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Inventário e o novo CPC: mais do mesmo?

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Inventário e o novo CPC: mais do mesmo?

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12/12/2016

Olá, meus amigos, como estão? Para esta semana, vamos tratar de um assunto em que, aparentemente, não houve maiores inovações no CPC/2015: o inventário.

O inventário é um procedimento especial conhecido por muitos. Afinal, quem não teve algum caso de inventário na família? Ou pior: algum caso que se arrastou por anos e anos, não raro por causa de litígio entre os herdeiros ou simplesmente por uma burocracia que parece invencível. De minha parte, aliás, o processo judicial mais longo que eu vi na minha vida era um inventário, que tramitava no estado do Mato Grosso (não sei se ainda está em curso ou se já se encerrou!) há mais de um século (!).

A primeira conclusão, quando se confrontam os dispositivos do CPC/1973 e do CPC/2015 sobre inventário, é que tudo não passa de repetição. Afinal, dos 64 artigos que tratam do assunto no novo Código, grande parte deles é mera reprodução, com ligeiras mudanças redacionais, do que já constava do código processual anterior.

E, de fato, poderia o legislador ter avançado mais. Seria desejável, por exemplo, que tivesse ampliado os casos de inventário extrajudicial, não se compreendendo por que nos casos de sucessão testamentária não se tenha previsto a partilha dos bens por meio de escritura em cartório (art. 610). Ainda que esteja regulado procedimento próprio de jurisdição voluntária para a abertura e o cumprimento do testamento (arts. 735 a 737), de maneira a verificar a sua regularidade e o preenchimento dos requisitos legais, nada impediria que tal procedimento fosse desenvolvido perante o Poder Judiciário e, uma vez ultimado, se procedesse à partilha extrajudicial – desde que os herdeiros sejam maiores e capazes.[1]

Da mesma forma, a sucessão de etapas ao longo do inventário ordinário (as mesmas previstas no CPC/1973 – abertura, nomeação de inventariante, primeiras declarações, citações e impugnações, avaliação e cálculo do imposto, colações, pagamento das dívidas e partilha) conduz a um procedimento fragmentado e moroso. Deveria o legislador, nessa direção, ter buscado uma maior concentração dos atos praticados no inventário ordinário, em vez de estimular uma sucessão de decisões interlocutórias, cada uma delas passível de impugnação autônoma por meio do agravo de instrumento (art. 1.015, parágrafo único),[2]contribuindo para uma maior demora na prestação jurisdicional.

Deixando de lado as críticas, contudo, há algumas inovações interessantes (embora pontuais) no inventário. Assim, entre outras novidades, o CPC/2015:

(i) suprimiu a inusitada possibilidade de o inventário ser iniciado de ofício pelo juiz (art. 989 do CPC/1973), limitando tal prerrogativa aos legitimados do art. 616;

(ii) permitiu que o herdeiro menor, por seu representante legal, fosse nomeado inventariante (art. 617, IV), situação interessante nos casos em que somente figuram herdeiros menores no inventário;

(iii) assegurou idêntica prerrogativa, de nomeação como inventariante, ao cessionário do herdeiro ou legatário (art. 617, VI);

(iv) estipulou a pena de multa a ser aplicada pelo juiz contra o inventariante removido que deixa de entregar ao substituto os bens do espólio (art. 625);

(v) afastou a possibilidade indiscriminada de citação por edital dos interessados pelo simples fato de não residirem na comarca (art. 999, § 1º do CPC/1973), o que comprometia a ampla defesa e o contraditório; e

(vi) ampliou a utilização do arrolamento comum (art. 664), que agora pode ser empregado não somente nos casos de herança de pequeno valor (bens do espólio iguais ou inferiores a mil salários mínimos), mas também sempre que concordarem todas as partes e o Ministério Público, ainda que haja interessado incapaz (art. 665).

Contudo, há duas inovações do CPC/2015 que, em especial, podem proporcionar maior efetividade ao inventário.

A primeira delas está no art. 647, parágrafo único, que estabelece uma forma de tutela da evidência no inventário. Segundo o referido dispositivo, o juiz poderá deferir antecipadamente a qualquer dos herdeiros o exercício dos direitos de usar e de fruir de determinado bem, com a condição de que, ao término do inventário, tal bem integre a cota desse herdeiro.[3]

No regime do CPC/1973, todos os bens ficavam necessariamente sob a guarda do inventariante até que se procedesse à partilha (art. 991, II do código anterior). Agora, uma vez concedida tal tutela de evidência, embora todos os bens continuem a compor o acervo hereditário (e, por isso, é uma tutela provisória), serão deferidos ao herdeiro o uso e a fruição antecipados, arcando o interessado, desde o deferimento do pedido, com todas as despesas para a conservação do bem.

Trata-se de inovação importante, potencialmente benéfica não apenas para o herdeiro (que poderá ter acesso aos bens de forma antecipada, desde que eles venham a compor sua cota na partilha), mas para o próprio espólio, que ficará dispensado, desde a decisão que deferir tal providência, de arcar com os custos de conservação dos bens atingidos pela medida.

Além disso, a previsão dessa tutela de evidência pode ser utilizada como mais um argumento no sentido de que, ausente tal provimento, a utilização de bem do acervo hereditário por herdeiro enseja remuneração para o espólio, não servindo a mera copropriedade e composse dos herdeiros, decorrente da saisine (art. 1.784 do Código Civil), para obstar tal pretensão.

A segunda inovação reside no art. 659, § 2º e diz respeito ao arrolamento sumário. No código anterior, utilizado o rito do arrolamento sumário (que exigia e continua a exigir partes capazes que estejam de acordo com os termos da partilha), o juiz homologava a partilha e, antes que fossem expedidos os títulos translativos (formal de partilha ou adjudicação e alvarás), exigia-se a comprovação do pagamento de todos os tributos à Fazenda Pública, notadamente o imposto de transmissão causa mortis(art. 1.031, § 2º do CPC/1973).

Essa disposição causava algumas dificuldades, pois era comum que os herdeiros não tivessem recursos próprios para adiantar o pagamento dos tributos e tivessem que pedir autorização ao juiz para alienar algum bem do acervo hereditário com esta finalidade. Enquanto não se encontrasse interessado em adquirir o bem, o inventário não se encerrava.

No CPC/2015, a situação muda de figura, pois é prevista a expedição dos títulos translativos antes do pagamento dos tributos à Fazenda Pública (art. 659, § 2º), que promoverá o lançamento administrativo em momento posterior – sem que fique adstrita, naturalmente, aos valores atribuídos aos bens pelos herdeiros (art. 662, § 2º).

A inovação é positiva, mas de duvidosa constitucionalidade. Nos termos do art. 192 do Código Tributário Nacional, “nenhuma sentença de julgamento de partilha ou adjudicação será proferida sem prova da quitação de todos os tributos relativos aos bens do espólio, ou às suas rendas”[4]. A rigor, de acordo com o art. 146, III da Constituição Federal, tal matéria poderia ser considerada própria de lei complementar,[5] embora seja possível sustentar, por outro lado, que o art. 659, § 2º do CPC/2015 não consiste propriamente em “norma geral” sobre lançamento (essa sim, objeto de lei complementar por determinação da Constituição), mas regra especial, aplicável apenas ao arrolamento sumário.

De mais a mais, o antigo art. 1.031, § 2º do CPC/1973 já continha certa antinomia quando confrontado com o art. 192 do CTN, pois permitia que a sentença homologatória da partilha fosse proferida antes do pagamento dos tributos,[6] o qual condicionava apenas a expedição dos títulos translativos (formal de partilha ou adjudicação e alvarás). E, mesmo assim, durante muitos anos de vigência do dispositivo processual, ninguém suscitou que a antiga regra do CPC/1973 fosse incompatível com a Constituição.

De todo modo, sem embargo de sua duvidosa constitucionalidade, não se pode negar que o propósito do art. 659, § 2º do CPC/2015 é elogiável.

Em síntese, portanto, embora o inventário no novo CPC tenha mantido a estruturação geral do código anterior, é apressada a conclusão de se tratar apenas de “mais do mesmo”. Algumas inovações são positivas, como visto, e poderão contribuir para uma maior efetividade do procedimento em determinados casos específicos.

Fica, contudo, a impressão de que se poderia ter avançado mais. Para a generalidade dos casos, continuaremos com um inventário moroso, fragmentado e burocrático.

Abraços, e até a próxima!

————————
[1] Não por acaso, a Corregedoria do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por meio do Provimento CGJ nº 37/2016, contemplou tal possibilidade: “Artigo 1º – Dar nova redação ao item 129 e subitens, do Capítulo XIV, das NSCGJ, nos termos que seguem: 129. Diante da expressa autorização do juízo sucessório competente, nos autos do procedimento de abertura e cumprimento de testamento, sendo todos os interessados capazes e concordes, poderão ser feitos o inventário e a partilha por escritura pública, que constituirá título hábil para o registro imobiliário. 129.1 Poderão ser feitos o inventário e a partilha por escritura pública, também, nos casos de testamento revogado ou caduco, ou quando houver decisão judicial, com trânsito em julgado, declarando a invalidade do testamento, observadas a capacidade e a concordância dos herdeiros. 129.2. Nas hipóteses do subitem 129.1, o Tabelião de Notas solicitará, previamente, a certidão do testamento e, constatada a existência de disposição reconhecendo filho ou qualquer outra declaração irrevogável, a lavratura de escritura pública de inventário e partilha ficará vedada, e o inventário far-se-á judicialmente”. Assim também é a orientação do Enunciado 600 da Jornada de Direito Civil: “Após registrado judicialmente o testamento e sendo todos os interessados capazes e concordes com os seus termos, não havendo conflito de interesses, é possível que se faça o inventário extrajudicial”.

[2] De acordo com o art. 1.015, parágrafo único do CPC/2015, cabe agravo de instrumento contra qualquer decisão interlocutória no inventário. A razão dessa regra é muito simples: não há perspectiva, na maioria dos casos, de interposição de apelação contra a sentença, proferida neste procedimento somente por ocasião do julgamento da partilha (art. 654).

[3] Idêntica prerrogativa, em que pese a omissão legal, deve ser assegurada ao legatário. Nesse sentido, GAJARDONI, Fernando da Fonseca et alProcesso de conhecimento e cumprimento de sentença – Comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Método, 2016, p. 1.098. V. tb., a esse respeito, Enunciados 181 e 182 do Fórum Permanente de Processualistas Civis.

[4] Nesse sentido, GAJARDONI, Fernando da Fonseca et alProcesso de conhecimento e cumprimento de sentença – Comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Método, 2016, p. 1.120.

[5] Art. 146, III da Constituição: “Cabe à lei complementar: (…) III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes; b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários; c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas; d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do imposto previsto no art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da contribuição a que se refere o art. 239”.

[6] Confira-se o teor do antigo art. 1.031, § 2º do CPC/1973: “Transitada em julgado a sentença de homologação de partilha ou adjudicação, o respectivo formal, bem como os alvarás referentes aos bens por ele abrangidos, só serão expedidos e entregues às partes após a comprovação, verificada pela Fazenda Pública, do pagamento de todos os tributos”.


VEJA AQUI OUTROS TEXTOS DA SÉRIE CPC 2015

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