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PROCESSO PENAL

A decisão do STF acerca do cumprimento da pena após o julgamento de 2º grau de jurisdição e a presunção de inocência

2º GRAU DE JURISDIÇÃO

CUMPRIMENTO DA PENA

DECISÃO DO STF

JULGAMENTO

PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA

Guilherme de Souza Nucci

Guilherme de Souza Nucci

11/10/2016

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A ampla defesa é um princípio majestoso, pois antigo e tradicional, filho dileto do devido processo legal. Qualquer país que se pretenda Estado Democrático de Direito precisa adotá-lo em sua Constituição e manter-se fiel a ele na legislação ordinária. A condenação somente poderá ser considerada, além de legal, legítima, quando a ampla defesa foi conferida ao réu.

Porém, o princípio não é absoluto, cedendo espaço a outros institutos importantes, como a necessidade da prisão cautelar, além de se poder tomar outras medidas constritivas contra o acusado, sem que ele tenha, antes, oportunidade de se defender. Esse é o exemplo de uma escuta telefônica ou da expedição de mandado de busca e apreensão. Não se avisa antes o objeto da escuta, nem se lhe confere o direito de defesa. Quando a prova for produzida, terá ele a oportunidade de contrariá-la (princípio do contraditório), conferindo valor à ampla defesa.

Se um princípio torna-se pétreo e inflexível, outros serão afastados ou tornar-se-ão inúteis. Quer-se com isso dizer que a defesa é preciosa, mas não eterna, permanente e infinita.

Em determinado momento, há de se saber se o réu é culpado ou inocente. Por isso, a Constituição Federal consagrou o princípio da presunção de inocência. Somente se considera culpado o réu, quando a decisão condenatória transitou em julgado.

No passado, entendia-se que o acusado, valendo-se do duplo grau de jurisdição (princípio muito relevante também), tinha o direito de obter, após sua condenação, a reavaliação do seu caso por um tribunal superior. Este tribunal deveria ser um colegiado e discutiria todas as questões de direito e de fato a ele colocadas pela parte interessada. Pois bem. Findo o julgamento em 2o grau, encaminhava-se o processo para a execução da pena, em particular, quando havia ordem de prisão. Afinal, os denominados recursos especial (dirigido ao STJ) e extraordinário (dirigido ao STF) não tinham efeito suspensivo, permitindo executar desde logo o julgado. Aliás, excepcionalmente, tais recursos, interpostos pelo acusado, eram providos.

O STF chancelava esse entendimento, quando alterou, há alguns anos, o seu entendimento, baseado na interpretação (nova avaliação) do princípio da presunção de inocência. Deliberou o Plenário daquela Corte, à época (2009), que ninguém pode cumprir pena, sendo considerado, ainda, inocente, pois a decisão (com a interposição de recursos especial e extraordinário) não havia transitado em julgado.

Em decisões recentes (ambas de 2016), o Plenário, com outra composição, chegou à conclusão de que a primeira postura do Pretório Excelso era a correta, autorizando o cumprimento da pena após a decisão de 2o grau, porque os recursos especial e extraordinário não possuem efeito suspensivo, dentre outros argumentos.

Pergunta-se: qual decisão mais adequadamente interpretou o princípio da presunção de inocência? Somos levados a crer que a segunda posição é a mais harmônica com o texto constitucional (somente se cumpre pena após a cessação de todos os recursos). Se Fulano é criminalmente processado e, enquanto o trâmite processual transcorre, é constitucionalmente considerado inocente, por óbvio, não pode cumprir pena. Pode até ser cautelarmente preso, mas isso não significa cumprimento de pena.

Na realidade, não importa o que ocorre nos demais países do mundo, porque todos eles não possuem a cláusula pétrea e constitutiva de direito individual a respeito da presunção de inocência até o trânsito em julgado da decisão condenatória.

O status de culpado é encontrado com o trânsito em julgado da decisão condenatória. Assim sendo, somente quando não couber nenhum recurso contra a referida decisão. Pouco importa se os recursos especial e extraordinário interpostos pela defesa não têm efeito suspensivo, pois o centro da questão não é esse, mas o seguimento a princípio constitucional. Noutros termos, inocentes não cumprem pena.

Afirmar que inexiste na lei um conceito preciso de “trânsito em julgado” significa, na prática, ignorar todos os estudos doutrinários, que facilitaram a opção constituinte de citar um ponto pacífico, ou seja, a decisão transita em julgado quando não há mais recursos possíveis para contrariá-la. Se deve haver lei para definir o que significa coisa julgada material, a Constituição Federal não teria somente as centenas de artigos, que possui, mas muito mais, a fim de definir cada termo ou cada expressão.

Afirmar que o princípio da presunção de inocência é somente uma regra, com a devida vênia, constitui meio caminho; afinal, o disposto no art. 5o, LVII da CF não encontra aplicação direta. Noutros termos, se não for um princípio a ser perseguido pelo ordenamento jurídico, regra também não é, pois não tem valor de per si. Então, parece-nos bem claro tratar-se de um princípio: um horizonte a ser perseguido pelas leis infraconstitucionais.

Então, a última decisão do STF é inadequada ou até mesmo inconstitucional? Mais uma vez, somos levados a lembrar da função política atribuída ao Pretório Excelso. Cabe-lhe verificar se determinada norma fere o texto constitucional. Desse modo, quando lhe chegou ao conhecimento a existência de prisão cautelar em confronto com a presunção de inocência, a sua resposta foi bem clara: os institutos não se misturam. Prender alguém por cautela, a fim de se garantir correta instrução do feito, não significa considerá-lo culpado.

Em verdade, o STF privilegiou a segurança pública em detrimento do direito à liberdade, considerando-se que normas constitucionais harmonizam-se, mas não devem excluir umas às outras, pois seria impossível cumprir todos os conteúdos existentes nos artigos da Carta Magna. Cuida-se do quadro político-social vivido pelo nosso país nos dias de hoje.

Tornando à questão da execução da pena, baseado no efeito meramente devolutivo dos recursos especial e extraordinário, houve por bem o Pretório Excelso afirmar a viabilidade de se cumprir a decisão proferida em 2o grau de jurisdição (respeitou-se o princípio do duplo grau de jurisdição), pois as Cortes Superiores não tratam de fatos, mas somente de direito. Logo, pelos fatos interpretados, o acusado é culpado e o STJ ou o STF não pode rever tal interpretação.

Ademais, se grave lesão à legalidade houver, o interessado pode impetrar habeas corpus junto aos Tribunais Superiores.

A função do recurso especial é preservar a lei federal e a uniformidade de decisões estaduais ou regionais. A meta do recurso extraordinário é preservar o texto constitucional.  Não se reavalia o fato criminoso.

Um fato, considerado no julgamento do Pretório Excelso, é absolutamente verdadeiro: quem usa, realmente, os recursos especial e extraordinário é o Ministério Público. O acusado, quando o problema concreto é sério, serve-se do habeas corpus. Diante disso, a prática demonstra serem os recursos especial e extraordinário, nas mãos da Defesa, mero instrumento protelatório.

A bem da verdade, a decisão tomada recentemente faz parte da política criminal atual do Pretório Excelso, visando ao combate do mau uso dos recursos especial e extraordinário pelos réus, que, mesmo sabendo da sua inutilidade, os apresentava com o propósito único de postergar o trânsito em julgado, atingindo a prescrição e consagrando a impunidade. Uma decisão calcada, sem dúvida, no combate à impunidade. Segundo nos parece, o julgado proferido pelo STF decorre da mentalidade hoje reinante no Brasil de combate à impunidade a qualquer custo, um dos frutos da chamada Operação Lava Jato. Somente o futuro demonstrará se essa operação efetivamente produziu frutos positivos. Eventualmente, dentre os tais frutos positivos, podem ser encontrados os frutos podres das provas ilícitas ou de abusos de autoridade. Esperamos que não ocorra, a fim de não gerar enorme frustração nos meios jurídicos e, no final das contas, à sociedade.

Formalmente, somos levados a crer que a referida decisão do STF feriu o princípio da presunção de inocência, que aponta o trânsito em julgado como marco para se considerar o acusado culpado. Até lá, inocente que é, não pode cumprir pena.

Materialmente, o STF levou em conta a má-fé de inúmeros réus, que sabem inexistir base alguma para os recursos especial e extraordinário, mas o objetivo é fustigar a justiça e abraçar a impunidade. Levou em conta também a ideia de que o legislador nada faz no processo penal há anos, concorrendo para um Código ultrapassado, que não mais atende a modernidade das situações. Logicamente, percebeu que o número de recursos (especial e extraordinário) provido é pífio, logo, a massa de recursos é protelatória.

A Colenda Corte avaliou, ainda, que uma decisão proferida em 2o grau já traz elementos suficientes para quebrar a presunção de inocência, induzindo a presunção de culpa, muito embora o texto constitucional afirme o contrário. Eis que surge a regra de que nenhum princípio é absoluto. A segurança pública também exige o fim da impunidade e ela consta da Constituição Federal como um dever de todos. Outro ponto levado em conta é justamente o caráter cautelar de várias prisões, decretadas por meses ou anos, quando nem mesmo condenação existe, não ferindo a presunção de inocência. Finalmente, segundo cremos, o STF sabe que decisões teratológicas, trazendo absurdas condenações, calcadas em questões de direito, podem ser combatidas, como já mencionado, pelo habeas corpus, independentemente de recurso especial ou extraordinário.

Em suma, não vemos com surpresa a decisão última do STF, permitindo a execução da decisão condenatória após o julgamento em 2o grau, pois assim já acontecia, mesmo durante a vigência da CF de 1988 e, atualmente, a sociedade está francamente favorável ao término da impunidade por meios e subterfúgios que, embora legais, são ilegítimos e utilizados de má-fé.

Surge uma questão: até quando o Direito conseguirá sustentar a absoluta legalidade, sem inovar na interpretação ou aplicando na maior parte das vezes a interpretação literal? Quando se depara o Judiciário com os outros Poderes da República encastelados nas bases da corrupção; quando os chefes de outros poderes estão em dívida perante a sociedade em matéria de cumprimento das leis e também em nível ético; cabe-lhe, como Poder de Estado que é, cuidar da situação para que as instituições não enfrentem completa falência diante do brasileiro comum, que paga seus impostos e quer de volta serviços públicos eficientes.

Não podemos infantilizar a visão que se tem do Pretório Excelso. É, foi e sempre será um Tribunal Constitucional, com política criminal própria, cujas decisões respeitam exclusivamente o conteúdo da Carta Magna, extraindo, por interpretação, de suas normas, a base para a aplicação da lei ordinária. Foi o que fez o STF desta vez.

Essa visão poderá mudar no futuro. Aliás, se uma reforma processual realmente contemplasse a correta utilização dos recursos ou alterasse as fórmulas da prescrição, possivelmente, a pena somente seria cumprida quando houvesse o trânsito em julgado da decisão condenatória. Estamos passando pela transição processual penal sem o advento de uma reforma legislativa. Quem está reformando o processo penal são os tribunais, especialmente os Superiores.

Aos que estimam essa fórmula de dar a última palavra, concedida pela própria CF, ao Supremo Tribunal Federal, a decisão tomada não causou perplexidade; aos que preferem um STF umbilicalmente ligado à interpretação tradicional dos institutos e também conectado à legalidade estrita, a decisão causou repulsa e rejeição. No entanto, embora tenhamos a opinião de que o princípio da presunção de inocência sofreu um duro revés, somos levados a nos curvar, pois é esse o motivo de existir uma Corte Suprema em nosso sistema judiciário.


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