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No Centenário de Pontes de Miranda

PONTES DE MIRANDA

Caio Mário da Silva Pereira

Caio Mário da Silva Pereira

09/12/2016

Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda foi poeta, matemático, sociólogo, artista, físico, professor, filósofo, advogado, embaixador, juiz, internacionalista, historiador, jurista.

Eu me abstraio, aqui, no polimorfismo de todas essas categorias humanas, para deter-me na figura ímpar de “Pontes de Miranda Jurista”.

Precoce na produção intelectual, prematuro fora no nascimento com menos de sete meses de gestação, nasceu Pontes de Miranda no lugar Mutange, Maceió, aos 24 de abril de 1892. Viveu a infância no Engenho Freixeira, em família abastada, e em ambiente intelectual.

Naquele final de século XIX florescia na Alemanha a Escola Pandectista com Glück (Erläuterung der Pandekten); Puchta (Pandekten); Vangerow (Leitfaden für Pandektenvorlesungen); Arndts (Lehrbuch der Pandekten), Brinz (Lehrbuch der Pandekten); Windscheid (Lehrbuch der Pandekten) Wächter (Pandekten); Dernburg (Pandekten); Wendt (Lehrbuch der Pandekten); Holder (Pandekten); Regelsberger (Pandekten) – e tantos mais.

No mesmo ano do nascimento de Pontes, morria Rudolf von Jhering, que haveria de influir na “direção evolucionista”, ou “jurisprudência teleológica”, com sua obra histórico-evolutiva do “Espírito do Direito Romano” e sobretudo com a “Finalidade do Direito” (Der Zwech im Recht). Quatro anos após, publicava-se o Código Civil para toda a Alemanha, como postulara Thibaut em oposição a Savigny que se opusera a essa ideia.

Por que toda essa aproximação? Seria mera coincidência cronológica? Ou haveria aí uma predestinação conceituai, que os gregos resumiam no vocábulo “anankè” e os latinos debitavam à fatalidade – fatum?

Verdade é que os fatos humanos ocorrem subordinados a uma força atrativa, que obedece a um conteúdo gravitacional sociológico. Verdade também é que a doutrina de Pontes de Miranda, e suas visões na formulação e desenvolvimento dos conceitos, desde seus primeiros trabalhos, revelam a fonte germânica de sua formação cultural.

Prestando seus exames para ingresso na histórica Faculdade de Direito do Recife, aos 14 anos de idade, recebeu grau em 1911.

Seu pai, Manuel Pontes de Miranda, professor de matemática, ofereceu-lhe lugar no corpo administrativo de um banco em Maceió. O jovem bacharel Pontes de Miranda recusou, manifestando desejo de vir ao Rio de Janeiro, desde que o pai lhe adiantasse quantia suficiente para sua manutenção por três meses.

Chegado ao Rio, pôs-se a lecionar latim e grego. Escrevendo artigo sobre questão ligada aos problemas jurídicos suscitados pela abertura do Canal do Panamá, ofereceu-o ao “Jornal do Brasil”, o que lhe valeu, além de publicado, a oferta de uma sala no velho edifício, onde se instalou como advogado. Em sua primeira causa, defrontou-se com Rui Barbosa, que pouco depois, referindo-se à “Moral do Futuro” escrito por Pontes de Miranda em 1913 (prefaciado por José Veríssimo), aponta no jovem autor “o gosto pela meditação filosófica”, e enfatiza as qualidades invulgares já reveladas.

Formado de pouco, recém-instalado na Capital da República, publica, em 1912, “A Margem do Direito” (Ensaio de Psicologia Jurídica), em que Clóvis Beviláqua, no auge então de sua posição de jurisconsulto exemplar, apontava “a agudeza de mente e bom preparo científico do autor”, ao mesmo tempo em que salientava “a unidade fundamental dos fenômenos servindo à unidade da ciência”.

Entrando em vigor o Código Civil em 1917, Pontes de Miranda publica no mesmo ano o seu “Direito de Família” (a meu ver um de seus melhores livros) em que revela a plena consciência dos princípios e discorre da matéria com a segurança que permitiria sua reedição em 1947. Nesse livro pioneiro de seu ingresso na seara civilista, Pontes “surpreende” (como ele mesmo diz nas páginas da apresentação) “surpreende as disposições lacunosas ou contraditórias, ao lado das fórmulas verdadeiramente sábias, e de onde em onde as jacas, as erronias denunciadoras de escassas noções jurídicas”. Em linguagem crítica, refere-se ao Código recém-publicado: “Entre a obra estética de Rui Barbosa e o plano, as ideias, as inovações conscientes e a boa doutrina que o trabalho de Clóvis Beviláqua e vários pontos continha, houve o empecilho formidável, capaz de deteriorar, até aos fundamentos, a mais grandiosa construção jurídica: – a ação das maiorias legislativas, que não têm a maturação das ideias necessária à consciência de sua responsabilidade”.

Promovendo Paulo de Lacerda a edição de um grande tratado coletivo, subordinado ao título genérico “Manual de Direito Civil” (conhecido até hoje pelo codinome “Manual Lacerda”), Pontes de Miranda é convidado a nele colaborar, comparecendo com as partes “Dos Títulos ao Portador”, “Da Promessa de Recompensa”, “Das Obrigações por Atos Ilícitos”.

Influenciado pela escola germânica que se universalizava com o “Burgerliches Gesetzbuch” de 1896, penetra a fundo no Direito Privado, oferecendo ao público o “Tratado dos Testamentos”, o “Tratado de Direito Predial”, o “Tratado de Direito Cambiário”. Em 1922 publica “Sistema de Ciência Positiva do Direito”, composto de uma “Introdução à Ciência do Direito” e uma “Investigação Científica e Política Jurídica”. Em 1928, publica “Fontes e Evolução do Direito Civil Brasileiro”, que sua viúva, D. Amneris Pontes de Miranda, reeditou em 1981, incluindo anotações do autor posteriores à primeira edição, e assumindo ela mesma as responsabilidades pela sua revisão.

Inicia Pontes de Miranda (1919 a 1923), e ainda inédito, um minucioso Dicionário Jurídico, conservado em manuscrito na biblioteca em que trabalhou e produziu grande parte de sua obra.

Agrupando todas essas produções monográficas, vem a compor o enorme “Tratado de Direito Privado”, com 60 volumes, publicado a partir de 1954 e encerrado em 1969, enfeixando as instituições privatísticas em um todo sistemático.

Pontes de Miranda foi professor de Direito Internacional Privado na “Académie de Droit International de la Haye”, em 1932. Como tal, não poderia deixar de trazer sua contribuição a este novo ramo da ciência jurídica. Aí estão, a testemunhá-lo, “La Conception du Droit International Privé d’après la Doctrine et la Pratique au Brésil” (Paris, 1933). No mesmo rumo “La Création et la personnalité des Personnes Juridiques”, in Mélanges Streit, Atenas, 1939. No Brasil, publica “Tratado de Direito Internacional Privado” (1935) e “Nacionalidade de Origem e Naturalização no Direito Brasileiro” (1936).

Juiz de Órfãos em 1924; Juiz de Testamentos; Desembargador do Tribunal de Apelação em 1939, suas decisões em primeira e em segunda instância registradas nos repositórios de jurisprudência, atestam seu espírito inovador, como por exemplo, em matéria de suspensão do pátrio poder, quando proclama que o dispositivo do Código Civil, que o permite, não assenta no passado, mas pode ser invocado preventivamente, antes que o abuso paterno se consume (Revista Forense, vol. 44/81).

Como criminalista, Pontes de Miranda abordou na juventude a “História e Prática do Habeas Corpus” (1916). Como justrabalhista, escreveu “Direito à Subsistência e Direito do Trabalho” (1933) e “Os Novos Direitos do Homem” (1933), sendo de salientar o Simpósio que o Instituto dos Advogados Brasileiros e a Academia Nacional de Direito do Trabalho estão a promover, para dar relevo à “contribuição pioneira de Pontes de Miranda ao Direito do Trabalho”.

Pontes de Miranda foi chefe da Delegação Brasileira à XXVI Sessão da Conferência Internacional do Trabalho (New York, 1942) e representante do Brasil no Conselho Administrativo da Repartição Internacional do Trabalho (Montreal, 1941-1943).

Sua atividade como processualista se faz presente em “História e Prática do Arresto ou Embargo”; em “Ação Rescisória contra Sentenças”; “Embargos, Prejulgado e Revista no Direito Processual Brasileiro”. Como outra obra de fôlego, compôs os “Comentários ao Código de Processo Civil Brasileiro” em 15 volumes, em edição dedicada ao Código de Processo Civil de 1939, em o qual se revela o seu pioneirismo em relação à doutrina com que Giuseppe Chiovenda revolucionou a processualística moderna. Ao entrar em vigor o novo Código, de 1973, Pontes de Miranda dedica-se ao seu “Comentário”, com toda a bagagem de informações científicas e espírito crítico. Neste mesmo plano está o “Tratado das Ações”, em que revela a originalidade da classificação que adota.

Foi sempre um hábito, de quem se referia a Pontes de Miranda, tratá-lo de “Embaixador”. Quando lhe perguntei como ele mais apreciava ser tratado, respondeu-me ser esse título muito de seu agrado. E com razão. Em momentos vários de sua vida, recebeu o honroso encargo de representar o Brasil, em Congressos, em Conferências internacionais, em representação diplomática no exterior. Delegado do Brasil na Conferência Internacional sobre navegação aérea; Ministro plenipotenciário de Ia classe em 1939; Embaixador em Comissão, 1939/40; Embaixador na Colômbia, 1940/41; Chefe da delegação brasileira à XXVI Sessão da Conferência Internacional do Trabalho, New York, 1941; Representante do Brasil no Conselho Administrativo da Repartição Internacional do Trabalho em Montreal, 1941; no posto até 1943; Pontes de Miranda atuou nos prélios internacionais.

Por último devo-me referir a Pontes de Miranda constitucionalista. Não é menor a sua contribuição neste setor.

Com as “Preliminares para a Revisão Constitucional atendeu a inquérito a que responderam os “escritores nascidos com a República” reunidas as pesquisas num volume sob o título “À Margem da História da República” publicado em 1924, antecedendo à revisão constitucional promovida no Governo do Presidente Arthur Bernardes (reforma constitucional de 1926).

Publicada a Constituição de 1934, Pontes de Miranda teceu-lhe comentários em dois volumes, revelando a sua familiaridade com o movimento publicístico europeu a que não esteve ausente a Constituição de Weimar (Rio de Janeiro, 1934/35).

Volta ao Direito Constitucional com os “Comentários à Constituição de 10 de novembro de 1937\ de que vieram a lume os volumes I e III (1938). Outorgada em moldes notoriamente poloneses, foi a Carta básica do regime ditatorial estadonovista, que somente haveria de terminar pela deposição de Vargas, quando os ventos democráticos vinham do hemisfério norte, trazendo notícias das vitórias contra o nazi-fascismo europeu.

Sua grande obra, nesta área, foram sem dúvida os “Comentários à Constituição de 1946” com duas edições, em 5 volumes. Num juízo de valor, Pontes considera essa Constituição “a mais complexa das Constituições americanas”. Trabalhando sem qualquer cooperação, reporta-se ao que a doutrina e a justiça produziram de mais relevante, realizando obra de extrema utilidade ao entendimento das inovações contidas naquela Carta. Precede aos Comentários uma introdução que descreve a História do Direito Constitucional Brasileiro, sintetizando a essência do novo diploma, ao dizer: “Ainda que tendente à volta a 1891, a Constituição de 1946 representa a maior parcela nos três caminhos-democracia, liberdade, igualdade”.

Novos rumos percorreu a vida política do País. A Constituição de 1946, promulgada no período de retorno às liberdades constitucionais, reconquistadas após o regime autocrático estadonovista e à ditadura Vargas, veio marcada pelo excesso de liberalismo, que avançou ganhando intensidade. Foi nesse período que se verificou o Governo Constitucional de Getúlio Vargas, repentinamente interrompido pelo seu dramático suicídio, seguido dos distúrbios que marcaram o Governo de Café Filho, a tentativa de Carlos Luz, o equilíbrio institucional de Nereu Ramos, o governo desenvolvimentista de Juscelino Kubitschek, a grande esperança nos propósitos de Jânio Quadros, e a grande decepção nacional com a sua renúncia. Ensaia-se um regime parlamentarista de ocasião, assume o poder João Goulart com ideias de retorno ao presidencialismo, democracia corporativista e instabilidade institucional, enfrentada por movimentos populares e por pregação defensiva, culminando com a ruptura do regime.

Inicia-se o período militar de 1964, cuja primeira fase á representada pelo* legalismo de Castelo Branco e o bom-mocismo de Costa e Silva, em cujo Governo o País tentou o retorno democrático com a reforma constitucional de 1967, mas mergulhou nas sombras do AJ-5.

Não faltou Pontes de Miranda com seu trabalho de hermenêutica da nova Carta. Nas entrelinhas dos seis volumes de “Comentários à Constituição de 1967” (Revista dos Tribunais, 1967) já se vê a preocupação do jurista em fornecer ao leitor “a maior cópia de informações úteis do direito constitucional de outros povos”. Numa visão global analisa a Constituição de 1967 dizendo-a “algo intermediário entre o norte-americano do século XVIII e o europeu de após a primeira e a segunda Guerra”.

Numa premonição do que viria a ocorrer, Pontes escreveu: “Nada mais perigoso do que fazer-se Constituição sem o propósito de cumpri-la. Ou de só se cumprir nos princípios de que se precisa, ou se entende devam ser cumpridos -o que é pior”.

Como trabalho técnico, como obra de jurista, as duas coleções de Comentários às Constituições de 1946 e de 1967 representam massa de informações de tão alto nível, que nenhuma obra se pode escrever no Brasil, neste campo da atividade jurídica, sem consulta ao conteúdo científico-constitucional de um e de outro.

Sobreveio a Constituição de 5 de outubro de 1988. Sub-seguindo ao regime militar durante o qual sofreram um eclipse os poderes institucionais da República, notadamente implantado no Poder Legislativo, os elaboradores da nova Carta produziram trabalho que sofreu influências espúrias. Daí resultou uma Constituição polêmica, extensa, e controvertida. Não se pode condená-la em bloco, nem é merecedora de totais elogios. Obra humana, e marcada de falhas devidas à conjuntura na qual foi votada, necessita de esclarecimentos e de explicações.

Nesta hora, enorme falta faz Pontes de Miranda, com sua cultura, com sua experiência, com sua visão política e social do País, para trazer sábia palavra, que viesse ajudar o trabalho hermenêutico dos novos preceitos, naquele sentido de “construção” (construction) que a interpretação da norma legal recebe na dogmática norte-americana, como se deu com o Chief Justice Marshall nos Estados Unidos, e com Rui Barbosa e Pedro Lessa, para o bom entendimento da Constituição da Primeira República no Brasil.

Num País em que os valores autênticos são escassos, é natural que aqueles que os possuem sejam sempre aproveitados, sejam utilizados, sejam recrutados a miúde.

Com Pontes de Miranda isto ocorreu, de maneira notável.

Na vida internacional; na vida pública; na atividade como cultor e mestre de Direito, Pontes de Miranda compareceu sempre com o brilho de sua inteligência e com a bagagem de sua cultura.

Por isto mesmo, no momento em que se comemora o ciclo centenário de sua vida operosa e produtiva, de todos os lados clama-se por ele. E o grande Pontes responde com o bom humor e a alegria de sua pessoa. Sobretudo, aos apelos que lhe são dirigidos de todos os lados, e através de sua volumosa obra, pode-se dizer que está sempre presente.

Fonte: Revista da Academia Brasileira de Letras Jurídicas


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