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Decodificando o Código Civil (11): O regime de incapacidades do código civil brasileiro (parte 2)

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Felipe Quintella

Felipe Quintella

21/03/2017

Vimos na semana passada que um problema conceitual que aflige o regime de incapacidades do Código Civil brasileiro.

Vamos, hoje, explorar mais a fundo o problema.

O regime de incapacidades do Código Civil brasileiro (tanto do anterior quanto do atual) trabalha apenas com o que em doutrina se denomina incapacidade de fato, a qual, segundo o conceito herdado de Teixeira de Freitas, consiste na inaptidão da pessoa para praticar pessoalmente os atos da vida civil.

Em primeiro lugar, cumpre observar que as pessoas consideradas pelo Código incapazes não têm aptidão apenas parapraticar os atos da vida civil, o que não se confunde com a aptidão para adquirir direitos — capacidade de direito. Logo, é errado afirmar que as pessoas incapazes (de fato) são impedidas de adquirir direitos.

Em segundo lugar, veja que as pessoas consideradas pelo Código incapazes somente não podem praticar os atos da vida civil pessoalmente, ficando dependentes de um representante ou assistente, conforme o caso. E isso pelo fato de os atos da vida civil dependerem de manifestação de vontade consciente. Ora, as pessoas consideradas incapazes pelo Código são justamente aquelas que presumidamente não têm o necessário discernimento para manifestar conscientemente sua vontade, e que, por conseguinte, cabe ao Direito Civil proteger. Atribuindo a essas pessoas alguém que as proteja, o Direito Civil permite que os atos da vida civil sejam praticados, suprindo sua falta de discernimento, ou discernimento incompleto, pelo discernimento do seu representante ou assistente.

Se a lei presume a total falta de discernimento da pessoa, ela é considerada absolutamente incapaz, e lhe é atribuído um representante, que vai praticar os atos da vida civil por ela (art. 1.634, inc. VII e art. 1.747, inc. I). Por se tratar de um grau maior de incapacidade, os atos pessoalmente praticados pela pessoa absolutamente incapaz são considerados nulos (art. 166, inc. I), não admitindo convalidação (art. 169). Ademais, contra a pessoa absolutamente incapaz não correm os prazos prescricionais e decadenciais (art. 198, inc. I e art. 208).

Por sua vez, se a lei presume que o discernimento da pessoa não é pleno, ela é considerada relativamente incapaz, e lhe é atribuído um assistente, que vai praticar os atos da vida civil com ela (art. 1.634, inc. VII; art. 1.747, inc. I; e art. 1.781). Por se tratar de grau menor de incapacidade, os atos praticados pessoalmente pelo relativamente incapaz, sem a participação de seu assistente, são anuláveis (art. 171, inc. I), sendo possível a convalidação (art. 172 e art. 178, inc. III). Contra a pessoa relativamente incapaz, considerando-se que tem discernimento, embora não pleno, já correm os prazos prescricionais e decadenciais.

Essas são as diferenças entre a incapacidade absoluta (art. 3º) e a incapacidade relativa (art. 4º) no Código Civil de 2002 (e que provêm do Código de 1916).

O problema é que a redação do caput do atual art. 4º (“são incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer”) foi copiada do caput do art. 6º do Código de 1916, a qual foi inspirada no esquema das capacidades do Esboço de Teixeira de Freitas, em que a diferença entre a incapacidade absoluta e a incapacidade relativa não estava no grau de discernimento do incapaz, mas na abrangência da sua incapacidade.

O curioso (e triste!) é que o próprio Teixeira de Freitas reconhecia que a sua proposta era diferente, e por isso advertiu, sobre o artigo em que enumerou os relativamente incapazes:

(…) sendo relativa a incapacidade, cumpre indicar a relação, isto é, os atos que a incapacidade abrange, ou o modo que a constitui. É o que se não tem feito com clareza em Código algum, amalgamando-se as incapacidades de direito e as incapacidades de fato, e isto por consequência inevitável de teorias mal estudadas. Daí vem tanta incerteza, tantos erros, tantos pleitos e tão cruéis decepções.[1]

Observe, então: por ocasião da elaboração do Código de 1916, a despeito da advertência de Teixeira de Freitas, não se percebeu que a redação do preceito que se tornou o art. 6º não se ajustava ao regime adotado no Projeto de Bevilaqua; por ocasião da elaboração do Código de 2002, um século mais tarde, não se corrigiu o problema; enfim, o legislador, ao elaborar o Estatuto da Pessoa com Deficiência, caiu na cilada, e, agora, muitos intérpretes voltam a querer interpretar a diferença entre as incapacidades de fato não sistematicamente, observando o regime do Código, mas literalmente, com base na redação do caput do art. 4º. Eis aí grande perigo, de graves consequências. Por isso, é preciso decodificar o Código Civil.


[1] FREITAS, Augusto Teixeira de. Esboço de Código Civil. Rio de Janeiro: Tipografia Universal de Laemmert, 1860, p. 51.


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