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PREFÁCIO: Instituições de Direito Civil – Caio Mário

INSTITUIÇÕES DE DIREITO CIVIL

Caio Mário da Silva Pereira
Caio Mário da Silva Pereira

20/02/2017

Às vésperas de completar 90 anos, tenho a alegria de entregar a uma equipe de destacados juristas os “manuscritos” que desenvolvi desde a versão original do Projeto do Código Civil de 1975, aprovado pela Câmara dos Deputados em 1984 e pelo Senado Federal em 1998.

A exemplo dos mais modernos compêndios de direito, com o apoio daqueles que escolhi pela competência e dedicação ao Direito Civil, sinto­?me realizado ao ver prosseguir no tempo as minhas ideias, mantidas as diretrizes que impus às Instituições.

Retomo, nesse momento, algumas reflexões, pretendendo que as mesmas sejam incorporadas à obra, como testemunho de uma concepção abrangente e consciente das mudanças irreversíveis: a História, também no campo do Direito, jamais se repete.

Considerando que inexiste atividade que não seja “juridicamente qualificada”, perpetua-se a palavra de Giorgio Del Vecchio, grande jusfilósofo por mim tantas vezes invocado, ao assinalar que “todo Direito é, em verdade, um complexo sistema de valores” e, mais especificamente, ao assegurar que o sistema jurídico vigente representa uma conciliação entre “os valores da ordem e os valores da liberdade”.[1]

Em meus recentes estudos sobre “alguns aspectos da evolução do Direito Civil”[2] alertei os estudiosos do perigo em se desprezar os motivos de ordem global que legitimam o direito positivo, e da importância de se ter atenção às “necessidades sociais” a que, já há muito, fez referência Jean Dabin.[3]

Eu fugiria da realidade social se permanecesse no plano puramente ideal dos conceitos abstratos, ou se abandonasse o solo concreto “do que é”, e volteasse pelas áreas exclusivas do “dever ser”. Labutando nesta área por mais de sessenta anos, lutando no dia a dia das competições e dos conflitos humanos, reafirmo minhas convicções no sentido de que o Direito deve ser encarado no concretismo instrumental que realiza, ou tenta realizar, o objetivo contido na expressão multimilenar de Ulpiano, isto é, como o veículo apto a permitir que se dê a cada um aquilo que lhe deve caber – suum cuique tribuere. E se é verdade que viceja na sociedade a tal ponto que ubi societas ibi ius, também é certo que não se pode abstraí-lo da sociedade onde floresce: ubi ius, ibi societas.

Visualizando o Direito como norma de conduta, como regra de comportamento, e esquivando-me dos excessos do positivismo jurídico, sempre conclamei o estudioso a buscar conciliá-lo com as exigências da realidade, equilibrando-a com o necessário grau de moralidade e animando-a com o anseio natural de justiça – este dom inato ao ser humano.

Não se pode, em verdade, ignorar o direito positivo, o direito legislado, a norma dotada de poder cogente. Ele é necessário. Reprime os abusos, corrige as falhas, pune as transgressões, traça os limites à liberdade de cada um, impedindo a penetração indevida na órbita das liberdades alheias. Não é aceitável, porém, que o Direito se esgote na manifestação do poder estatal. Para desempenhar a sua função básica de “adequar o homem à vida social”, como eu o defini,[4] há de ser permanentemente revitalizado por um mínimo de idealismo, contribuindo para o equilíbrio de forças e a harmonia das competições.

Assiste-se, por outro lado, à evolução do direito legislado, na expressão morfológica de sua elaboração, como tendente a perder cada vez mais o exagerado tecnicismo de uma linguagem esotérica, posta exclusivamente ao alcance dos iniciados. Sem se desvestir de uma linguagem vernácula, há de expressar-se de tal modo que seja compreendido sem o auxílio do misticismo hermenêutico dos especialistas.

Tomado como ponto de partida o Código Civil de 1916, sua preceituação e a sua filosofia, percebe-se que o Direito Civil seguiu por décadas rumo bem definido. Acompanhando o desenvolvimento de cada instituto, vê-se que, embora estanques, os segmentos constituíram uma unidade orgânica, obediente no seu conjunto a uma sequência evolutiva uniforme.

No entanto, as últimas décadas, marcadas pela redemocratização do País e pela entrada em vigor da nova Constituição, deflagraram mudanças profundas em nosso sistema jurídico, atingindo especialmente o Direito Privado.

Diante de tantas transformações, passei a rever a efetiva função dos Códigos, não mais lhes reconhecendo a missão tradicional de assegurar a manutenção dos poderes adquiridos, nem tampouco seu valor histórico de “Direito Comum”. Se eles uma vez representaram a “consagração da previsibilidade”,[5] hoje exercem, diante da nova realidade legislativa, um papel residual.

Cabe ressaltar com subsídios em Lúcio Bittencourt,[6] que “a lei contém na verdade o que o intérprete nela enxerga, ou dela extrai, afina em essência com o conceito valorativo da disposição e conduz o direito no rumo evolutivo que permite conservar, vivificar e atualizar preceitos ditados há anos, há décadas, há séculos, e que hoje subsistem somente em função do entendimento moderno dos seus termos”.

O legislador exprime-se por palavras e é no sentido real destas que o intérprete investiga a verdade e busca o sentido vivo do preceito. Cabe a ele preencher lacunas e omissões e construir permanentemente o Direito, não deixando que as leis envelheçam, apesar do tempo decorrido.

Fiel a estas premissas hermenêuticas, sempre considerei a atuação de duas forças numa reforma do Código Civil: a imposição das novas contribuições trazidas pelo progresso incessante das ideias e o respeito às tradições do passado jurídico. Reformar o Direito não significa amontoar todo um conjunto normativo como criação de preceitos aptos a reformular a ordem jurídica constituída.

Em meus ensinamentos sobre a “interpretação sistemática”, conclamei o investigador a extrair de um complexo legislativo as ideias gerais inspiradoras da legislação em conjunto, ou de uma província jurídica inteira, e à sua luz pesquisar o conteúdo daquela disposição. “Deve o intérprete investigar qual a tendência dominante nas várias leis existentes sobre matérias correlatas e adotá-la como premissa implícita daquela que é o objeto das perquirições”.[7]

Estou convencido de que, no atual sistema jurídico, existe espaço significativo para uma interpretação teleológica, que encontra na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) sua regra básica, prevista no art. 5º: “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.

Na hermenêutica do novo Código Civil destacam-se hoje os princípios constitucionais e os direitos fundamentais, os quais se impõem às relações interprivadas, aos interesses particulares, de modo a fazer prevalecer uma verdadeira “constitucionalização” do Direito Privado.

Com a entrada em vigor da Carta Magna de 1988, conclamei o intérprete a um trabalho de hermenêutica “informado por uma visão diferente da que preside a interpretação das leis ordinárias”.[8]

Ao mesmo tempo, alertei-o acerca do que exprimi como o “princípio da continuidade da ordem jurídica”, mantendo a supremacia da Constituição sobre a legislatura: “Aplica-se incontinenti, porém voltada para o futuro. Disciplina toda a vida institucional ex nunc, a partir de ‘agora’, de quando começou a vigorar”.[9] Não obstante o seu caráter imperativo e a instantaneidade de sua vigência, “não poderia ela destruir toda a sistemática legislativa do passado”.[10]

Diante do “princípio da hierarquia das leis” não se dirá que a Constituição “revoga” as leis vigentes uma vez que, na conformidade do princípio da continuidade da ordem jurídica, a norma de direito objetivo perde a eficácia em razão de uma força contrária à sua vigência. “As leis anteriores apenas deixaram de existir no plano do ordenamento jurídico estatal por haverem perdido seu fundamento de validade”.[11] Diante de uma nova ordem constitucional, a “ratio” que sustentava as leis vigentes cessa. Cessando a razão constitucional da lei em vigor, perde eficácia a própria lei.

Naquela mesma oportunidade, adverti no sentido de que a nova Constituição não tem o efeito de substituir, com um só gesto, toda a ordem jurídica existente.“O passado vive no presente e no futuro, seja no efeito das situações jurídicas já consolidadas, seja em razão de se elaborar preceituação nova que, pela sua natureza ou pela necessidade de complementação, reclama instrumentalização legislativa”.[12]

Cabe, portanto, ao intérprete evidenciar a subordinação da norma de direito positivo a um conjunto de disposições com maior grau de generalização, isto é, a princípios e valores dos quais não pode ou não deve mais ser dissociada.

Destaco, a este propósito, o trabalho de Maria Celina Bodin de Moraes que assume uma concepção moderna do Direito Civil.[13] Analisando a evolução do Direito Civil após a Carta Magna de 1988 a autora afirma: “Afastou-se do campo do Direito Civil a defesa da posição do indivíduo frente ao Estado, hoje matéria constitucional”.

Ao traçar o novo perfil do Direito Privado e a tendência voltada à “publicização” – a conviver, simultaneamente, com uma certa “privatização do Direito Público” – a ilustre civilista defende a superação da clássica dicotomia “Direito Público-Direito Privado” e conclama a que se construa uma “unidade hierarquicamente sistematizada do ordenamento jurídico”. Esta unidade parte do pressuposto de que “os valores propugnados pela Constituição estão presentes em todos os recantos do tecido normativo, resultando, em consequência, inaceitável a rígida contraposição”.[14]

A autora ressalta a supremacia axiológica da Constituição “que passou a se constituir como centro de integração do sistema jurídico de direito privado”,[15] abrindo-se então o caminho para a formulação de um “Direito Civil Constitucional”, hoje definitivamente reconhecido, na Doutrina e nos Tribunais.

Reporto-me, especialmente, aos estudos de Pietro Perlingieri, ao afirmar que o Código Civil perdeu a centralidade de outrora e que “o papel unificador do sistema, tanto em seus aspectos mais tradicionalmente civilísticos quanto naqueles de relevância publicista é desempenhado de maneira cada vez mais incisiva pelo Texto Constitucional”.[16]

Diante da primazia da Constituição Federal, os “direitos fundamentais” passaram a ser dotados da mesma força cogente nas relações públicas e nas relações privadas e não se confundem com outros direitos assegurados ou protegidos.

Em minha obra sempre salientei o papel exercido pelos “princípios gerais de direito”, a que se refere expressamente o art. 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) como fonte subsidiária de direito. Embora de difícil utilização, os princípios impõem aos intérpretes o manuseio de instrumentos mais abstratos e complexos e requerem um trato com ideias de maior teor cultural do que os preceitos singelos de aplicação quotidiana.[17]

Devo reconhecer que, na atualidade, os princípios constitucionais se sobrepõem à posição anteriormente ocupada pelos princípios gerais de direito. Na doutrina brasileira, cabe destacar, acerca dessa evolução, os estudos de Paulo Bonavides sobre os “princípios gerais de direito” e os “princípios constitucionais”.[18]

Depois de longa análise doutrinária e evolutiva, o ilustre constitucionalista reafirma a normatividade dos princípios.[19] Reporta-se a Vezio Crisafulli ao asseverar que “um princípio, seja ele expresso numa formulação legislativa ou, ao contrário, implícito ou latente num ordenamento, constitui norma, aplicável como regra de determinados comportamentos públicos ou privados”.[20]

Bonavides identifica duas fases na constitucionalização dos princípios: a fase programática e a fase não programática, de concepção objetiva.[21] “Nesta última, a normatividade constitucional dos princípios ocupa um espaço onde releva de imediato a sua dimensão objetiva e concretizadora, a positividade de sua aplicação direta e imediata.”

Conclui o conceituado autor que “desde a constitucionalização dos princípios, fundamento de toda a revolução ‘principial’, os princípios constitucionais outra coisa não representam senão os princípios gerais de direito, ao darem estes o passo decisivo de sua peregrinação normativa, que, inaugurada nos Códigos, acaba nas Constituições”.[22]

No âmbito do debate que envolve a constitucionalização do Direito Civil, mencione-se ainda o § 1º do art. 5º do Texto Constitucional, que declara que as normas definidoras dos direitos e das garantias fundamentais têm aplicação imediata. Considero, no entanto, que não obstante preceito tão enfaticamente estabelecido, ainda assim, algumas daquelas normas exigem a elaboração de instrumentos adequados à sua fiel efetivação.[23]

Rememorando meus ensinamentos sobre “direito subjetivo” e a centralidade da “facultas agendi” ressalvadas, é claro, as tantas controvérsias e divergências que envolvem o tema, destaco na conceituação do instituto o poder de ação, posto à disposição de seu titular e que não dependerá do exercício por parte deste último. Por essa razão, o indivíduo capaz e conhecedor do seu direito poderá conservar-se inerte, sem realizar o poder da vontade e, ainda assim, ser portador de tal poder.

Ainda a respeito do direito subjetivo, sempre ressaltei a presença do fator teleológico, ou seja, “o direito subjetivo como faculdade de querer, porém dirigida a determinado fim. O poder de ação abstrato é incompleto, desfigurado. Corporifica-se no instante em que o elemento volitivo encontra uma finalidade prática de atuação. Esta finalidade é o interesse de agir”.[24]

Mais uma vez refiro-me aos estudos de Maria Celina Bodin de Moraes, que, apoiando-se em Michele Giorgianni, esclarece: a força do direito subjetivo não é a do titular do direito e sim “a força do ordenamento jurídico que o sujeito pode usar em defesa de seus interesses”, concluindo que “esta força existe somente quando o interesse é juridicamente reconhecido e protegido”(…).

No âmbito dos direitos subjetivos, destaca-se o princípio constitucional da tutela da dignidade humana, como princípio ético-jurídico capaz de atribuir unidade valorativa e sistemática ao Direito Civil, ao contemplar espaços de liberdade no respeito à solidariedade social. É neste contexto que Maria Celina Bodin de Moraes insere a tarefa do intérprete, chamado a proceder à ponderação, em cada caso, entre liberdade e solidariedade. Esta ponderação é essencial, já que, do contrário, os valores da liberdade e da solidariedade se excluiriam reciprocamente, “todavia, quando ponderados, seus conteúdos se tornam complementares: regulamenta-se a liberdade em prol da solidariedade social, isto é, da relação de cada um, com o interesse geral, o que, reduzindo a desigualdade, possibilita o livre desenvolvimento da personalidade de cada um dos membros da comunidade”.[25]

Nessas minhas reflexões não poderia me omitir quanto às propostas de João de Matos Antunes Varela, as quais ajudaram a consolidar minhas convicções, já amplamente conhecidas, no sentido da descodificação do Direito.

Numa análise histórica, o insigne civilista português demonstra que o Código Civil se manteve na condição de “diploma básico de toda a ordem jurídica”, atribuindo ao Direito Civil a definição dos direitos fundamentais do indivíduo. Desde os primórdios das codificações nunca se conseguiu, no entanto, estancar a atividade das assembleias legislativas no que concerne à “legislação especial”, a qual se formava por preceitos que “constituíam meros corolários da disciplina básica dos atos jurídicos e procuravam, deliberadamente, respeitar os princípios fundamentais definidos no Código Civil”.

Antunes Varela apresenta, ainda, efetivos indicadores para o movimento de descodificação: o Código Civil deixou de constituir-se o centro geométrico da ordem jurídica, já que tal papel foi transferido para a Constituição; o aumento em quantidade e qualidade da legislação especial; a nova legislação especial passou a caracterizar-se por uma significativa alteração no quadro dos seus destinatários: “As leis deixaram em grande parte de constituir verdadeiras normas gerais para constituírem ‘estatutos privilegiados’ de certas classes profissionais ou de determinados grupos políticos”.[26]

Refere-se, ainda, aos “microssistemas” como “satélites autônomos que procuram regiões próprias na órbita incontrolada da ordem jurídica (…)” e “reivindicam áreas privativas e exclusivas de jurisdição e que tendem a reger-se por princípios diferentes dos que inspiram a restante legislação”.[27]

Conclui o autor que a Constituição não pode hoje limitar-se a definir os direitos políticos e as liberdades fundamentais do cidadão e a traçar a organização do Estado capaz de garantir a livre iniciativa dos indivíduos. “Acima da função de árbitro nos conflitos de interesses individuais ou de acidental interventor supletivo no desenvolvimento econômico do país, o Estado social moderno chamou, justificadamente, a si duas funções primordiais: a de promotor ativo do bem comum e de garante da justiça social”.[28]

Como Antunes Varela, considero a necessidade de serem preservadas as leis especiais vigentes, salvo a total incompatibilidade com normas expressas do novo Código Civil, quando estaremos enfrentando a sua revogação ou ab-rogação. Alerte-se, no entanto, para a cessação da vigência da lei por força do desaparecimento das circunstâncias que ditaram a sua elaboração. Invoca-se, a propósito, a máxima cessante ratione legis, cessat et ipsa lex[29].

Entre as causas especiais de cessação da eficácia das leis, não se pode deslembrar a resultante da declaração judicial de sua inconstitucionalidade. Por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal cabe ao Senado Federal suspender a sua execução, no todo ou em parte (CF, art. 52, X). Portanto, não compete ao Poder Judiciário revogar a lei, mas recusar a sua aplicação quando apura a afronta a princípios fixados no Texto Maior.

Destaque-se, ainda, a Lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998, que dispõe sobre a “elaboração, a redação, alteração e a consolidação das leis”, declarando no art. 9º que “a cláusula de revogação deverá enumerar, expressamente, as leis ou disposições legais revogadas”.

Outrossim, devemos ser cautelosos ao interpretar o art. 2o, § 2o, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, segundo o qual “a lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior”. Da mesma forma advertiu Marco Aurelio S. Vianna ao considerar que “a generalidade de princípios numa lei geral não cria incompatibilidade com regra de caráter especial. A disposição especial disciplina o caso especial, sem afrontar a norma genérica da lei geral que, em harmonia, vigorarão simultaneamente”.[30]

A adequação do Código Civil ao nosso “status” de desenvolvimento representa um efetivo desafio aos juristas neste renovado contexto legislativo. A minha geração foi sacrificada no altar estado-novista. Quando atingiu a idade adulta e chegou o momento de aparelhar-se para competir nos prélios políticos, as liberdades públicas foram suprimidas e o restabelecimento custou inevitável garroteamento entre os antigos que forcejavam por ficar e os mais novos que chegaram depois e ambicionavam vencer. A geração atual, que conviveu com as diversas versões do novo Código, busca assimilar as lições realistas do mundo contemporâneo.

Nova diretriz deverá ser considerada para o jurista deste milênio que se inicia. San Tiago Dantas pregava, de forma visionária, a universalidade do comando jurídico, conduzindo à interdisciplinaridade entre os vários ramos jurídicos. Considero, no entanto, que o Direito deve buscar também nas outras ciências, sobretudo naquelas sociais e humanas, o apoio e a parceria para afirmar seus princípios, reorganizando metodologicamente seus estudos e pesquisas. As relações humanas não podem ser tratadas pelo sistema jurídico como se fossem apenas determinadas pelo mundo dos fatos e da objetividade. A filosofia, a psicologia, a sociologia, a economia, a medicina e outras ciências indicam novos rumos ao Direito.

Convivendo com um sistema normativo que sempre se contentou com a pacificação dos conflitos, cabe aos juristas, intérpretes e operadores do Direito, assumi-lo com a “função promocional” apregoada por Norberto Bobbio desde a década de setenta. O Código de Defesa do Consumidor, o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação representam estrutura legislativa que se projetará como modelo dos diplomas legislativos, nos quais há de prevalecer, acima de tudo, o respeito aos direitos fundamentais.

Devemos, portanto, assumir a realidade contemporânea: os Códigos exercem hoje um papel menor, residual, no mundo jurídico e no contexto sociopolítico. Os “microssistemas”, que decorrem das leis especiais, constituem polos autônomos, dotados de princípios próprios, unificados somente pelos valores e princípios constitucionais, impondo-se assim o reconhecimento da inovadora técnica interpretativa.

No que tange ao primeiro volume das Instituições contei com o apoio da Professora Maria Celina Bodin de Moraes, Doutora em Direito Civil pela Università degli studi di Camerino, Itália, Professora Titular de Direito Civil da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e Professora Associada do Departamento de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Por sua vez, pôde a Professora contar com o auxílio de alunos seus, em especial o de Carlos Nelson Konder, então mestre em Direito Civil.

Agradeço o empenho e o desvelo, que tanto engrandeceram a obra. Graças ao seu trabalho, este volume foi acrescido não apenas de meus próprios comentários, como também de referências a outras teses doutrinárias, nacionais e estrangeiras, cuja seleção revela a pesquisa realizada em prol da cuidadosa atualização.

Diante do Código Civil de 2002, espero que minha obra, já agora atualizada, possa prosseguir no tempo orientando os operadores do Direito, os juristas e os acadêmicos do novo milênio, cabendo-lhes, sob a perspectiva da globalização das instituições, o desafio de conciliar critérios de interpretação que resultem na prevalência do bom senso, da criatividade e, por vezes, de muita imaginação.

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[1] Giorgio Del Vecchio, Evoluzione ed involuzione del Diritto, Roma, 1945, p. 11, refere-se a “un tentativo di conciliazione tra il valore dell’ordine e il valore della libertà”, muito embora para assegurar um desses valores seja necessário sacrificar correspondentemente o outro.
[2] Caio Mário da Silva Pereira, Direito Civil: Aspectos de sua Evolução, Rio de Janeiro, Forense, 2001.
[3] Jean Fabin, Philosophie de L’ordre Juridique Positif, Paris, Sirey, 1929, p. 22.
[4] Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de Direito Civil, vol. I, nº 1, Rio de Janeiro, Forense, 2003.
[5] Natalino Irti, “L’età della decodificazione”, in Revista de Direito Civil, nº 10, p. 16, out./dez., 1979.
[6]  C. A Lúcio Bittencourt, “A Interpretação como Parte Integrante do Processo Legislativo”, in Revista Forense, vol. 94, p. 9.
[7] Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de Direito Civil, vol. I, nº 38.
[8] Caio Mário da Silva Pereira, “Direito Constitucional Intertemporal”, in Revista Forense, vol. 304, p. 29.
[9] Idem, ob. cit., p. 31.
[10] Idem, ob. cit., p. 32.
[11] Wilson de Souza Campos Batalha, apud Caio Mário da Silva Pereira, “Direito Constitucional Intertemporal”, cit., p. 33.
[12] Caio Mário da Silva Pereira, “Direito Constitucional Intertemporal”, cit., p. 34.
[13] Maria Celina Bodin de Moraes, “A Caminho de um Direito Civil Constitucional”, in Revista de Direito Civil, nº 65, p. 22, jul./set., 1993.
[14] Idem, ob. cit., p. 24.
[15] Idem, ob. cit., p. 31.
[16] Pietro Perlingieri, Perfis do Direito Civil: Introdução ao Direito Civil Constitucional. Trad. de M. C. De Cicco. Rio de Janeiro, Renovar, 1997, p. 6.
[17] Vide Instituições de Direito Civil, cit., vol. 1, nº 13.
[18] Paulo Bonavides, Curso de direito constitucional, 7ª ed., São Paulo, Malheiros, 1997.
[19] Paulo Bonavides, Curso de Direito Constitucional, cit., p. 246.
[20] Vezio Crisafulli, La Costituzione e sue Disposizioni di Principi, Milano, 1952, p. 16.
[21] Idem, ob. cit., p. 246.
[22] Idem, ob. cit., p. 261-262.
[23] Caio Mário da Silva Pereira, Direito Constitucional Intertemporal, cit., p. 33.
[24] Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de Direito Civil, infra, nº 5.
[25] Maria Celina Bodin de Moraes, “Constituição e Direito Civil: Tendências”, in Revista dos Tribunais, vol. 779, p. 55 e 59, set. 2000.
[26] João de Matos Antunes Varela, “O Movimento de Descodificação do Direito Civil”, in Estudos Jurídicos em Homenagem ao Prof. Caio Mário da Silva Pereira, Rio de Janeiro, Forense, 1984, p. 507-509.
[27] Idem, ob. cit., p. 510.
[28]  Idem, ob. cit., p. 527.
[29] “Cessando a razão da lei, cessa a própria lei.”
[30] Marco Aurelio S. Vianna, Direito Civil. Parte Geral, Belo Horizonte, Del Rey, 1993, p. 53.

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