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EC 80/2014 dá novo perfil constitucional à Defensoria Pública

EC 80/2014

PERFIL CONSTITUCIONAL

Caio Paiva

Caio Paiva

15/02/2017

A EC 80/2014 decorre da Proposta de Emenda à Constituição 247/2013, de autoria dos deputados federais Mauro Benevides (PMDB-CE), Alessandro Molon (Rede-RJ) e André Moura (PSC-SE), ficando conhecida como PEC Defensoria Para Todos, isso porque um dos seus principais objetivos, veiculado mediante alteração no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal, foi o de estabelecer que “no prazo de oito anos, a União, os estados e o Distrito Federal deverão contar com defensores públicos em todas as unidades jurisdicionais (…)” (artigo 98, parágrafo 1º).

A Defensoria Pública ganhou, com a EC 80/2014, um novo perfil constitucional, o qual projetou a instituição para um patamar normativo inédito, trazendo, além da já citada obrigação do Poder Público de universalizar o acesso à Justiça e garantir a existência de defensores públicos em todas as unidades jurisdicionais no prazo máximo de oito anos, as seguintes inovações: 1) inserção da Defensoria Pública em seção exclusiva no rol das funções essenciais à Justiça, separada, agora, da advocacia; 2) explicitação ampla do conceito e da missão da Defensoria Pública; 3) inclusão dos princípios institucionais da Defensoria Pública no texto constitucional; e 4) aplicação de parte do regramento jurídico do Poder Judiciário, no que couber, à Defensoria Pública, principalmente a iniciativa de lei.

Sobre a iniciativa de lei conferida à Defensoria Pública

No que diz respeito à inovação 4), objeto deste brevíssimo estudo, dispõe o artigo 134, parágrafo 4º, da CF, que será aplicado à Defensoria Pública o disposto no artigo 93 e no artigo 96, II, ambos da CF, que integram o estatuto jurídico da magistratura e estabelecem, respectivamente, que compete ao Supremo Tribunal Federal a iniciativa de lei complementar sobre o Estatuto da Magistratura, e que compete ao STF, aos Tribunais Superiores e aos Tribunais de Justiça a iniciativa de lei sobre alteração do número de membros dos tribunais inferiores; a criação e a extinção de cargos e a remuneração dos seus serviços auxiliares e dos juízos que lhes forem vinculados, bem como a fixação do subsídio de seus membros e dos juízes, inclusive dos tribunais inferiores, onde houver; a criação ou extinção dos tribunais inferiores; e a alteração da organização e da divisão judiciárias.

Inicialmente, convém ressaltar que na redação original da PEC 247/2013 se determinava somente a aplicação do artigo 93 da CF à Defensoria Pública, de modo que a instituição teria apenas a iniciativa de lei sobre o seu estatuto jurídico, tal como o STF tem a iniciativa de lei a respeito do Estatuto da Magistratura. Foi apenas com a apresentação (e aprovação) de parecer redigido pela Comissão Especial constituída para analisar a PEC 243/2014 que um substituto se sobrepôs à proposta original, determinando, portanto, que também fosse aplicado à Defensoria Pública o artigo 96, II, já que, conforme anotou o relator, “as modificações propostas [pelo projeto original], ainda que signifiquem notável avanço, não garantem à Defensoria Pública a iniciativa de lei naquilo que concerne diretamente à sua organização e funcionamento, como a criação e a extinção de seus cargos e dos serviços auxiliares”[1].

Temos, no entanto, um problema: a EC 80/2014 não revogou nem alterou (expressamente) o artigo 61, parágrafo 1º, d, da CF, que estabelece competir privativamente ao presidente da República a iniciativa de lei que disponha sobre “organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, bem como normas gerais para a organização do Ministério Público e da Defensoria Pública nos estados, no Distrito Federal e dos Territórios”. Como conciliar a inovação trazida pela EC 80/2014 com o artigo 61, parágrafo 1º, d, da Constituição?

Quatro entendimentos sobre este problema

Tratarei nesta oportunidade apenas da aplicação do artigo 93 da CF à Defensoria Pública, que dispõe sobre a iniciativa de lei para dispor sobre o estatuto jurídico da instituição, seja no tocante à organização exaustiva da Defensoria Pública da União, seja no que diz respeito ao estabelecimento de normas gerais para as defensorias dos estados e do Distrito Federal, nos termos do artigo 134, parágrafo 1º, da CF. Quanto ao artigo 96, II, da CF, parece não pairar dúvidas sobre a sua aplicação. No entanto, a doutrina tem divergido sobre a possibilidade e os limites de aplicação do artigo 93 da CF à Defensoria Pública.

Para Franklyn Roger, o artigo 93 da CF não possui equivalência total com a Defensoria Pública, já que a iniciativa de lei conferida ao STF sobre o Estatuto da Magistratura se justifica em razão de aquele tribunal ser o órgão máximo do Poder Judiciário, estando todos os demais sujeitos à sua hierarquia, cenário que não se verifica no âmbito da Defensoria Pública, que, apesar de instituição una, não conta com um órgão de hierarquia superior na sua estrutura. E prossegue o estudioso amigo Franklyn Roger para ressaltar que o defensor público-geral federal é chefe da Defensoria Pública da União, não tendo qualquer poder hierárquico nas defensorias dos estados, concluindo, portanto, que, em relação às normas de organização da Defensoria Pública, a iniciativa de leis permanecerá nas mãos do presidente da República, como manda o artigo 61, parágrafo 1º, II, d, da CF, restando apenas a iniciativa de cada defensor público-geral (da DPU, DPEs e DPDF), concorrente com o chefe do Executivo, para editar normas específicas da Defensoria Pública respectiva[2].

No mesmo sentido, divergindo apenas quanto à natureza da legitimidade dos defensores públicos-gerais, afirmando se tratar de iniciativa privativa, e não concorrente com o chefe do Poder Executivo, a lição de Frederico Rodrigues Viana de Lima, outro expoente da doutrina institucional da Defensoria Pública[3].

Diversamente, temos o entendimento de Daniel Sarmento, para quem a iniciativa legislativa para tratar de temas afetos à organização da Defensoria Pública é um requisito indispensável para assegurar a autonomia da instituição. E prossegue Sarmento, afirmando que a EC 80/2014 derrogou tacitamente o artigo 61, parágrafo 1º, II, da CF, justificando ainda que:

“(…) Não há qualquer singularidade da magistratura diante da Defensoria Pública nesta matéria, que justifique a não aplicação do artigo 93, caput, à última.

Entendo que essa iniciativa é privativa do defensor público-geral federal, e não concorrente com a do presidente da República, na mesma linha do que ocorre com o STF em relação ao Estatuto da Magistratura.

(…) Esta solução, ademais, prestigia a teleologia da Constituição, de fortalecer a autonomia da defensoria, do que aquela que resultaria do reconhecimento da iniciativa concorrente do presidente da República para leis sobre organização da DPU, já que o exercício dessa suposta faculdade pelo chefe do Executivo Federal poderia ameaçar a independência da instituição”[4].

Importante ressaltar que Sarmento reconhece, no plano federal, a iniciativa privativa do defensor público-geral federal não apenas para tratar da organização da Defensoria Pública da União, mas também para alterar as normas gerais aplicáveis às defensorias públicas dos estados e do Distrito Federal:

“A extensão do artigo 93, caput, à Defensoria Pública também importa no reconhecimento do poder de iniciativa do defensor público-geral federal para lei a complementar que estabelece normas gerais para as defensorias públicas dos Estados e Distrito Federal. (…).

Muito embora o defensor público-geral federal não seja o chefe nacional da Defensoria Pública — cabendo-lhe apenas o comando da DPU —, a Constituição é clara ao aludir à existência de uma única lei complementar de âmbito nacional, que, simultaneamente, deve tratar da Defensoria Pública da União e estabelecer normas gerais para as defensorias dos Estados e do Distrito Federal. Discreparia a mais não poder do sistema constitucional atribuir aos defensores-gerais dos estados o poder de iniciativa no âmbito do processo legislativo federal, que se desenvolve no Congresso Nacional. Em nenhum caso a Constituição Federal atribui a autoridades estaduais a prerrogativa de deflagrar o processo legislativo federal ordinário ou complementar”[5].

Até aqui, portanto, conseguimos identificar três correntes acerca da interpretação do artigo 134, parágrafo 4º, c/c artigo 93, ambos da CF: 1) o entendimento de Franklyn Roger, no sentido de que a EC 80/2014 não alterou a legitimidade para deflagrar o processo legislativo sobre as normas gerais de organização da Defensoria Pública, que permanece com o presidente da República, sendo que cada defensor público-geral terá legitimidade concorrente com o chefe do Poder Executivo para a proposição das normas específicas da respectiva Defensoria Pública; 2) o entendimento de Frederico de Lima, que coincide com o entendimento de Franklyn Roger na primeira parte, também defendendo que a EC 80/2014 não permite ao defensor público-geral federal deflagrar o processo legislativo para alterar as normas gerais da organização das Defensorias Públicas, a qual permanece com o presidente da República, defendendo, porém, que a legitimidade dos defensores públicos-gerais será privativa, e não concorrente com o chefe do Executivo, para apresentar projeto de lei sobre a organização específica de cada defensoria; e 3) o entendimento de Sarmento, para quem a EC 80/14 derrogou tacitamente o artigo 61, parágrafo 1º, II, d, da CF, defendendo que o defensor público-geral federal tem legitimidade privativa tanto para leis que disponham sobre a organização da DPU quanto para leis que alterem as normas gerais aplicáveis às defensorias públicas estaduais e distrital.

O meu entendimento coincide com a tese do professor Sarmento no que diz respeito à derrogação tácita do artigo 61, parágrafo 1º, II, d, da CF, pela EC 80/2014, de modo que também defendo que cada defensor público-geral terá legitimidade privativa, e não concorrente com o chefe do Executivo, para alterar as normas específicas da respectiva Defensoria Pública. No entanto, tenho dificuldade para superar o “problema federativo” que a proposta de Sarmento provoca: a possibilidade de o defensor público-geral federal, que não tem qualquer vínculo administrativo nem ascendência hierárquica com as defensorias dos estados e do Distrito Federal, iniciar processo legislativo com o objetivo de alterar as normas gerais da Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública (LC 80/1994). Da mesma forma, tenho dificuldade para concordar com Franklyn Roger e Frederico Lima, pois a EC 80/2014 aparece num contexto de limitação — e não de manutenção — da ingerência do Poder Executivo na definição do estatuto jurídico das defensorias públicas.

Para contornar este impasse, entendo que um projeto de lei assinado por todos os defensores públicos-gerais possa ser apresentado diretamente no Congresso Nacional para alterar normas gerais aplicáveis a todas as defensorias públicas, configurando aqui, portanto, uma espécie de legitimidade privativa coletiva[6], para a qual o Colégio Nacional de Defensores Públicos-Gerais (Condege) pode exercer importante atividade de coordenação. Assim, tanto o pacto federativo quanto a essência da EC 80/2014 estariam preservados.

Fonte: Conjur


[1] Cf. Parecer da Comissão Especial destinada a analisar a PEC 247/2013, relator o deputado Amauri Teixeira, p. 7. Disponível em:http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1135807&filename=Tramitacao-PEC+247/2013. Acessado no dia 29/09/2015.
[2] ROGER, Franklyn. A nova formatação constitucional da Defensoria Pública à luz da emenda constitucional n. 80/14. Disponível em:http://www.cursocei.com/reflexos-da-ec-n-80-de-2014/. Acessado no dia 29/09/2015.
[3] LIMA, Frederico Rodrigues Viana de. Defensoria Pública. 4a ed. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 96.
[4] SARMENTO, Daniel. Parecer: Dimensões Constitucionais da Defensoria Pública da União, p. 39-40. Disponível em:http://www.anadef.org.br/images/Anexos_pdfs/Parecer_ANADEF_Daniel_Sarmento_1.pdf. Acessado no dia 05/10/2015.
[5] SARMENTO, Daniel. Parecer: Dimensões Constitucionais da Defensoria Pública da União, p. 40-41.
[6] A CF prevê duas espécies de legitimidade coletiva, mas concorrente com outros legitimados: 1) para apresentação de emenda à Constituição, o que pode ser feito por “mais da metade das Assembleias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros” (artigo 60, III); e 2) para apresentação de lei de iniciativa popular, cujo projeto deve ser “subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles” (artigo 61, parágrafo 2º).

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