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Defensoria não deve atuar como ad hoc em audiência de carta precatória

Caio Paiva

Caio Paiva

04/10/2016

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Comecemos com o ponto pacífico deste tema: se o acusado não possui advogado constituído no juízo deprecante, estando, portanto, assistido por advogado dativo ou por defensor público, não há dúvida de que, devidamente intimada, a Defensoria Pública instalada no juízo deprecado deve comparecer na audiência. Neste sentido, estabelece o artigo 6º, § 2º, da Resolução 85/2014 do Conselho Superior da DPU, que

“Haverá atuação em carta precatória criminal, independentemente da necessidade econômica, em favor de acusado que indique previamente não dispor de advogado constituído ou que esteja assistido por Defensor Público ou advogado dativo nos autos do processo de origem, respeitada a prerrogativa de intimação pessoal do membro da Defensoria Pública da União, mediante entrega dos autos com vista”.

A questão se complica quando nos deparamos com a seguinte situação: o acusado possui advogado constituído na origem (juízo deprecante), o qual informa, porém, que não comparecerá ou, mesmo sem avisar, não comparece em audiência realizada no juízo deprecado. Diante deste cenário, pergunta-se: a Defensoria Pública pode atuar como ad hoc e assistir o acusado, portanto, exclusivamente neste ato?

Estamos longe de um consenso nas Defensorias quanto a esse ponto. Para se ter uma ideia da divergência de entendimentos, existem tanto Defensorias que estabelecem a obrigatoriedade de atuação dos defensores públicos em audiências com advogado constituído na origem[1] quanto Defensorias que proíbem expressamente essa atuação[2], havendo, ainda, Defensorias que deixam a opção de atuar a critério do defensor público[3]. Na doutrina, Soares dos Reis, Zveibil e Junqueira se manifestam contrariamente à atuação da Defensoria na hipótese em discussão:

“(…) Por isso, pelo menos numa primeira análise entendemos que, não sendo o defensor público mero auxiliar do Juízo, então não está obrigado a aceitar do Juízo a participação de ato como ad hoc; porque não é papel da Defensoria Pública legitimar um processo criminal com defesa deficiente”[4].

No mesmo sentido, já se manifestou a Corregedoria da DPE/SP, ressaltando, inclusive, que eventual pedido de condenação do acusado em honorários não alteraria o cenário:

“Ora, em absoluto, não deve ser interesse da Defensoria Pública Estadual, imbuída de atribuições sobremodo nobres, especialmente diante de presentes e agudas desigualdades sociais, a mera atuação suplementar da Advocacia privada.

De fato, se é certo que cabe à Defensoria Pública a defesa da pessoa acusada criminalmente que não constitui Advogado, independentemente de suas condições financeiras, não é menos correto afirmar que a mera constituição de defesa técnica privada, pelo réu, por si só, já afasta a atuação da Defensoria Pública, uma vez que afastado se estará qualquer fator de vulnerabilidade.

Nem há que se falar que o pedido de arbitramento de honorários em prol da Defensoria Pública, no caso de intervenção ‘ad hoc’ por um de seus membros, superaria esse entrave, pois, como acima apontado, a instituição não está prevista na Constituição, ou na lei, com tal finalidade.

Por outro lado, a atuação suplementar da Defensoria Pública do Estado poderia representar violação ao direito de defesa (técnica) do acusado, cujo Advogado constituído optou, quiçá por estratégia, por não comparecer à audiência deprecada, sendo que sua substituição abrupta e desinformada poderia gerar sérios ônus para a defesa almejada no caso sub judice”[5].

Do que temos até aqui, e avançando também com base em debates ocorridos no âmbito interno das Defensorias, podemos sistematizar a existência de pelo menos quatro entendimentos sobre o tema, sendo difícil apontar qual deles pode ser considerado o majoritário:

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Após refletir muito sobre esta controvérsia, tendo inicialmente me filiado ao Entendimento 1, acabei por aderir ao Entendimento 3, concluindo que a Defensoria Pública não deve atuar como ad hoc em audiências de carta precatória quando o acusado possua advogado constituído no juízo deprecante, permanecendo, assim, a obrigação de atuar nas hipóteses em que o acusado seja defendido no processo originário por advogado dativo ou por defensor público, ainda que de outra unidade da federação. Para fundamentar esta conclusão, apresento pelo menos três argumentos.

O primeiro argumento diz respeito à impossibilidade de se obter a assistência jurídica da Defensoria Pública de forma parcial, ou seja, para apenas algum ou alguns atos processuais, em concomitância com a assistência jurídica prestada pelo advogado constituído[6]. Não há previsão legal para uma assistência jurídica conjunta entre as defesas pública e privada, exceto, repita-se, quando a defesa privada seja decorrente da advocacia dativa, que também pressupõe a hipossuficiência financeira ou a inatividade processual do acusado.

O segundo argumento decorre da inviabilidade desta assistência jurídicaconjunta, que pode implicar em prejuízos para a defesa técnica do acusado. A atuação em audiências de carta precatória, em especial quando expedidas para oitiva de testemunhas arroladas pela defesa ou mesmo para que se proceda com o interrogatório do réu, requer uma uniformidade ou linearidade entre os defensores do juízo deprecante e do juízo deprecado, o que justifica, inclusive, uma relativização da independência funcional do defensor público que atua no juízo deprecado. Ocorre que esta relativizaçãoda independência funcional do defensor público que atua no juízo deprecado somente será admissível no contexto da atuação da Defensoria Pública, não havendo a possibilidade de que ela ocorra a partir da atuação de um advogado privado atuante no processo originário. Por isso, ainviabilidade da atuação da Defensoria Pública em audiências de carta precatória como ad hoc resulta da sua tendência em prejudicar o acusado, fragilizando a defesa técnica.

O terceiro e último argumento diz respeito à impertinência desta atuação, pois a contratação de um advogado pelo acusado configura a opção pela assistência jurídica privada, de modo que qualquer apoio operacional para atos processuais praticados noutras localidades deve ser praticado também por advogados, sejam eles nomeados ad hoc pelo juízo deprecado, sejam eles constituídos pelo réu mediante substabelecimento do advogado “principal”, com reserva de poderes, para atuarem apenas no ato processual deprecado. Qualquer proposta que atribua ao defensor público esta atuação, projetaria a imagem da Defensoria como um quebra-galho da advocacia privada, algo absolutamente impertinente e evitável pela instituição.

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Finalmente, é preciso ressaltar que o expediente utilizado por alguns juízes, de intimar a Defensoria Pública para a audiência no juízo deprecado, sem que previamente seja verificado se o acusado possui advogado constituído na origem, tratando-se, portanto, de uma intimação ad cautelam, não deve ser atendido pelo defensor público, que somente tem o dever de comparecer a atos processuais em que a sua presença seja obrigatória, e não condicionalà ausência da defesa constituída[7]. Assim, para que a Defensoria atue na audiência deprecada, o defensor público deve ser previamente intimado mediante remessa dos autos com vista, quando deverá verificar se o acusado possui advogado constituído na origem. Se esta informação não constar claramente nos autos, recomenda-se que o defensor público não se dê por intimado, requerendo nova vista do processo com o devido esclarecimento.

* Este texto foi extraído do livro que estou finalizando, com o título Defensoria Pública: Manual de Teoria e Prática Penal, a ser publicado em breve pelo Grupo Editorial Nacional.


1 Neste sentido, o artigo 6º, § 3º, da Resolução 85/2014 do CSDPU: “Nas cartas precatórias criminais, caso a ausência de assistência por advogado venha a ser constatada no ato da audiência, ou caso o advogado constituído pelo acusado, devidamente intimado, não compareça à audiência designada, a Defensoria Pública da União atuará desde que haja intimação pessoal de Defensor Público Federal mediante entrega dos autos com vista, obedecido o período mínimo de 48 (quarenta e oito) horas entre a comunicação judicial e a realização do novo ato”.
2 Neste sentido, o artigo 3º, caput, da Resolução 79/2015 do Conselho Superior da DPE/MT: “É defeso ao Defensor Público atuar em cartas precatórias em que houver atuação de advogado no processo originário”. E o seu § único: “Nesse caso, quando intimado, deverá declinar da nomeação dativa, solicitando a nomeação de um dos advogados da comarca, com arbitramento de honorários a serem pagos pelo réu”. Assim, também o artigo 4º do Provimento 04/2008 da Corregedoria-Geral da DPE/BA: “Em procedimentos criminais é vedado aos Defensores Públicos atuar como Defensores ad hoc quando haja advogado constituído nos autos, salvo tratando-se de carta precatória e o acusado já seja assistido da Defensoria Pública do Estado da Bahia ou de outras unidades da federação”. Também neste sentido o artigo 5º da Portaria 16/2011 da DPE/GO: “É vedado aos Defensores e aos Advogados da Defensoria Pública Estadual atuarem ad hoc quando haja advogado constituído nos autos, salvo nos casos de carta precatória, desde que a parte esteja assistida pela Defensoria Pública em outra unidade da federação”.
3 Neste sentido, o artigo 1º, § 4º, da Resolução 33/2012 do Conselho Superior da DPE/PI: “Em caso de carta precatória, como não há necessidade de manifestação fundamentada em defesa do acusado no juízo deprecado, o Defensor Público Criminal pode ser nomeado para o ato, caso não haja prejuízo à ampla defesa, ao contraditório e às prerrogativas funcionais, a critério do órgão de execução titular”.
4Comentários à Lei da Defensoria Pública. Saraiva: 2014, p. 300.
5 Ver Consulta 08, cujo entendimento da CG foi ratificado na Consulta 14/2014.
6 Interessante observar que o novo CPC prevê a gratuidade da justiça parcial: “A gratuidade poderá ser concedida em relação a algum ou a todos os atos processuais, ou consistir na redução percentual de despesas processuais que o beneficiário tiver de adiantar no curso do procedimento”. Não há — e nem poderia haver, na minha opinião — semelhante autorização para a assistência jurídica parcialmente gratuita, incumbindo à Defensoria Pública a atuação em apenas algum ou alguns atos, enquanto que o advogado constituído atuaria nos demais.
7 Neste sentido, a lição de Frederico Rodrigues Viana de Lima: “É desnecessário enfatizar que tal medida é ilegal, para não dizer desrespeitosa. Pretende-se utilizar o Defensor Público (e, por conseguinte, a Defensoria Pública) como um mero utensilio ou acessório do juízo, uma vez que a sua serventia somente ocorrerá caso haja a ausência do defensor constituído pela parte. (…) O dever de participar dos atos processais se transmuda em garantia porque assegura que o Defensor Público somente comparecerá ao juízo quando a sua presença for obrigatória. Isto é, nas hipóteses em que o comparecimento à audiência suceder porque o acusado será, de fato, defendido pela Instituição. A adoção destes expedientes (participação condicional a atos processuais) transforma a Defensoria Pública em órgão meramente auxiliar do juízo, negando-lhe a condição inata de função essencial à Justiça. Portanto, se não é obrigatória a presença ao ato processual, porque a participação do Defensor Público é meramente eventual — condicionando-se à ausência do advogado do réu —, o dever de comparecimento previsto na Lei Complementar se transforma na garantia do não-comparecimento” (Defensoria Pública. 4ª ed. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 426). No mesmo sentido, cf. SOUZA, Fábio Luís Mariani. A Defensoria Pública e o Acesso à Justiça Penal. Porto Alegre: Núria Fabris, 2011, p. 179.

Texto publicado pela Revista Consultor Jurídico, 29 de março de 2016, 9h21


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