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CONSTITUCIONAL

Do princípio da igualdade de acesso aos cargos e empregos públicos

EMPREGOS PÚBLICOS

INTEGRAÇÃO CONSTITUCIONAL

LEI Nº 11.350

ORDEM CONSTITUCIONAL JURÍDICA

PRINCÍPIO DA IGUALDADE DE ACESSO AOS CARGOS E EMPREGOS PÚBLICOS

Leonardo Vizeu Figueiredo

Leonardo Vizeu Figueiredo

10/01/2017

Emenda Constitucional nº 51, de 2006, e o exercício de integração constitucional com o advento da Lei nº 11.350, de 2006

1. Introdução

Desde a edição da Constituição da República Federativa do Brasil, em outubro de 1988, efetivou-se, dentro da ordem constitucional jurídica vigente, o princípio republicano que consagra a igualdade de acesso aos cargos e empregos públicos a todos os brasileiros natos e naturalizados, bem como aos estrangeiros na forma da lei, conforme dicção do art. 37, I, da CRFB.

A fim de consagrar a isonomia no processo de seleção para os quadros pessoais da Administração Pública, pondo termo a práticas odiosas de nepotismo e protecionismo, oriundas de subjetivismos arbitrários que visavam atender não ao interesse público, mas ao interesse pessoal de determinados centros oligárquicos, o legislador constituinte originário estabeleceu a regra do concurso público, pautado em critérios objetivos mediante realização de provas ou provas e títulos.

Com a evolução das necessidades da sociedade brasileira, aliadas ao processo de mutação do direito público que se verifica ao longo das últimas décadas[i], mister se fez a reforma administrativa constitucional, por meio da Emenda Constitucional nº 19, de 1998, aperfeiçoando os mecanismos de seleção de mão de obra para o serviço público, bem como a própria prestação do serviço público per se.

Observe-se que o processo de transformação do Estado decorre exatamente das mudanças da própria sociedade que demandam novas necessidades e novas respostas quanto coletividade organizada em torno do Poder Público. Nesta linha, depreende-se que com o advento da referida reforma administrativa, passou-se a exigir da Administração Pública celeridade e eficiência no exercício de suas atribuições, características estas próprias do setor privado, aliadas aos clássicos princípios administrativos de publicidade, impessoalidade, legalidade e publicidade.

Tal fato denota a necessidade de cada vez mais se aparelhar a máquina estatal com todas as inovações tecnológicas para tanto, bem como de se selecionar os mais capacitados profissionais para comporem os quadros da Administração Pública.

Sendo assim, a verificação objetiva de capacitação pessoal, mediante critérios pré-estabelecidos em lei e nas normas editalícias, tornam-se imprescindíveis para se alcançar a eficiência administrativa erigida ao status de princípio fundante de toda a Administração Público.

Todavia, indo de encontro ao movimento de reforma administrativa, bem como à tendência de mutação do direito público, no qual a fronteira entre o público e o privado torna-se cada vez mais tênue, o legislador constituinte reformador promulgou a Emenda Constitucional nº 51, de 2006, que promoveu alterações no texto da Lex Magna de constitucionalidade duvidosa, as quais são objeto do presente artigo.

Tal zona de incerteza constitucional restou minimizada pelo advento da Lei nº 11.350, de 2006. Contudo, a mera regulamentação infraconstitucional não se presta para vincular o legislador ordinário, para fins de salvaguardar materialmente os valores basilares da Constituição da República Federativa do Brasil, fazendo-se mister fixar a correta e autêntica interpretação das inovações advindas do texto da referida emenda com a Lei Maior.

Para tanto, proceder-se-á ao estudo do tema proposto, analisando-se, inicialmente, a regra geral de provimento de cargos e empregos públicos, mediante seleção objetiva de concurso de provas ou provas e títulos.

Após, cuidar-se-á do exame das reservas de vagas para os portadores de deficiências físicas e necessidades especiais, passando-se à verificação das exceções constitucionalmente estabelecidas.

Ato contínuo, far-se-á ao cotejo da juridicidade das inovações trazidas pela Emenda Constitucional nº 51, de 2006, face ao bloco de constitucionalidade[ii] que rege o tema. Por fim, analisar-se-á a regulamentação infraconstitucional da referida emenda, procedendo-se a uma verificação de integração constitucional da norma infraconstitucional com os mandamentos da Lei Maior.

2. Do concurso: a igualdade de acesso aos cargos e empregos públicos.

A Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em outubro de 1988, consagra o princípio republicano da igualdade de acesso aos cargos e empregos no serviço público. Materializando-o tal princípio no art. 37, II, a seguir transcrito:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

(…)

II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;

Assim, consagra-se a isonomia, princípio maior de direito, no âmbito da Administração Pública, como forma de se garantir o respeito aos princípios que a norteiam, mormente a impessoalidade e a moralidade, no que tange às formas de seleção de material humano para o serviço público.

No magistério de Nagib Slaibi Filho:

“A exigência constitucional abrange, assim, o ingresso em cargo e em emprego público das Administrações direta e indireta de qualquer dos níveis federativos. É regra ou preceito constitucional, impondo competição para a investidura em cargo ou em emprego, em atenção aos princípios gerais insculpidos no caput do art. 37, este em conformidade com o Estado Democrático de Direito que se espera resultante do princípios fundamentais e estruturantes constantes do Título I da Constituição”.[iii] Nossos grifos.

Comentando a referida norma constitucional, vale colacionar a lição de Hely Lopes Meirelles:

“A obrigatoriedade de concurso público, ressalvados os cargos em comissão e empregos com essa natureza, refere-se à investidura em cargo ou emprego público, isto é, ao ingresso em cargo ou emprego isolado ou em cargo ou emprego público inicial da carreira na Administração direta e indireta”.[iv]

Como é de notório conhecimento, o concurso público tem natureza jurídica de processo administrativo de gestão, que tem por finalidade maior selecionar as pessoas mais aptas e capazes para exercício das funções e atribuições referentes aos cargos e empregos públicos, por critérios claros e objetivos, previamente definidos.

Ainda na lição de Hely Lopes Meirelles:

“O concurso é o meio técnico posto à disposição da Administração Pública para obter-se moralidade, eficiência e aperfeiçoamento do serviço público e, ao mesmo tempo, propiciar igual oportunidade a todos os interessados que atendam aos requisitos da lei, fixados de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, consoante determina o art. 37, II, da CF. Pelo concurso afastam-se, pois, os ineptos e os apaniguados que costumam abarrotar as repartições, num espetáculo degradante de protecionismo e falta de escrúpulos de políticos que se alçam e mantêm no poder leiloando cargos e empregos públicos”.[v]

Consoante magistério de José dos Santos Carvalho Filho:

“Concurso Público é o procedimento administrativo que tem por fim aferir as aptidões pessoais e selecionar os melhores candidatos ao provimento de cargos e funções públicas. Na aferição pessoal, o Estado verifica a capacidade intelectual, física e psíquica de interessados em ocupar funções públicas e no aspecto seletivo são escolhidos aqueles que ultrapassam as barreiras opostas no procedimento, obedecidas sempre a ordem de classificação. Cuida-se, na verdade, do mais idôneo meio de recrutamento de servidores públicos”.[vi]

Assim, tratando-se de procedimento administrativo consagrador dos princípios constitucionais da igualdade e da moralidade, o concurso deve reger-se pelos termos da lei e da legislação administrativa que lhe é correlata e, no plano concreto, materializa e operacionaliza de forma objetiva, sem dar margens a arbitrariedades e práticas odiosas de favorecimento pessoal de poucos, em detrimento do interesse público.

Em exercício de interpretação sistemática das normas constitucionais, mormente o art. 3º, I e IV, art. 5º, caput, e §º, e o art. 37, caput, e II, sua exegese nos remete que para a consecução dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, em especial a edificação de uma sociedade livre, justa e solidária, a isonomia de seleção de pessoal e acesso aos cargos e empregos públicos deve ser consagrada como direito fundamental, sendo a obrigatoriedade de aferição de capacitação profissional para tanto, mediante o critério objetivo do concurso público de provas ou de provas e título, garantia fundamental, norma assecuratória e de observância obrigatória por toda a Administração Pública.

Destarte, dúvidas não restam que o princípio da igualdade de acesso aos cargos e empregos públicos, assegurado pela obrigatoriedade de realização de certame objetivo de provas ou provas e títulos, compõe o bloco de constitucionalidade[vii] correspondente aos direitos e garantias fundamentais afiançados pela República Federativa do Brasil em sua Lei Maior, observando-se que os mesmos não se esgotam na mera literalidade do texto constitucional, consoante disposto no art. 5º, §2º, da CRFB.

Visto isso, passemos à análise das demais regras e das exceções constitucionalmente estabelecidas sobre o tema.

2.1. Da reserva de vagas para deficientes físicos.

Cuidando de proteger parcela de nossa sociedade que historicamente sempre esteve em posição de gritante desigualdade discriminatória em relação aos demais segmentos sociais que a compõem, o legislador constituinte positivou uma série de normas e regras em nosso atual texto constitucional, dando especial proteção às pessoas portadoras de deficiências físicas e necessidades especiais, conforme a seguir transcrito:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:(…)

XXXI – proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência;

(…)

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (…)

VIII – a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão;

(…)

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (…)

1º – O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança e do adolescente, admitida a participação de entidades não governamentais e obedecendo os seguintes preceitos: (…)

II – criação de programas de prevenção e atendimento especializado para os portadores de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de preconceitos e obstáculos arquitetônicos.

Do cotejo das normas constitucionais acima, que se destina a regular os direitos dos portadores de deficiência, chegamos as duas premissas primárias.

Inicialmente, constata-se que as normas se encontram em número reduzido na Constituição e não foram devidamente ordenadas sob forma de capítulo próprio, constituindo, tão-somente, conjunto de regras esparsas dentro do texto constitucional, o que dificulta sobremaneira seu estudo.

Outrossim, da análise do atual panorama sócio-econômico da Nação brasileira, em se considerando que a Lei Maior já conta com 18 anos de vigência, não há, ainda, por parte da sociedade civil organizada e, principalmente, da Administração Pública, consciência da necessidade de se tratar a matéria de modo justo e responsável.

Assim, na falta de efetivas políticas de inclusão social, os portadores de deficiência ainda encontram dificuldade em integrar-se na comunidade, seja através do setor privado, seja do setor público.

Com o fito de ampliar as políticas de inclusão, foi editada a Lei nº 7.853, de 1989, com o objetivo de dispor acerca da integração do portador de deficiência na sociedade. Estabeleceu normas gerais a respeito do direito à educação, à saúde, formação profissional, trabalho, área de recursos humanos e área de edificações. Para a regulamentação dessa lei, o Executivo baixou o Decreto nº 3.298, de 1999, consolidando as normas de proteção e dando outras providências, além do que, dispôs sobre a Política Nacional para integração daquelas pessoas na sociedade, uma vez que são tão cidadãos brasileiros, quanto qualquer outro membro de nossa comunidade. Este Decreto traz diretrizes, princípios, objetivos e instrumentos para a realização plena do portador de deficiência na comunidade.

Na seara pública, a fim de dar efetividade ao mandamento constitucional que prevê expressamente a reserva de vagas para os cidadãos brasileiros portadores de deficiências físicas, a Lei nº 8.112, de 1990, mais conhecida como regime jurídico dos servidores públicos federais, estabeleceu no art. 5º, §2º, a seguir transcrito, que seriam destinadas aos portadores de deficiência até 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos:

Art. 5º (…)

2º. Às pessoas portadoras de deficiência é assegurado o direito de se inscreverem em concurso público para provimento de cargo cujas atribuições sejam compatíveis com a deficiência de que são portadoras; para tais pessoas serão reservadas até 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas no concurso.

Todavia, tanto a Constituição, quanto a Lei nº 8.112, de 1990 não regulamentaram suficientemente esta matéria, de maneira que se dissipassem as dúvidas acerca dos direitos daqueles cidadãos no tocante às regras que iriam imperar durante o transcurso dos certames.

Assim, cada edital de concurso previa, a seu modo, como seria a participação e convocação dos portadores de deficiência ao exercício do cargo ou emprego público, o que gerou grande margem de incertezas, incompatíveis com a harmonia e a segurança jurídicas objetivadas pelo Estado.

Com o fito de estabelecer regras claras e objetivas, o Poder Público cuidou de editar o Decreto nº 5.296, de 2004, que veio a alterar o Decreto nº 3.298, de 1999, que regulamenta a Lei no 7.853, de 24 de outubro de 1989, dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, consolidando as normas protetivas aplicáveis para tanto.

Estabeleceram-se, portanto, critérios objetivos a serem seguidos pela Administração Pública no que tange à definição e classificação das deficiências físicas, bem como regras de inscrição, convocação e posterior análise das deficiências declaradas pelos candidatos, para fins de nomeação e posse. Neste sentido, vale destacar os seguintes artigos do referido decreto:

Art. 3o Para os efeitos deste Decreto, considera-se:

I – deficiência – toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano;

II – deficiência permanente – aquela que ocorreu ou se estabilizou durante um período de tempo suficiente para não permitir recuperação ou ter probabilidade de que se altere, apesar de novos tratamentos; e

III – incapacidade – uma redução efetiva e acentuada da capacidade de integração social, com necessidade de equipamentos, adaptações, meios ou recursos especiais para que a pessoa portadora de deficiência possa receber ou transmitir informações necessárias ao seu bem-estar pessoal e ao desempenho de função ou atividade a ser exercida.

Art. 4o  É considerada pessoa portadora de deficiência a que se enquadra nas seguintes categorias:

I – deficiência física – alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da função física, apresentando-se sob a forma de paraplegia, paraparesia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia, triparesia, hemiplegia, hemiparesia, ostomia, amputação ou ausência de membro, paralisia cerebral, nanismo, membros com deformidade congênita ou adquirida, exceto as deformidades estéticas e as que não produzam dificuldades para o desempenho de funções;

II – deficiência auditiva – perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas freqüências de 500HZ, 1.000HZ, 2.000Hz e 3.000Hz;

III – deficiência visual – cegueira, na qual a acuidade visual é igual ou menor que 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; a baixa visão, que significa acuidade visual entre 0,3 e 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; os casos nos quais a somatória da medida do campo visual em ambos os olhos for igual ou menor que 60o; ou a ocorrência simultânea de quaisquer das condições anteriores;

IV – deficiência mental – funcionamento intelectual significativamente inferior à média, com manifestação antes dos dezoito anos e limitações associadas a duas ou mais áreas de habilidades adaptativas, tais como:

a) comunicação;

b) cuidado pessoal;

c) habilidades sociais;

d) utilização dos recursos da comunidade;

e) saúde e segurança;

f) habilidades acadêmicas;

g) lazer; e

h) trabalho;

V – deficiência múltipla – associação de duas ou mais deficiências.

Especificamente, em relação ao concurso público, os arts. 37 e seguintes, assim tratam a matéria:

Art. 37.  Fica assegurado à pessoa portadora de deficiência o direito de se inscrever em concurso público, em igualdade de condições com os demais candidatos, para provimento de cargo cujas atribuições sejam compatíveis com a deficiência de que é portador.

1o O candidato portador de deficiência, em razão da necessária igualdade de condições, concorrerá a todas as vagas, sendo reservado no mínimo o percentual de cinco por cento em face da classificação obtida.

2Caso a aplicação do percentual de que trata o parágrafo anterior resulte em número fracionado, este deverá ser elevado até o primeiro número inteiro subseqüente.

Art. 38.  Não se aplica o disposto no artigo anterior nos casos de provimento de:

I –  cargo em comissão ou função de confiança, de livre nomeação e exoneração; e

II – cargo ou emprego público integrante de carreira que exija aptidão plena do candidato.

Art.  39.  Os editais de concursos públicos deverão conter:

I – o número de vagas existentes, bem como o total correspondente à reserva destinada à pessoa portadora de deficiência;

II – as atribuições e tarefas essenciais dos cargos;

III – previsão de adaptação das provas, do curso de formação e do estágio probatório, conforme a deficiência do candidato; e

IV – exigência de apresentação, pelo candidato portador de deficiência, no ato da inscrição, de laudo médico atestando a espécie e o grau ou nível da deficiência, com expressa referência ao código correspondente da Classificação Internacional de Doença – CID, bem como a provável causa da deficiência.

Art. 40.  É vedado à autoridade competente obstar a inscrição de pessoa portadora de deficiência em concurso público para ingresso em carreira da Administração Pública Federal direta e indireta.

1oNo ato da inscrição, o candidato portador de deficiência que necessite de tratamento diferenciado nos dias do concurso deverá requerê-lo, no prazo determinado em edital, indicando as condições diferenciadas de que necessita para a realização das provas.

2oO candidato portador de deficiência que necessitar de tempo adicional para realização das provas deverá requerê-lo, com justificativa acompanhada de parecer emitido por especialista da área de sua deficiência, no prazo estabelecido no edital do concurso.

Art. 41.  A pessoa portadora de deficiência, resguardadas as condições especiais previstas neste Decreto, participará de concurso em igualdade de condições com os demais candidatos no que concerne:

I – ao conteúdo das provas;

II – à avaliação e aos critérios de aprovação;

III – ao horário e ao local de aplicação das provas; e

IV – à nota mínima exigida para todos os demais candidatos.

Art. 42.  A publicação do resultado final do concurso será feita em duas listas, contendo, a primeira, a pontuação de todos os candidatos, inclusive a dos portadores de deficiência, e a segunda, somente a pontuação destes últimos.

Art. 43.  O órgão responsável pela realização do concurso terá a assistência de equipe multiprofissional composta de três profissionais capacitados e atuantes nas áreas das deficiências em questão, sendo um deles médico, e três profissionais integrantes da carreira almejada pelo candidato.

1oA equipe multiprofissional emitirá parecer observando:

I – as informações prestadas pelo candidato no ato da inscrição;

II – a natureza das atribuições e tarefas essenciais do cargo ou da função a desempenhar;

III – a viabilidade das condições de acessibilidade e as adequações do ambiente de trabalho na execução das tarefas;

IV – a possibilidade de uso, pelo candidato, de equipamentos ou outros meios que habitualmente utilize; e

V – a CID e outros padrões reconhecidos nacional e internacionalmente.

2oA equipe multiprofissional avaliará a compatibilidade entre as atribuições do cargo e a deficiência do candidato durante o estágio probatório.

Art. 44.  A análise dos aspectos relativos ao potencial de trabalho do candidato portador de deficiência obedecerá ao disposto no art. 20 da Lei no 8.112, de 11 de dezembro de 1990. grifamos.

Assim, restam plenamente assegurados a participação e o ingresso aos portadores de deficiências físicas nos quadros pessoais e permanentes da Administração Pública, de forma a se minorar os efeitos que sua condição pessoal acarreta, colocando-os em gritante posição de hipossuficiência em relação aos demais candidatos, mediante seleção em número de vagas diferenciadas, tão-somente, àqueles que preencherem todos os requisitos técnicos e médicos objetivamente estabelecidos para tanto.

Isto porque, todo o conjunto normativo acima visa proteger e garantir inclusão e justiça social, tão-somente, às pessoas que, notada e comprovadamente perante o Poder Público e toda a sociedade brasileira, são portadores de deficiências físicas, estando em situação de hipossuficiência entre os demais membros da Nação.

Ressalte-se que, é dever normativamente imposto à Administração Pública a exigência, no ato de inscrição do candidato que se declare portador de alguma deficiência pública, de documento idôneo que corrobore suas alegações (art. 39, IV, do Decreto nº 3.298, de 1999), bem como, a posteriori, de avaliação médica na qual irá se avaliar a real existência da deficiência declarada no ato de inscrição, e, por fim, das necessidades de adaptação destas em face das atribuições a serem exercidas.

Assim, verificando a Administração Pública que houve fraude por parte de candidato que se declara portador de deficiência pública sem o ser, tampouco estar enquadrado nos preceitos legais e normativos objetivamente estabelecidos para tanto, deve proceder, assegurado o devido processo legal, com seus consectários constitucionais de contraditório e ampla defesa (art. 5º, LIV e LV, da CRFB), sua eliminação do certame.

Outrossim, vale a pena colacionar as seguintes ementas, que refletem a jurisprudência da Egrégia Corte Superior de Justiça sobre o tema:

“CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO – CONCURSO PÚBLICO – DEFICIENTE FÍSICO  – DEFICIÊNCIA QUE NÃO SE ENQUADROU NAS HIPÓTESES LEGAIS – CONVOCAÇÃO PARA ESTÁGIO EXPERIMENTAL – ÚLTIMA ETAPA DO CERTAME – INVALIDAÇÃO – RETORNO DO CANDIDATO À CLASSIFICAÇÃO GERAL – REVISÃO DE ATO ADMINISTRATIVO – PODER-DEVER DA ADMINISTRAÇÃO – SÚMULA 473 DO PRETÓRIO EXCELSO – INEXISTÊNCIA DE OFENSA AO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. I – O Concurso Público para provimento do Cargo de Oficial de Justiça do Tribunal de Justiça Carioca se encerrava com a aprovação dos candidatos no estágio experimental, fase na qual se encontrava o recorrente em razão de sua classificação em 2º lugar nas vagas destinadas aos portadores de deficiência física, e que antecedia a nomeação dos aprovados. II – In casu, estando ainda em andamento o Concurso em questão e constatado em perícia médica, prevista no Edital do Certame (item 7.3), que a deficiência apresentada pelo recorrente (ausência de falange distal do segundo dedo da mão direita) não o habilita a concorrer às vagas reservadas aos deficientes físicos, a Administração Pública tão somente cancelou a sua convocação para a última fase do processo seletivo, qual seja, o estágio experimental e determinou o retorno do mesmo à classificação de origem, 1033º lugar. III – Em sendo assim, irrepreensível, o ato atacado. A Administração revendo a situação do ora recorrente, que esclareça-se não se tratava de servidor público em estágio probatório, porém de candidato convocado para a última etapa do concurso, denominada estágio experimental, sanou flagrante ilegalidade, retirando o mesmo da categoria de deficiente físico e determinando o seu retorno para classificação geral, a fim de aguardar posterior convocação, evitando-se quebra da ordem classificatória. Desta forma, tratando-se de revisão de ato ilegal, ancorada no poder de autotutela administrativa, não há que se falar em ofensa ao contraditório e ampla defesa. IV- Aplica-se, à espécie, o entendimento consolidado na Súmula 473 do Supremo Tribunal Federal: “A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos…” V – Recurso ordinário conhecido, mas desprovido”. (STJ; RMS 16431 / RJ ; RECURSO ORDINARIO EM MANDADO DE SEGURANÇA; 2003/0086957-9 ; Relator(a) Ministro GILSON DIPP (1111); Órgão Julgador: T5 – QUINTA TURMA; Data do Julgamento:: 02/09/2003; Data da Publicação/Fonte: DJ 29.09.2003 p. 282; RDTJRJ vol. 59 p. 111). – grifamos.

“ADMINISTRATIVO – CONCURSO PÚBLICO – DEFICIENTE FÍSICO – EXAME DE APTIDÃO FÍSICA – A reserva de percentual de cargo para as pessoas portadoras de deficiência física, nos termos do art. 37, VIII, da CF, não afasta a exigência de aprovação em etapa do concurso público em que se avalia a capacitação física do candidato, indispensável para o desempenho do cargo de técnico em segurança legislativa. Recurso desprovido”. (STJ – RO-MS 10481 – DF – 5ª T. – Rel. Min. Felix Fischer – DJU 16.08.1999 – p. 88). Nossos grifos.

“CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. CONCURSO PARA SERVIDOR PUBLICO. REGRA GERAL. DEFICIENTE FISICO. RESERVA DE VAGAS. CRITERIOS DETERMINANTES. I. A APROVAÇÃO EM CONCURSO E CONDIÇÃO GERAL PARA A INVESTIDURA EM CARGO OU EMPREGO PUBLICO (CF, ART. 37, II), MESMO OS DEFICIENTES FISICOS PARA OS QUAIS A LEI DEVE ESTABELECER CONDIÇÕES E CRITERIOS QUE PERMITAM O NORMAL DESEMPENHO DO EXERCICIO DAS FUNÇÕES DO CARGO OU EMPREGO – CF, ART. 37, VIII. II. NO CASO, O IMPETRANTE DEIXOU DE PROVAR QUE A DEFICIENCIA DE QUE E PORTADOR PERMITE-LHE EXERCER NORMALMENTE AS FUNÇÕES DO CARGO DE AUDITOR FISCAL. III. SEGURANÇA DENEGADA QUE SE MANTEM”. (STJ; RMS 5524 / PR ; RECURSO ORDINARIO EM MANDADO DE SEGURANÇA; 1995/0012151-4; Relator(a) Ministro JESUS COSTA LIMA (302); Órgão Julgador: T5 – QUINTA TURMA; Data do Julgamento: 04/09/1995; Data da Publicação/Fonte: DJ 25.09.1995 p. 31120; RT vol. 722 p. 292).

Resta claro que, ainda que concorram em quadro de vagas suplementar, os deficientes físicos submetem-se à realização obrigatória de concurso público, concorrendo, todavia, de forma diferenciada com os demais participantes do certame, dada sua notória posição de hipossuficiência.

2.2. Das exceções ao princípio da igualdade de acesso aos cargos e empregos públicos.

Cuidando de se harmonizar as necessidades da Administração Pública e da sociedade brasileiro, o legislador constituinte consagrou no próprio texto constitucional, de forma taxativa, as únicas hipóteses em que se admite a excepcionalização do princípio republicano da igualdade objetiva de acesso aos cargos e empregos públicos.

Cumpre ressaltar que tais exceções somente são admitidas para atendimento das necessidades especiais da Administração Pública, bem como da sociedade brasileira, cuidando não de favor para atendimento de interesses pessoais e mesquinhos, mas de hipóteses em que se atende aos interesses maiores da Nação brasileira, seja por sua vertente jurídica (Estado), seja por sua vertente social (população).

Passemos à análise pormenorizada de cada uma.

2.2.1. Dos cargos comissionados e das funções de confiança.

A primeira hipótese em que o legislador constituinte excetuou o princípio geral de acesso aos cargos públicos mediante critério objetivo e isonômico do concurso público foi o livre provimento para os cargos comissionados e as funções de confiança, consoante previsto no art. 37, II, in fine, e V, da CRFB, a seguir transcrito:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (…)

II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração; (…)

V – as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento; – nossos grifos.

Inicialmente, insta salientar as diferenças existentes entre o cargo comissionado e a função de confiança.

Cargo comissionado é o lugar instituído dentro da estrutura pessoal da Administração Pública, a ser ocupado por pessoa de nível superior e/ou com notória especialização na respectiva área de atuação, que goze de confiança junto ao Chefe do Executivo.

Tal cargo é de ocupação transitória e de provimento precário, uma vez que não se exige prévia investidura por concurso público, sendo, portanto, exonerável ad nutum. Como exemplo de tais cargos, podemos citar os chefes dos órgãos autônomos, diretamente subordinados ao Chefe do Executivo, tais como os Ministros e secretários de Estado.

Por sua vez, a função de confiança é o plus de competências que é atribuída exclusivamente a servidor previamente investido por concurso público, já ocupante de cargo dentro da Administração, para fins de exercício de atribuições de direção, chefia e/ou assessoramento, tão-somente.

É de se ressaltar que pela própria falta de definição doutrinária clara sobre o tema, é muito comum confundirem-se os dois conceitos, utilizando-se denominação como “cargo de confiança” ou “função comissionada”, quando, em verdade, não o são.

Observe-se que se excepciona a exigência prévia de ingresso por concurso público, tão-somente, para o ocupante de cargo comissionado, uma vez que para exercício de função de confiança o art. 37, V, da CRFB, é taxativo ao determinar que somente o servidor efetivo é que poderá exercê-la com exclusividade, o que denota o prévio ingresso mediante concurso público. Nessa linha, elucidativo o magistério de Nagib Slaibi Filho:

“Diz o art. 37, V, que as funções de confiança serão exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, serão preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, que se destinam apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento, serão preenchidos não só por servidores de carreira, que, no entanto, nos casos, condições e percentuais mínimos previsto em lei, nos termos desta poderão ter a eles reservado uma parcela. Só se dispensa o concurso, como pressuposto para o exercício de cargo público, quando se tratar de investidura em cargo em comissão”.[viii] nossos grifos.

Destarte, objetiva-se, com as hipóteses acima, excepcionar do concurso público, tão-somente, determinados cargos, denominados em comissão, para assessoria direta do Chefe do Executivo ou exercício de direção e chefia na Administração Pública, por razões de notória capacidade técnica e relevante relação de fidelidade pessoal, devendo as funções de confiança serem exercidas, exclusivamente, por servidores de carreira previamente concursados para tanto.

2.2.2. Da contratação temporária.

Conforme já visto, desde o advento da Carta Política de 1988, a regra para seleção dos quadros pessoais da Administração Pública passou a ser, obrigatoriamente, o concurso público, salvo nos casos excepcionados pelo próprio legislador constituinte. Nesta linha, destaca-se a investidura para exercício nos cargos em comissão (art. 37, II), visto no tópico anterior, bem como a excepcionalidade do inciso IX do art. 37, que determina que “a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público”, o qual encontra-se regulamentado nos termos da Lei nº 8.745, de 1993.

Frise-se que a exegese do art. 37, IX, da Constituição da República, nos remete que somente nas situações em que se evidencie a necessidade de atendimento de atividades inusitadas para o Estado, nas quais reste claro e evidente o interesse público, é que se autoriza a contratação de pessoal por prazo determinado, mediante processo seletivo simplificado, que pode se limitar à análise curricular e entrevista pessoal, sem qualquer outro critério de aferição objetiva. Fora das situações, não há como se efetuar a regular contratação por tempo determinado, uma vez que a mesma fica condicionada à efetivação concreta de excepcional e temporário interesse público.

É de se destacar, ainda, que a contratação temporária não pode ser utilizada sem o mínimo de critério técnico-jurídico, devendo ser manejada, tão-somente, nos casos de necessidade inusitada do Poder Público.

Assim, no que se refere às atividades típicas do Estado, dentre as quais destacamos o exercício da Advocacia Pública, Diplomacia, Jurisdição Ordinária, estas devem ser exercidas, apenas, por servidores com vínculo permanente com a Administração Pública, previamente aprovados em concurso público de provas ou provas e títulos, o que afasta por completo a contratação por prazo determinado, dada à precariedade que envolve o vínculo contratual estabelecido entre o temporário e o Poder Público.

Isto porque, o exercício das atribuições típicas do Estado são efetuadas sempre em caráter permanente, em estrita observância ao Princípio da Continuidade do Serviço Público, fato este que obriga que os seus respectivos servidores igualmente possuam vínculo permanente com a Administração Pública, de caráter estatutário, decorrente diretamente da lei, não havendo como se atribuir tais competências a servidores temporários de vínculo precário, decorrente de relação jurídica contratual.

Corroborando o entendimento acima exposto, vale citar a sempre válida lição do saudoso mestre Hely Lopes Meirelles:

“Os contratados por tempo determinado são os servidores públicos submetidos ao regime jurídico administrativo especial da lei prevista no art. 37, IX, da Carta Magna, bem como ao regime geral de previdência social. A contratação pode ser por tempo determinado e com a finalidade de atender a necessidade temporária de excepcional interesse público.Não pode envolver cargos típicos de carreira. Fora daí, tal contratação tende a contornar a exigência do concurso público, caracterizando fraude à Constituição.[ix]” – nossos grifos.

Qualquer entendimento em sentido contrário representa grave violação ao princípio do concurso público, constitucionalmente positivado na Carta Magna. Neste sentido, o Egrégio Supremo Tribunal Federal já firmou entendimento, conforme acórdão a seguir ementado:

EMENTA: “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. PEDIDO CAUTELAR. REGULAMENTAÇÃO DE DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL PELA MEDIDA PROVISÓRIA n 2.014-4/00. CARGOS TÍPICOS DE CARREIRA. INCONSTITUCIONALIDADE. PREENCHIMENTO MEDIANTE CONCURSO PÚBLICO (CF, ARTIGO 37, II). 1. As modificações introduzidas no artigo 37 da Constituição Federal pela EC 19/98 mantiveram inalterada a redação do inciso IX, que cuida de contratação de pessoal por tempo determinado na Administração Pública. Inconstitucionalidade formal inexistente. 1.2 Ato legislativo consubstanciado em medida provisória pode, em princípio, regulamentá-lo, desde que não tenha sofrido essa disposição nenhuma alteração por emenda constitucional a partir de 1995 (CF, artigo 246). 2. A regulamentação, contudo, não pode autorizar contratação por tempo determinado, de forma genérica e abrangente de servidores, sem o devido concurso público (CF, artigo 37, II), para cargos típicos de carreira, tais como aqueles relativos à área jurídica. Medida cautelar deferida até julgamento final da ação”. – Nossos grifos (STF, ADI 2125 MC / DF – DISTRITO FEDERAL; MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE; Relator(a): Min. MAURÍCIO CORRÊA; Julgamento: 06/04/2000; Órgão Julgador: Tribunal Pleno; Publicação: DJ DATA-29-09-00, PP-00069, EMENT VOL-02006-01, PP-00051).

Destacamos, outrossim, trecho do voto do Exmo. Sr. Dr. Ministro Maurício Corrêa, proferido nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade acima citada:

“Estou convencido de que o exercício de tarefas dessa grandeza só pode e deve ser permitido a técnicos da carreira pertencente ao quadro da autarquia, admitidos pelo meio de concurso público. Ora, não me parece que atividades como essas, que exigem conhecimentos técnicos, sobretudo aquelas relativas à carreira jurídica, que reclamam conhecimentos especializados, possam ser ocupadas mediante simples seleção, sem o crivo indispensável do concurso público, como determina o inciso II do artigo 37 da Constituição Federal. Necessidade temporária de excepcional interesse público não pode ser escudo de servidores, a pretexto da permissão prevista no inciso IX do artigo 37 da Carta de 1988, em evidente usurpação de cargos específicos e típicos de carreira”. – nossos grifos.

3. Da Emenda Constitucional nº 51, de 2006 e a interpretação constitucional.

Recentemente, o poder constituinte derivado reformador promoveu uma forte mitigação no princípio da igualdade de acesso aos cargos e empregos públicos, estabelecendo mais uma forma de provimento na Administração Pública, mediante aferição subjetiva, na área de saúde, o qual reputa-se de constitucionalidade duvidosa, pelo que se passa a expor.

Com efeito, a Emenda Constitucional nº 51, de 2006, deu nova redação ao art. 198 da Constituição da República Federativa do Brasil (abaixo transcrito), permitindo a admissão de pessoal para ocupar cargos de agentes de saúde e de combate às endemias por meio de processo seletivo público, sem defini-lo, tampouco esclarecer de forma satisfatória quais são suas etapas, relegando tal tarefa para o legislador infraconstitucional.

Assim, uma vez que, a semelhança da contratação temporária, o processo seletivo pode ser efetuado mediante critérios subjetivos de aferição de qualificação profissional, dando forte margem à discricionariedade administrativa, tal abertura normativa pode resultar em gritantes arbitrariedades sem a necessária objetividade que envolve o concurso realizado por meio de provas ou provas e títulos.

Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: (…)

4º Os gestores locais do sistema único de saúde poderão admitir agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias por meio de processo seletivo público, de acordo com a natureza e complexidade de suas atribuições e requisitos específicos para sua atuação.

5º Lei federal disporá sobre o regime jurídico e a regulamentação das atividades de agente comunitário de saúde e agente de combate às endemias.

Some-se a isso que, do exame do texto da referida emenda, seu art. 2º, parágrafo único, autoriza a efetivação de profissionais que já estejam ocupando, a qualquer título, os referidos cargos, dispensando-os do processo seletivo:

Art 2º Após a promulgação da presente Emenda Constitucional, os agentes comunitários de saúde e os agentes de combate às endemias somente poderão ser contratados diretamente pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios na forma do § 4º do art. 198 da Constituição Federal, observado o limite de gasto estabelecido na Lei Complementar de que trata o art. 169 da Constituição Federal.

Parágrafo único. Os profissionais que, na data de promulgação desta Emenda e a qualquer título, desempenharem as atividades de agente comunitário de saúde ou de agente de combate às endemias, na forma da lei, ficam dispensados de se submeter ao processo seletivo público a que se refere o § 4º do art. 198 da Constituição Federal, desde que tenham sido contratados a partir de anterior processo de Seleção Pública efetuado por órgãos ou entes da administração direta ou indireta de Estado, Distrito Federal ou Município ou por outras instituições com a efetiva supervisão e autorização da administração direta dos entes da federação.

Assim, mister se faz harmonizar o referido preceito reformador com as demais normas constitucionais que compõem o bloco de constitucionalidade aplicável aos direitos e garantias fundamentais, mormente no que se refere ao princípio da isonomia de acesso aos cargos e empregos públicos.

Isto porque, o objetivo maior do operador do direito é exatamente garantir a juridicidade do texto legal, quando em aparente conflito interpretativo com os preceitos fundamentais do texto magno.

Assim, para a correta exegese do preceito infralegal estabelecido no art. 198, §§4º e 5º, da CRFB, incluídos pela Emenda Constitucional nº 51, de 2006, mister se faz socorrer-se aos modelos de interpretação inerentes ao exercício de jurisdição constitucional, mormente no que se refere às técnicas de declaração de inconstitucionalidade.

Em que pese a literalidade do preceito legal mostrar-se aparentemente conflitante com a norma constitucional, nem sempre o mesmo restará em confronto com a Lei Maior, mormente quando do exercício de sua aplicação ao caso concreto, não havendo necessidade de se declarar a inconstitucionalidade integral da lei com redução do texto.

Assim, o exercício de jurisdição constitucional será perfeito através da fixação da correta interpretação da norma legal em face das disposições da Constituição. Nessa linha, pode o operador do direito valer-se das técnicas interpretativas para declaração de inconstitucionalidade, a saber:

  1. Declaração de inconstitucionalidade com redução de texto: ocorre quando a compatibilização da norma legal com a constituição se dá com a supressão total ou parcial do texto sub judice, fato que não ocorre com o veto do Chefe do Executivo, uma vez que a este é defeso vetar partes do texto;
  2. Interpretação conforme a Constituição: ocorre quando se induz à interpretação de uma norma legal em harmonia com a Lei Maior, em meio a diversas outras possibilidades que o preceito admite. Busca-se encontrar um único sentido possível para a norma legal, excluindo-se expressamente as outras possibilidades de interpretação, elegendo-se uma única forma de exegese em consonância com a Lex Magna;
  3. Declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto: significa reconhecer a inconstitucionalidade da norma sob algum aspecto de suas diversas possibilidades de interpretação. Destarte, preserva-se o texto da norma, apenas restringindo o alcance de seu conteúdo, para excluir de seu campo de incidência determinada forma de aplicação da norma, sem, contudo, afetar as demais hipóteses de interpretação da mesma.

À hipótese sub examine, uma vez que o art. 198, §§4º e 5º, da CRFB, não foi submetido a nenhuma das ações objetivas de jurisdição constitucional, o mesmo, ante o princípio da presunção de constitucionalidade das normas, está com plena vigência e eficácia.

Todavia, mister se faz compatibilizá-lo com as disposições e preceitos contidos na Constituição da República Federativa do Brasil, mormente o art. 3º, I e IV, art. 5º, caput, e §º, e o art. 37, caput, e II.

Destarte, entendemos que, ao art. 198, §§4º e 5º, da CRFB, deve ser dada interpretação conforme a constituição, fixando sua exegese em consonância com a previsão contida nos art. 3º, I e IV, art. 5º, caput, e §º, e o art. 37, caput, e II, todos da CRFB, no sentido de que o processo seletivo público introduzido pela emenda Constitucional nº 51, de 2006, somente será constitucional se o mesmo for regulamentado pela legislação infraconstitucional de modo a ser procedimentalizado por meio de aferição objetiva de provas ou provas e títulos.

4. Do advento da Lei nº 11.350, de 2006.

Corroborando o entendimento acima, a Administração Pública Federal promulgou a Lei nº 11.350, de 2006, a qual regulamentou o §5o do art. 198 da Constituição e que dispõe sobre o aproveitamento de pessoal amparado pelo parágrafo único do art. 2o da Emenda Constitucional no 51, de 14 de fevereiro de 2006.

O referido dispositivo legal, no que se refere ao processo seletivo, foi expresso ao determinar que o mesmo deverá, obrigatoriamente, se procedimentalizar de forma objetiva, por meio de realização de provas ou de provas e títulos, estabelecendo, ainda, vínculo empregatício regido por meio da Consolidação das Leis Trabalhistas, nos termos dos artigos a seguir transcritos:

Art. 8o  Os Agentes Comunitários de Saúde e os Agentes de Combate às Endemias admitidos pelos gestores locais do SUS e pela Fundação Nacional de Saúde – FUNASA, na forma do disposto no § 4o do art. 198 da Constituição, submetem-se ao regime jurídico estabelecido pela Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, salvo se, no caso dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, lei local dispuser de forma diversa.

Art. 9oA contratação de Agentes Comunitários de Saúde e de Agentes de Combate às Endemias deverá ser precedida de processo seletivo público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade de suas atribuições e requisitos específicos para o exercício das atividades, que atenda aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

Parágrafo único.  Caberá aos órgãos ou entes da administração direta dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios certificar, em cada caso, a existência de anterior processo de seleção pública, para efeito da dispensa referida no parágrafo único do art. 2o da Emenda Constitucional no 51, de 14 de fevereiro de 2006, considerando-se como tal aquele que tenha sido realizado com observância dos princípios referidos no caput. Grifamos.

Vale observar que foi dado regime de trabalho diferenciado aos referidos agentes dos demais ocupantes de cargos públicos na Administração Pública Direta, uma vez que se optou pela precariedade do vínculo contratual regido pela Consolidação das Leis do Trabalho.

Nessa linha, segue-se a opção política tomada pela reforma administrativa de 1998, efetuada por meio da Emenda Constitucional nº 19, a qual permitiu a vinculação contratual celetista de pessoal com a Administração Pública Direta.

Ao cerne da questão que o presente artigo se propõe, resta claro que coube ao legislador infraconstitucional harmonizar as inovações introduzidas pela Emenda Constitucional nº 51, de 2006, com os valores basilares e princípios fundamentais consagrados pelo legislador constituinte originário, pela jurisprudência evolutiva de nossa Corte Suprema de Constitucionalidade, bem como pela boa doutrina jurídica.

Isto porque, conforme já visto, dentre as diversas possibilidades de interpretação do art. 198, §§ 4º e 5º, da CRFB, introduzidos pela Emenda Constitucional nº 51, de 2006, a única que se revela materialmente compatível com o texto constitucional é aquela na qual o processo seletivo público passa a ser fixado por padrões objetivos de provas ou provas e títulos, à semelhança do que se encontra textualmente previsto para o concurso público.

Assim, uma vez que, conforme já dito, o texto da referida emenda ainda não foi objeto de qualquer ação objetiva de controle de constitucionalidade, em que pese ter trazido conceito jurídico indeterminado, a saber, processo seletivo público, sem fixar quais os parâmetros de aplicabilidade do mesmo, relegando a tarefa ao legislador ordinário, coube a este a missão de garantir o respeito à constituição, por meio de sua regulamentação infraconstitucional, de modo a preservar o bloco de constitucionalidade que serve de parâmetro de aferição material sobre o tema.

Observe-se que não se trata de exercício de interpretação, isto é, de busca de sentido do texto da reforma com as demais dicções constitucionais, mas exatamente de integração constitucional via regulamentação legal, na qual vai se garantir a devida hermenêutica de norma constitucional de eficácia limitada por meio de sua lei regulamentadora, a qual ira dotá-la da devida eficácia, tornando-a apta à produção de seus regulares efeitos jurídicos, estes em consonância material com os preceitos basilares da Lei Maior.

Assim, resta claro que as regras previstas na Lei nº 11.350, de 2006, se tratam de regulamentação legal garantidora da integração normativa do art. 198, §§ 4º e 5º, da CRFB, com as demais normas constitucionais aplicáveis à matéria sub examine, representando fator garantidos da juridicidade e da moralidade no que se refere ao princípio republicano consagrador da igualdade de acesso aos cargos públicos.

5. Conclusão.

A guisa de todo o exposto depreende-se que, em que pese o texto da Emenda Constitucional nº 51, de 2006, ter dado grande margem à diversas possibilidades de interpretação, ante a sua insuficiência normativa e ausência de uma definição objetiva do procedimento referente ao processo seletivo público, coube ao legislador infraconstitucional harmonizar o preceito constante no art. 198, §§ 4º e 5º, da CRFB, com seu respectivo bloco de constitucionalidade (art. 3º, I e IV, art. 5º, caput, e §º, e o art. 37, caput, e II, todos da CRFB).

Vale observar que, cada vez mais, o legislador constitucional reformador, diferente da opção do constituinte originário, tende a transferir para a legislação ordinária a tarefa de regulamentar e explicitar os comandos da Lei Maior, ampliando o leque de normas constitucionais de eficácia limitada.

Tal opção, em que pese permitir maior mobilidade e celeridade no que se refere ao processo de implementação e efetivação do texto constitucional, possibilitando, ainda, que as transformações sociais possam ter amparo jurídico por meio de edição de lei ordinária, não necessitando, imperiosamente de reforma da constituição, dá grande margem de amplitude ao legislador ordinário, mormente no que se refere à compatibilização das mudanças da Lei Maior em face de suas cláusulas pétreas.

Tal exercício de interpretação e integração do texto constitucional relega maior responsabilidade aos parlamentares, membros de nossas Casas Legislativas, dando-lhes novo papel. Assume-se, agora, uma função de maior relevância, no que tange ao exercício de controle preventivo de constitucionalidade, dentro do Estado Democrático de Direito, uma vez que se passa a depender da integração constitucional, como forma de se compatibilizar as alterações do texto maior, com seus preceitos fundantes.

Assim, no caso acima, tem-se exemplo da como a regulamentação legal dos preceitos constitucionais, por parte do legislador ordinário, garantem a integração e o respeito à Constituição da República Federativa do Brasil.


[i] Para uma melhor compreensão do tema, sugere-se a leitura do Professor Diogo de Figueiredo Moreira Neto, in Mutações do Direito Público, editora Renovar, 2006.
[ii] Por bloco de constitucionalidade entende-se o conjunto normativo que serve de base e parâmetro para o exame de compatibilidade material e formal em sede de controle de constitucionalidade, ainda que não estejam expressamente prescritos no texto constitucional. Sobre o tema, vide informativo STF nº 258 (transcrições)
[iii] SLAIBI FILHO, Nagib. Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Forense. 2004. p. 759.
[iv] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 26ª ed. atualizada por Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho. São Paulo: Malheiros. 2001. p. 403.
[v] MEIRELLES, Hely Lopes. Op. Cit.. pp. 403 e 404.
[vi] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 13ªed. Rio de Janeiro: Lumen juris. p. 483.
[vii] Sobre o tema, ver Informativo nº 258 do Egrégio Supremo Tribunal Federal.
[viii] SLAIBI FILHO, Nagib. Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Forense. 2004. p. 760.
[ix] MEIRELLES, Hely Lopes. Op. Cit.. p. 384.

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