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Processo Administrativo: pontos controvertidos

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LEI 9.784/99

LEI GERAL DE PROCESSO ADMINISTRATIVO

PROCESSO ADMINISTRATIVO

Irene Patrícia Nohara

Irene Patrícia Nohara

17/11/2016

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A Lei Geral de Processo Administrativo é do final dos anos 90. Pode ser considerada a primeira lei brasileira sobre o assunto? Em relação aos demais países, não foi tardia a criação de nossa lei?

Sim. A lei federal, de número 9784, é de 1999. Foi a primeira lei geral de processo administrativo no Brasil. Esse movimento é tardio em relação aos demais países do mundo. Para se ter dados de comparação: a APA (Administrative Procedure Act), lei de processo administrativo dos Estados Unidos, é de 1946, sendo atualmente integrada ao United States Code of Administration, a lei alemã (Verwaltungsverfahrensgesetz, conhecida pela sigla VwVfG) é de 1976, tendo sido a primeira codificação de procedimentos dos órgãos públicos federais, mesmo em relação a países latino-americanos, que estão mais próximos de nós, a lei brasileira é tardia, pois a Argentina, por exemplo, foi de 1972.

Qual a abrangência da lei? Ela é federal, certo?

Quando da discussão sobre a elaboração da lei havia a disseminação da vontade de se criar um código unificador de processos para todas as Administrações dos distintos entes, mas logo tal ideia foi refreada pelo fato de que processo administrativo é matéria de tratamento de cada ente federativo, por isso que a Lei n. 9784 é federal, sendo que os demais entes federativos possuem competência para elaborar as próprias leis de processo administrativo. No caso do Estado de São Paulo, por exemplo, a Lei é a 10.177/98.

Mas já houve o reconhecimento da aplicação da lei federal de processo administrativo para outros entes federativos?

Sim, há entendimentos doutrinários que defendem a aplicação da lei federal, sobretudo se houver lacunas ou ausência de regulamentação pelos demais entes, e também jurisprudências, principalmente no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que na ausência de lei estadual específica, pode a Administração estadual rever seus atos no prazo decadencial previsto na lei federal.

Como avalia esse tipo de decisão?

Acho sempre problemática, tendo em vista os limites do federalismo. A Carmen Lúcia, em conhecido artigo sobre princípios do processo administrativo, analisa que as competências privativa da União para legislar sobre direito processual e concorrente, contidas, respectivamente, nos artigos 22, I, e 24, XI, da Constituição, não alcançam processo administrativo, mas apenas processo judicial (civil ou penal), por conta da autonomia que cada ente federativo tem para regular os procedimentos que lhes são inerentes. Autonomia inclui autoadministração e também autolegislação, conforme a divisão de competências feita pela Constituição. O que eu observo esses anos todos de contato com o Direito Administrativo é o frequente desrespeito à estrutura federativa e à autonomia que dela decorre em determinados assuntos da matéria. Mesmo em matéria de licitações e contrato, que, pela Constituição abrangeria normas gerais nacionais, conforme art. 22, XXVII, dando possibilidade, portanto, de adequação à realidade regional ou local, há aplicação de normas específicas em caráter nacional e a proposta que pretende criar uma nova lei, que tramita com intensidade, segue essa tradição de disciplinar de forma pormenorizada, inclusive no substitutivo ao projeto 559, com valores de dispensa aplicáveis com critérios variados, delimitados em âmbito nacional aos distintos Municípios. Ainda, a Lei de Parcerias com o terceiro setor foi pormenorizada aos Municípios e valerá, em âmbito local, no começo do ano que vem, alterando toda uma sistemática de celebração de convênios, sem que ninguém tenha se debruçado mais seriamente, ou melhor, que tenha sido ouvido seriamente, digamos assim, sobre a questão da repartição de competências e da possibilidade da edição de um marco normativo que também discipline a realidade municipal… Ora, não se trata de discutir o mérito de tais diplomas legislativos, muitos dos quais contemplam realmente avanços, mas somente a abrangência nos quadros do sistema constitucional de repartição de competências… Assunto que é frequentemente desprestigiado por uma tradição centralizadora no Brasil que encontra eco tanto na doutrina quanto na jurisprudência.

Isso ocorre só no Brasil?

Parece que não, pois, curiosamente, há interpretações na Alemanha, por exemplo, que estendem a aplicação de sua lei geral de processo administrativo, inclusive para locais que não tenham suas leis particulares. É paradigmático o caso de Berlim, por exemplo, que, em vez de aprovar lei própria, faz referência direta aos dispositivos da lei federal. Mas o federalismo é questão levada à sério na Alemanha, apesar dessa circunstância particular.

E a questão da aplicação subsidiária do CPC aos processos administrativos?

Esse é um ponto que suscita controvérsias e que, por isso mesmo, foi alvo de uma ADI (a de número 5492) questionando a abrangência de aplicação do novo CPC aos processos administrativos de cada ente federativo. O art. 15 do Código de Processo Civil determinou que na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições do Código serão aplicadas supletiva e subsidiariamente. Houve o questionamento quanto à pretensão de se aplicar regras do Código de Processo Civil, que são regras de âmbito nacional, para os processos administrativos dos demais entes federativos.

Seria adequada essa possibilidade? Há diferenças entre os assuntos? 

Entendo que não é totalmente adequado, porque realmente há muitas diferenças entre processo civil e processo administrativo. Enquanto o processo civil é triangular, iniciado por provocação, baseado, como regra geral, no princípio do dispositivo, formal, com obrigatoriedade da presença de advogado, proibição de reformatio in pejus e regrado por um CPC de abrangência nacional, o processo administrativo, por sua vez, é bipartite, iniciado de ofício ou por provocação, frequentemente veicula interesses indisponíveis, por isso que a lei determina que a desistência ou a renúncia não obstam o prosseguimento diante do interesse público envolvido, baseado no formalismo moderado, busca a verdade material, proíbe apenas a modificação que prejudica a situação do interessado no caso do recurso de revisão, e baseado em leis que são editadas por cada ente federativo. Mas há muitos advogados interessados nessa abertura de diálogo obtida pela aplicação supletiva, pois com ela se multiplicam as possibilidades de interpretações que auxiliam na defesa em processos administrativos…

Quais os principais avanços da lei de processo administrativo que já tem seus dezessete anos de existência?

Os ganhos foram muitos. Ora, foram previstos direitos dos administrados, deveres mais claros da Administração, regras de impedimento e suspeição, veiculação de princípios novos, previsão de regras de participação popular na discussão de assuntos de relevância coletiva, mas, não obstante todos esses ganhos de um regramento mais preciso, ainda assim há muitas Administrações federais que ainda não respeitam a integralidade da lei…

Pode dar um exemplo de desrespeito?

Sim. A lei prevê como corolário da segurança jurídica que não será permitida aplicação retroativa de nova interpretação por parte dos órgãos administrativos. Está previsto, em âmbito federal, no art. 2?, parágrafo único, XIII, da Lei 9.784/99. Há, no entanto, órgãos de fiscalização e de controle de qualidade de periódicos e revistas científicas que interpretam, em âmbito federal, que uma revista que seguiu parâmetros totalmente compatíveis com critérios delimitados em determinações anteriores e que fazia jus à melhor classificação, não terá mais a melhor classificação, porque não se adequa aos novos critérios, que incluem um parâmetro novo, daí a revista é rebaixada e todos os que publicaram nela vão sofrer esse rebaixamento retroativo em conjunto, em publicações passadas, o que é desrespeitador à lei de processo administrativo, que tem aplicação subsidiaria a todos os processos específicos… Quero aqui esclarecer que mudar a interpretação é possível, claro, pode haver novos parâmetros sim, mas, o que não pode é que os efeitos da nova interpretação sejam aplicados também para situações do passado e os programas de pós-graduação são avaliados por publicações ocorridas no passado, porque isso gera insegurança e instabilidade, daí a proibição expressa da lei nesse sentido, que frequentemente é ignorada…

Acha que a lei de processo administrativo será alterada nesse contexto de intensivas modificações na área do Direito Administrativo?

Acho que não. Há muitas alterações que estão em curso. Por exemplo, a alteração da lei de licitações e contratos, havia o trâmite acelerado da nova lei das estatais, a regulamentação da lei anticorrupção, houve debate sobre acordo de leniência, em medida provisória não convertida, mas a lei de processo administrativo é uma lei bem elaborada, sólida e que deixa também bastante margem de discricionariedade, então, não acredito que será modificada no atual contexto de aceleradas alterações no Direito Administrativo brasileiro, pode haver sim o surgimento de novos procedimentos, específicos, que irão conviver com o regramento geral da lei.

Tem algum ponto que poderia ter sido melhor tratado na lei?

Sim. Apesar de ser, das leis existentes na área, uma das mais elogiáveis, um ponto que deveria ter sido melhor tratado foi o assunto das sanções. O direito sancionatório no Brasil ainda é um assunto que mereceria uma disciplina mais parametrizada e a lei colaboraria se tivesse avançado mais nesse ponto, pois só há um artigo, bastante genérico e incompleto sobre o assunto, que é o art. 68 da lei. Teria sido um serviço ao País se houvesse um regime jurídico mais pormenorizado quanto à imposição de sanções na área do Direito Administrativo e a lei de processo administrativo, que trouxe muitas conquistas, foi lacunosa nesse ponto em particular.

Fonte: Carta Forense


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