa a ser sedimentada na jurisprudência do STF.

Para fins de concurso público, é importante acompanhar bem de perto as decisões do STF e do TST nos próximos meses, pois certamente teremos muitas novidades.


[1] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 15 ed. São Paulo: LTr, 2016, p. 1465-1466.

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