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Repensando o Direito Civil Brasileiro (12): Há distinção entre a família formada pela união estável e a formada pelo casamento?

CARACTERIZAÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL

UNIÃO ESTÁVEL X CASAMENTO

Felipe Quintella

Felipe Quintella

03/02/2017

A conceituação de união estável, com a indicação da possível distinção entre a família formada por esse tipo de vínculo e a família formada pelo casamento, constitui assunto que se precisa repensar, sobretudo porquanto temos caminhado para uma equiparação cada vez maior em termos de consequências jurídicas — vide julgamento da equiparação da sucessão do cônjuge com a do companheiro no STF, cujo resultado já está certo, por já haver sete votos a favor e nenhum contra.

Pois bem. A mim parece que há dois caminhos para a formação de uma família de núcleo conjugal: o casamento, com toda a sua formalidade; e a união de fato, caracterizada pela ausência de solenidades. Se um casal quer viver junto, estabelecendo comunhão de vida, em torno de uma relação conjugal, pode optar pelo casamento, ou simplesmente por “juntar-se”, como se costumava dizer. Isso parece ter sempre sido assim — a diferença era que, até um passado recente, a ordem jurídica protegia a família formada pelo casamento, mas não a formada pela união estável.

Ocorre que, após a Constituição da República de 1988 reconhecer como entidade familiar aquela formada pela união estável (art. 226, § 3º), a lei ordinária — eu diria, mais que a doutrina — passou a se preocupar com quais seriam os direitos decorrentes desse vínculo, e também com quais seriam os deveres. O resultado foi a Lei nº 8.971/94 e, posteriormente, a Lei 9.278/96, as quais cuidaram da união estável. Mais tarde, em 2002, foi a vez de o novo Código Civil trazer algumas regras sobre o assunto.

E, a partir de então, intensificou-se o problema da distinção.

Deixemos de lado, neste artigo, a distinção entre a união estável e o concubinato, que merece texto autônomo.

Haveria distinção entre a relação de duas pessoas casadas e a de duas pessoas que vivem em união estável propriamente dita?

Tangenciando um conceito de união estável, o art. 1.723 do Código Civil de 2002 estabeleceu que “é reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”.

Ora, mas no que essa noção difere da entidade familiar formada pelo casamento?

Em diversos debates de que já participei, já tentaram me convencer de que há um modelo de família formado pelo casamento e outro formado pela união estável. Até hoje, todavia, não me convenci — salvo, obviamente, quanto à formação da relação.

Sempre há alguém que suscita um caso específico de família formada por um ou por outro vínculo, mas não se trata de nada mais do que um exemplo, o que não interfere na questão da distinção técnica. Já ouvi dizer, v.g., que o vínculo formado pelo casamento seria mais sério — Caio e Maria constituíram união estável; mais tarde, quando quiseram dar maior seriedade ao vínculo, casaram-se. Não obstante, conheço mais de um caso de vínculo formado pela união estável bem mais forte, sério e até mesmo feliz do que vários casos de vínculo formado pelo casamento. Logo, não me parece que o caminho da discussão por meio de exemplos tenha algo de valor a contribuir para a reflexão.

Neste ponto, há sempre alguém que, então, questiona: ora, mas seguindo a linha que você parece indicar, não haveria diferença entre uma e outra entidade familiar. Logo, por que a lei delas trataria distintamente? Ocorre que também esse “argumento” nada parece ter a contribuir para a reflexão. O fato de hoje a ordem jurídica reconhecer a existência de entidade familiar formada por um ou outro tipo de enlace não implica que tenha de haver diferença entre o modelo de entidade familiar formado.

O que reconheço como traço distintivo é apenas a opção pelo modelo de enlace: o casamento traz formalidades que facilitam a prova do vínculo e facilitam a proteção dos direitos da família; a união estável, por não envolver solenidades, pode não ser tão simples de provar — principalmente nos casos em que o vínculo se dissolve e um dos conviventes nega a existência da união —, com o que a proteção de direitos pode ser prejudicada.

Aqui, costuma-se argumentar: mas e se o casal faz uma escritura pública de convivência, ou celebra um contrato de união estável por instrumento particular? Em que difere a família assim formada daquela formada pelo casamento? Na minha opinião, em nada, e as consequências — direitos e deveres — em ambos os casos devem ser as mesmas.

Desconfio seriamente de que nossa ideia de casamento no Brasil até hoje não se desvinculou totalmente da ideia de matrimônio. O matrimônio é um sacramento para muitas religiões, e deve obedecer às regras respectivas. Mas o casamento — ou, para ficar mais claro, o casamento civil, de que trata a ordem jurídica — este nada mais é do que um modelo de enlace, tanto quanto a união estável. Do ponto de vista jurídico, um não pode ser mais “privilegiado” do que o outro. E não me digam que a superioridade do casamento está clara até no texto da Constituição, vez que esta determinou que se facilitasse a conversão da união estável em casamento. Interpretando-se teleológica e sistematicamente a Constituição, não me soa verdadeira a inferência.

Por fim, para não me estender mais nesta breve reflexão, o principal ponto que considero relevante no debate é a questão do regime de bens. A meu ver o Código Civil errou — e feio — ao determinar, no art. 1.725, que, salvo disposição escrita em sentido diverso, a união estável se rege pela comunhão parcial. Isso porque muitas pessoas optam por não casar justamente para evitar problemas patrimoniais. Acabam preferindo “juntar”, para fugir de possíveis controvérsias, muitas vezes sem saber que ao constituir a entidade familiar a lei lhes impõe o regime da comunhão parcial — de que queriam fugir, não se casando. Melhor seria que a regra fosse no sentido de que, salvo disposição em contrário, o regime aplicável à união estável é o da separação absoluta.

Em conclusão, repensando o Direito Civil brasileiro em busca da distinção entre a família formada pela união estável e a família formada pelo casamento, não encontro nenhuma que seja técnica, geral e abstrata. Se há distinções, e é claro que há, elas aparecem no caso concreto, mas não decorrem do tipo de vínculo que formou a família, mas sim de outras particularidades.

No entanto — e isto é assunto para outro artigo — a distinção segura que temos de buscar é entre a união estável e o que se poderia chamar de simples namoro. Para evitar, como se tem visto, que casos de relações conjugais sem a estabilidade e o intuito de constituir família característicos da união estável — e, insisto, do casamento — possam ser manipuladas, sobretudo judicialmente, para aparentar casos de união estável, com a atribuição de direitos a quem não se deve atribuí-los, e de deveres a quem não os assumiu.


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