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Discurso de agradecimento do Ministro Carlos Maximiliano

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Homenagem a Carlos Maximiliano

CARLOS MAXIMILIANO

HERMENÊUTICA E APLICAÇÃO DO DIREITO

Alysson Leandro Mascaro
Alysson Leandro Mascaro

16/02/2017

Historicamente, as variadas normatividades sociais sempre formularam questões atinentes à sua teorização e ao seu controle. No passado, as religiões, muitas delas fundadas em legalismos, buscavam atrelar suas normas a interpretações consideradas verdadeiras ou corretas, na medida em que vários desses conjuntos de regras eram tidos por palavras divinas. No entanto, no plano da vida social, havia algum descompasso entre norma e hermenêutica, porque, no fundamental, as relações escravistas e feudais tinham no mando senhorial uma interpretação última, de poder, que não necessitava de explicação ou de coerência. O Absolutismo foi o último de tais regimes de concentração de poder decisório para além de limites normativos.

Com as sociedades capitalistas, o poder político é separado do poder econômico. Uma miríade de agentes em concorrência se orienta para a acumulação. Sobre essa dinâmica econômica da sociedade, o Estado passa a se firmar, detendo o monopólio da violência, da produção das leis e da decisão a seu respeito. Surgem, disso, poderes legislativos e judiciários. Também em mãos estatais está o controle de como se interpretam as normas jurídicas. Desde faculdades de direito, que concentram oficialmente a formação dos juristas e o modo pelo qual entenderão o fenômeno jurídico, até chegar às múltiplas instâncias e tribunais que fazem da decisão um sistema, a norma jurídica será balizada a partir da “correta”, “verdadeira” ou “melhor” hermenêutica, quando não – como fora o caso da França napoleônica –, proibindo mesmo, para o arrepio de qualquer bom-senso intelectivo sobre tal fenômeno, a própria hermenêutica.

Desde o século XIX, começam a surgir teorias especificamente jurídicas sobre a hermenêutica. Múltiplas e em disputa entre si, podem ser vistas em correntes que buscam interpretar a lei em sentidos externos a ela mesma – espírito do povo, bons costumes etc. – e, ainda e até, aquelas que pretendem se fixar apenas em aspectos gramaticais ou de coerência lógica interna sistemática, fazendo daí ressaltar o juspositivismo. Já no século XX, a pretensão de um controle científico da hermenêutica jurídica cai por terra. Com Kelsen, a interpretação jurídica não é mais tratada como verdadeira ou falsa, e sim como autêntica (quando feita pelo poder estatal) ou doutrinária (quando obra de intelecção sem poder jurídico decisório).

Mas, em especial, será a filosofia que abrirá os horizontes – e, mesmo, deslocará o problema – da hermenêutica jurídica. Passam por essa ruptura com o modelo burguês-iluminista de controle racional da argumentação e da decisão estatal pensadores notoriamente ocupados da questão, como Hans-Georg Gadamer, ao tratar da pré-compreensão existencial, mas também Freud, com a descoberta do inconsciente e de sua natureza determinante do sentido, Marx e Althusser, ao desvendar a ideologia como horizonte de constituição da intelecção de mundo dos sujeitos, e Foucault, com a perspectiva de uma estruturação das relações de compreensão a partir da microfísica do poder – autores de que me tenho ocupado nas reflexões sobre hermenêutica jurídica que desenvolvo em meu Introdução ao Estudo do Direito (Atlas-GEN).

Carlos Maximiliano, no começo do século XX, foi o destacado brasileiro que buscou sistematizar a questão da hermenêutica jurídica. Se é verdade que é um pensador de um mundo teórico ainda de tempos pré-kelsenianos, no entanto, em sua época, é um dos responsáveis por estabelecer os cânones dos assuntos e problemas hermenêuticos, dialogando com a melhor doutrina estrangeira a respeito, avançando mesmo para a crítica da pretensão de controle total sobre a interpretação. Hermenêutica e Aplicação do Direito (Forense-GEN) tornou-se a referência brasileira sobre o assunto, em especial porque tratou com exaustão dos quadrantes do problema da hermenêutica jurídica, dos seus métodos e tipos e, ainda, de sua manifestação nos variados ramos do direito. Além disso, estende sua reflexão ao problema imediatamente correlato ao da hermenêutica jurídica: a aplicação do direito. Tal conjunto delineia, mesmo, a formação de uma unidade em torno de grandes assuntos da teoria geral do direito.

Na história do pensamento jurídico no Brasil, a obra de Maximiliano é certamente, a mais extensa e vigorosa a respeito da hermenêutica jurídica. É um clássico que dialoga com os demais clássicos do tema. Domat, Thibaut, Windscheid, Jhering, Jellinek, Enneccerus, Degni, Ferrara, Demolombe, Geny, Roscoe Pound, são alguns dos nomes mundiais referenciais sistematizados em seu texto. Entre nós, seu pensamento avança sobre as considerações de um grande arco de teóricos do direito, de Paula Batista ao Conselheiro Ribas até chegar a seus contemporâneos como Clóvis Beviláqua.

Destaco, em especial, em Maximiliano, sua peculiar posição teórica, situada entre guardar e sistematizar a tradição e ter de abrir-se às injunções de alteração ou inovação do direito e da sociedade em transformação. Tendo vivido ativamente a história política do Brasil da primeira metade do século passado – de advogado a deputado federal, de Ministro da Justiça de Venceslau Braz a Ministro do Supremo Tribunal Federal de Getúlio Vargas –, Maximiliano se deparou com os conflitos, contradições e antagonismos das instituições políticas e jurídicas do tempo. Mais que tudo, estando em ávido diálogo com o pensamento jurídico do final do século XIX e do início do século XX, pôde perceber que o velho mundo do formalismo jurídico, que imagina o direito a partir do modelo ideal da subsunção empreendida por juízes serenamente imbuídos de espírito liberal-legalista, ainda se mantinha parcialmente como explicação do direito, mas estava prestes a ruir. Exatamente no diapasão desta tensão está seu pensamento teórico.

Ler Hermenêutica e Aplicação do Direito hoje é, além de incorporar um vigoroso estudo sistemático sobre a hermenêutica jurídica, também, compreender o processo de mudança histórica do direito e do pensamento jurídico por meio de uma de suas reflexões centrais.


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