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Guilherme de Souza Nucci

Guilherme de Souza Nucci

12/01/2017

O motim ocorrido, recentemente, em presídio de Manaus nada mais é do que a concretização do caos existente há décadas por todo o Brasil. Quando houve o massacre do Carandiru, a Casa de Detenção estava superlotada. Em vários outros estabelecimentos penais, há superlotação. O que fazem os administradores dos presídios nesses estados, integrantes do Poder Executivo? Absolutamente nada.

No caso de Manaus, chegou-se a ventilar que a cúpula da segurança pública teria sido avisada antes a respeito da rebelião. Pergunta-se: e ninguém fez nada? 56 homicídios aconteceram e ninguém será responsabilizado? E a figura do garante, descrita no art. 13, § 2o., do Código Penal?

Situações como essa, associada a várias outras rebeliões com mortes, são comuns no Brasil e ainda se proclama que não há pena de morte em nosso sistema legislativo. Pois bem. Há pena de morte na prática, sem julgamento, sem o devido processo legal, sem qualquer garantia. 56 presos em Manaus acabam de ser executados. O Estado encarregou-se de preservá-los e nada fez.

Há, também, que se ponderar a vedação às penas cruéis, prevista no art. 5o da Constituição Federal, mas essa garantia é uma formalidade. Basta uma visita a um presídio superlotado para se ter certeza da desumanidade reinante nos presídios brasileiros.

Neste cenário, não se deve debater o que fez ou deixou de fazer determinado condenado, seja o que morreu, seja o que matou. Trata-se de uma incumbência assumida pelo Estado – um autêntico compromisso – de tutelar a vida de um preso por alguns anos. E tutela significa proteger essa pessoa de agressões que forem além da própria privação da liberdade. No entanto, muitos políticos, ocupando cargos de segurança pública, terminam justificando as mortes de 56 presos, dizendo que, afinal, eram criminosos perigosos. E daí? Modificou-se a CF a respeito? Sentenciados perigosos podem ser simplesmente chacinados?

Temos nos manifestado, em várias situações, que a hipocrisia reinante, no universo penal e processual penal de nosso pais, é lastimável. Ilustrando, um juiz da execução penal, consciente e responsável, verifica a insalubridade daquele presídio e a superlotação, promove todas as medidas possíveis, colhe provas e determina, então, a interdição do local. Em poucas horas, o Tribunal determina a desinterdição, porque o Poder Executivo interfere, prometendo resolver o problema. Em suma, o estabelecimento penal pode até ser esvaziado por um tempo e logo torna a superlotar.

Quem cumpre pena paga uma dívida com a sociedade; esta, pretendendo-se civilizada, que vive no Estado Democrático de Direito, tem o dever de exigir das autoridades que o sentenciado tenha a possibilidade de seguir o estipulado pela Lei de Execução Penal: a busca da ressocialização e da reeducação.

Outro ponto de lamentável desencontro entre a realidade e a lei é a vedação da prisão perpétua. No entanto, se assim é, um dia aquele preso voltará ao convívio social. O que fazer? Soltá-lo, porque determina a lei; porém, em quais termos? Ressocializado? Pode-se garantir que, a maioria, não.

Os presídios brasileiros são cápsulas de tortura, pois há condenados dormindo em cima de outros; pessoas defecando enquanto outros se alimentam no mesmo ambiente; os mais jovens são violentados e não há lugar seguro para os abrigar e assim sucessivamente.

Como se pode dizer que o Brasil respeita os princípios da dignidade da pessoa humana e do devido processo legal, durante a fase investigatória e o processo de conhecimento, se, na execução penal, fora das vistas do público, os condenados são maltratados, ficam sem trabalho e sem estudo e todas as leis de execução penal (ou quase todas) são simplesmente ignoradas.

Os presos brasileiros, em muitos lugares, são autênticos zumbis, indivíduos que mais se assemelham a um morto-vivo do que um vivo cumprindo pena.

Se vários outros penalistas enxergam essa situação, como nós estamos expondo, por que nada muda? Presídios novos já são construídos fora do padrão legal (não há cela individual para recolher o preso à noite); nenhuma autoridade impugna o edital de licitação que propõe construir um estabelecimento penal ilegal, quanto ao seu formato. Parece-nos que muitos criminalistas terminam trabalhando para o governo, como Secretários ou Ministros de Estado. Diante disso, seus ideais de justiça arrefecem-se. Nunca vimos, até hoje, um penalista, ocupando cargo público de confiança, continuar defendendo seus ideais imparciais e livre de amarras. Uma pena, para utilizar uma expressão bem branda.

Se os políticos brasileiros tanto clamam por lançar ao Judiciário e ao Ministério Público o crime de responsabilidade, nos casos de abuso de autoridade, vamos além: para resolver o gravíssimo problema penitenciário no Brasil, é preciso considerar abuso de autoridade do Governador, do Secretário da Segurança ou Administração Penitenciária (presídios estaduais) e do Presidente da República e do Ministro da Justiça (presídios federais) quando houver superlotação, por exemplo. E quando o presídio tornar-se insalubre, dando ensejo a rebeliões com mortes violentas e torturantes. Se está em voga falar-se em impeachment, é mais que razoável impichar o governador e/ou o presidente pelo caos penitenciário. No entanto, qual Parlamento aprovaria esse impedimento? Voltando ao chavão: são apenas bandidos…

Dizem alguns que a sociedade paga a conta dos “vagabundos condenados”… Um preso custa ao Estado mais que uma vaga em creche ou um leito hospitalar… Ora, o padrão de comparação é um enorme equívoco. Em primeiro lugar, de modo civilizado, o Estado brasileiro assumiu a aplicação aos autores de crimes penas igualmente civilizadas. Portanto, precisa-se gastar dinheiro público para isso. É evidente que um homem adulto, preso 24 horas, gasta mais do que uma criança, que passa o dia na creche e volta para a casa com seus pais.

Outra bomba-relógio, que agora está explodindo, foi a economia implantada em certos presídios, desativando a cozinha, que dava trabalho a centenas de presos; desativando as marcenarias, as lavanderias e todas as oficiais de trabalho possíveis. Esses condenados farão o quê? Como podem remir a sua pena sem trabalho, porque o Estado terceirizou tudo isso, sob a alegação de ser mais barato? Lançamos a questão: será que é mesmo mais barato? Ou será que, quanto mais licitações para escolher a merenda do preso, políticos corruptos desviam verbas para si? A terceirização é uma lástima: priva o preso de trabalho e fomenta a corrupção dos políticos no procedimento de licitação.

O estudo é, hoje, uma regra estampada na Lei de Execução Penal. Verifique-se quais presídios possuem escolas de qualquer nível para fornecer o estudo. Pouquíssimos. Surgem ideias criativas, por parte dos juízes, alguns recomendando, em lugar do estudo, a leitura de um livro, elaborando uma resenha. É útil? Sem o apoio de um professor de literatura, a eficácia é insuficiente, mas o juiz não tem mais o que inventar para tapar o buraco cavado pelo Poder Executivo.

Finalmente, preso não vota e não dá voto. Considerados a escória da sociedade, todas as frustrações e violências sofridas pelos brasileiros honestos são descontadas na população carcerária. Por isso, quando se diz que, durante a rebelião, morreram 56, alguns leigos dizem: só isso? Perdoem os que têm esse pensamento pois nem sabem o que estão avaliando. Não possuem dados para isso.

O candidato a presidente ou a governador que disser, claramente, na sua campanha que vai melhorar a vida dos presos e ampliar as vagas no sistema carcerário, não receberá o voto que ele tanto espera: da massa de brasileiros que somente desejam vingança a quem cometeu crimes.

Difícil, mas não impossível resolver o problema carcerário. Não temos uma fórmula mágica, mas partilhamos da mesma ideia daqueles que dizem o óbvio: cumpra-se a lei de execuções penais.


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