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Decodificando o Código Civil (4): A Consolidação das Leis Civis

BREVE HISTÓRICO DA CODIFICAÇÃO DO DIREITO CIVIL BRASILEIRO

CODIFICAÇÃO NO SÉCULO XIX

CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS CIVIS

CURSO DIDÁTICO DE DIREITO CIVIL

DIREITO CIVIL

Felipe Quintella

Felipe Quintella

31/01/2017

Como vimos anteriormente, a Constituição de 1824 já havia determinado a elaboração do Código Civil, por influência da “primeira onda codificadora” moderna, impulsionada pelo Código Civil francês.

Todavia, foi somente em 1855, quando o país já tinha um Código Criminal — que viera logo em 1830 — e até um Código Comercial — promulgado em 1850 —, que se deu um passo concreto em direção à codificação: por contrato de 15 de fevereiro, Augusto Teixeira de Freitas, então um dos mais renomados advogados do Rio de Janeiro, foi contratado para consolidar o Direito Civil então vigente. Constava no contrato que “a consolidação será feita por títulos e artigos, em os quais serão reduzidas a proposições claras e sucintas as disposições em vigor”, e também que “em notas correspondentes deverá citar a Lei que autoriza a disposição, e declarar o costume que estiver estabelecido contra ou além do texto”. Para tanto, o contrato concedia a Teixeira de Freitas o prazo de cinco anos.

Não obstante, em menos de três o grande jurisconsulto concluiu a empreitada, que foi publicada ainda em 1857. A comissão do governo que a examinou em 1858 concluiu que a obra merecia “a aprovação e o louvor do Governo Imperial”, e o Imperador acolheu tal parecer.

Na busca por um sistema de Direito Civil, Freitas estruturou a Consolidação em uma Parte Geral, acerca das Pessoas e das Coisas, e uma Parte Especial, acerca dos Direitos Pessoais e dos Direitos Reais, opção bastante inovadora para a época. Na valiosa e erudita Introdução, o autor expôs com profundidade diversos assuntos do Direito Civil, bem como explicou e justificou o método adotado. É notável o conhecimento que demonstra das obras doutrinárias e legislativas da Europa e de outras partes do mundo, com as quais se revela familiarizado o suficiente para estabelecer críticas muito bem construídas.

Com relação à Consolidação propriamente dita, para que se tenha uma ideia do monumental trabalho de Freitas, veja-se o seguinte exemplo:

O art. 1.332 da Consolidação claramente determinava que “as coisas do uso público não prescrevem em tempo algum” — norma que ainda hoje consta no art. 102 do Código Civil de 2002, embora com texto atualizado: “os bens públicos não estão sujeitos a usucapião”.

Mas de onde proveio tal preceito?

Como ordenava o contrato com o governo, Freitas, em nota, revelou a origem do dispositivo: a norma do título 68, § 32, do Livro 1 das Ordenações Filipinas.

Não obstante, compare o texto de Freitas, com redação típica dos códigos modernos, com o que constava nas Ordenações Filipinas (e não estranhe a extensão; os preceitos das Ordenações tinham redação longa, obscura e casuística):

“Outrosi, se alguma pessoa tiver duas casas, que sejam huma de huma parte, e outra de outra parte da rua, e hi tiver lançadas traves per cima da dita rua de huma parte para a outra, e tiver hi feito balcão com sobrado, ou abobada, e depois acontecer, que huma casa da parte da rua venha a ser de hum senhorio, e a outra casa da outra parte he de outro senhorio, com o balcão, ou abobada, ou ametade della, e ambos, ou cada hum delles se quizer alçar, podel-o-hão fazer. E hum e outro, e cada hum per si poderão fazer janellas e frestas sobre aquelle balcão; porquanto postoque o tal balcão, ou abobada stê nas paredes, sempre assi o debaixo do balcão como o ar de cima, fica do Concelho. E portanto cada vez que o Concelho quizer (sobrevindo causa para isso), o póde fazer derribar; porque per tempo algum nunca poderá acquirir posse em o dito balcão o senhorio da dita casa, ou balcão.

Imagine um advogado, ou um estudante, que tivesse de trabalhar na segunda metade do século XIX com o vetusto texto das Ordenações, então com 250 anos de vigência! Qual não era a dificuldade… E o que não facilitou a vida de todos o trabalho de Freitas!

Não foi à toa que, sobre a Consolidação das Leis Civis, Pontes de Miranda, escreveu que foi obra “ampla, erudita, fiel, em que se casam o espírito de organização e a técnica codificadora, de modo a constituir admirável construção”.[1]

E, graças à sua qualidade, a obra serviu, na prática, como o primeiro Código Civil brasileiro, até a entrada em vigor do Código de 1916 (em 1º de janeiro de 1917).

Se demoramos a ter Código no século XIX, ao menos tivemos a Consolidação, precioso monumento da cultura jurídica nacional.

Observação:

Para download gratuito da Consolidação das Leis Civis, da edição das Ordenações Filipinas organizadas por Cândido Mendes de Almeida, e de outras obras clássicas do Direito Civil brasileiro, visite o site Direito Civil Digital (www.direitocivildigital.com), dos Professores Felipe Quintella, Giordano Bruno Soares Roberto e Gustavo Pereira Leite Ribeiro.


[1] MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Fontes e evolução do Direito Civil brasileiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981. P. 80.

Veja também:

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