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Precatórios e créditos prioritários

ART. 100

CARTAS DE SENTENÇA

DÉBITOS DE NATUREZA ALIMENTÍCIA

EC 62/2009

LEI ORÇAMENTÁRIA ANUAL

PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

PRECATÓRIOS

PREFERENCIAL

José dos Santos Carvalho Filho

José dos Santos Carvalho Filho

27/03/2017

De acordo com o art. 100, caput, da Constituição, os pagamentos devidos pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios por força de sentença judicial são, como regra, efetuados exclusivamente pelo regime de precatórios e à conta dos créditos respectivos, obedecendo-se à ordem cronológica de sua apresentação.

Precatórios representam as cartas de sentença remetidas pelo juiz da causa ao Presidente do Tribunal “para que este requisite ao Poder Público, mediante previsão na lei orçamentária anual, o pagamento de quantia certa para satisfazer obrigação decorrente de condenação das pessoas políticas, suas autarquias e fundações”. (1)

O regime tem o condão de observar os princípios da moralidade e da impessoalidade, evitando-se favorecimentos e perseguições. Foi a Constituição de 1934 que consagrou a regra da ordem cronológica de apresentação dos precatórios, de modo a propiciar também uma ordem cronológica de recebimento dos respectivos valores pelos credores do Poder Público. (2)

Não obstante, a rígida observância da ordem cronológica de apresentação dos precatórios poderia ensejar algumas injustiças, considerando a qualificação de alguns credores, que esbarram usualmente em obstáculos algumas vezes mais severos. Decidiu, então, o Constituinte afastar da regra geral os créditos de natureza alimentícia, considerando que não seriam apenas indenizatórios, mas sim essenciais à própria sobrevivência dos credores. (3) Assim, esses créditos passaram a ter caráter preferencial, sendo listados em relação apartada.

A Constituição definiu esses créditos, que correspondem aos débitos públicos, no art. 100, § 1º, com a redação da EC 62/2009, nesses termos:

“§ 1º Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou por invalidez, fundadas em responsabilidade civil, em virtude de sentença judicial transitada em julgado, e serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos, exceto sobre aqueles referidos no § 2º deste artigo”.

Conforme esse mandamento, os créditos preferenciais passaram a admitir duas categorias, sendo a primeira representada pelos débitos de natureza alimentícia e a segunda pelos referidos no § 2º, como se vê in fine. Ou seja, além dos créditos preferenciais ordinários, passaram a existir também os créditos preferenciais prioritários, cujo pagamento se anteciparia ao pagamento daqueles.

Complementando a norma, o § 2º do mesmo art. 100, com a redação da EC 62/2009, estabelecia o seguinte a respeito dessa última categoria:

“§ 2º Os débitos de natureza alimentícia cujos titulares tenham 60 (sessenta) anos de idade ou mais na data de expedição do precatório, ou sejam portadores de doença grave, definidos na forma da lei, serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos, até o valor equivalente ao triplo do fixado em lei para os fins do disposto no § 3º deste artigo, admitido o fracionamento para essa finalidade, sendo que o restante será pago na ordem cronológica de apresentação do precatório”.

Tal mandamento, como se pode observar, subdividiu os créditos preferenciais prioritários em dois grupos: 1º) os credores com mais de 60 anos ou mais na data da expedição do precatório; 2º) os portadores de doença grave, conforme definido em lei.

Ocorre que, com a promulgação da EC nº 94, de 15.12.2016, foi dada nova redação ao referido § 2º, alterando-se o rol dos integrantes desses créditos prioritários. A nova redação tem os seguintes termos:

“§ 2º Os débitos de natureza alimentícia cujos titulares, originários ou por sucessão hereditária, tenham 60 (sessenta) anos de idade, ou sejam portadores de doença grave, ou pessoas com deficiência, assim definidos na forma da lei, serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos, até o valor equivalente ao triplo fixado em lei para os fins do disposto no § 3º deste artigo, admitido o fracionamento para essa finalidade, sendo que o restante será pago na ordem cronológica de apresentação do precatório” (grifamos).

Como anotamos em obra de nossa autoria, a redação atual trouxe novos foros de interpretação para o dispositivo, sanando, inclusive, algumas dúvidas anteriores. (4) Vejamos, em síntese, essas inovações.

Primeiramente, a norma anterior exigia que a idade do beneficiário fosse de 60 anos ou mais na data da expedição do precatório, exigência essa que foi descartada pelo novo texto. De fato, a norma anterior gerava muitas injustiças, já que muitos beneficiários, embora não tivessem a idade mínima à época da expedição do precatório, viriam a tê-la ulteriormente, só recebendo seu crédito anos depois. A ressalva foi, inclusive, declarada inconstitucional. (5) Com a alteração, se o credor veio a alcançar a idade mínima após a data de expedição, afasta-se do grupo dos credores preferenciais ordinários e passa a integrar o dos credores preferenciais prioritários, cuja listagem provoca, em tese, percepção mais rápida do crédito.

Outra modificação consistiu no acréscimo de mais uma categoria de credores no grupo dos prioritários. Antes, era integrado apenas pelos portadores de doença grave, mas agora foi acrescentado o grupo das pessoas portadoras de deficiência. A alteração é digna de aplausos. A hipossuficiência que atinge os portadores de doença grave é a mesma que alcança os portadores de deficiência. É claro que, tanto quanto ocorre com as doenças graves, os casos de deficiência, por serem muito variados e com espectro muito amplo quanto à situação hipossuficiente, deverão ser definidos em lei. A norma, pois, é de eficácia limitada, porquanto está entre aquelas

“que não produzem, com a simples entrada em vigor, todos os seus efeitos essenciais, porque o legislador constituinte, por qualquer motivo, não estabeleceu, sobre a matéria, uma normatividade para isso bastante, deixando essa tarefa ao legislador ordinário ou a outro órgão do Estado”. (6)

A terceira alteração digna de nota foi a situação jurídica do credor com 60 anos ou mais. A norma era silente anteriormente e, por isso, gerou inúmeras controvérsias quanto ao titular do crédito. Nessa controvérsia, como também assinalamos (7), decidiu-se que o crédito seria personalíssimo, não se estendendo, desse modo, aos sucessores. (8) A EC 94/2016, porém, solucionou a questão, inserindo a referência aos titulares de 60 anos ou mais, “originários ou por sucessão hereditária”. Infere-se, portanto, que, no caso de falecimento do titular do crédito antes de perceber o valor a que faz jus, poderão substituí-los aqueles que, de acordo com a lei civil, se qualificarem como seus sucessores.

Advirta-se, por último, que não houve alteração quanto ao limite do valor a ser percebido prioritariamente. Assim, permanece, nessa parte, o que já dispunha o art. 100, § 2º, segundo o qual o credor prioritário receberá seu crédito “até o valor equivalente ao triplo fixado em lei para os fins do disposto no § 3º deste artigo”, admitido, porém, o fracionamento, sendo que o remanescente será pago na ordem cronológica de apresentação do precatório. O § 3º do art. 100 refere-se às “obrigações definidas em lei como de pequeno valor”, de modo que o teto-limite para o recebimento do crédito prioritário equivale ao triplo desse valor.


(1) DE PLÁCIDO E SILVA, Vocabulário jurídico, Forense, 29ª ed., 2012, p. 1.072.
(2) MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, Comentários à Constituição Brasileira de 1988, Saraiva, vol. 2, 1992, p. 213.
(3) FERNANDO FACURY SCAFF e LUMA CAVALEIRO DE MACEDO SCAFF, Comentários à Constituição do Brasil, coord. Gomes Canotilho et alii, Almedina/Saraiva, 2013, p. 1.341.
(4) JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO, Manual de direito administrativo, Gen/Atlas, 31ª ed., 2017, p. 1.202.
(5) STF, ADIs 4.357 e 4.425, j. 14.3.2013.
(6) JOSÉ AFONSO DA SILVA, em seu reconhecido trabalho Aplicabilidade das normas constitucionais, Malheiros, 3ª ed., 1999, pp. 82/83.
(7) JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO, Manual cit., p. 1.202.
(8) STJ, RMS 44.836, j. 20.2.2014.

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