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José dos Santos Carvalho Filho

José dos Santos Carvalho Filho

24/04/2017

Em virtude das investigações da Operação Lava-Jato e do gigantesco número de autoridades e empresários envolvidos na prática de diversos delitos, tem prosperado, entre os interessados, a distinção quanto à natureza de duas modalidades de doações do chamado “Caixa 2”, apesar de, no fundo, serem ambas ilegais à luz da legislação vigente.

Tem-se considerado que uma delas objetiva apoio financeiro para partidos políticos, ao passo que a outra modalidade pretende remunerar o candidato para lhe permitir uma forma de enriquecimento pessoal ilícito. Assim, aquela primeira conduta seria menos grave e, até mesmo, passível de anistia. Esta última, não, porque constitui prática de crime. Essa visão, a nosso ver distorcida, está sob discussão.

Não obstante, mais interessante e profícua é a discussão sobre a doação eleitoral feita pelo “Caixa 1”, ou seja, aquela que, aparentemente, seria efetivada em consonância com a lei eleitoral, inclusive com a devida declaração à justiça eleitoral.

Até então essa forma de doação era tida como sagrada e imune a qualquer forma de investigação. Em suma, nenhuma contestação ou dúvida poderia ser-lhe oposta, eis que o elemento básico de sua aparente legalidade – a declaração à justiça eleitoral – afastaria qualquer tipo de insinuação contrária à sua higidez.

O STF, porém, por sua 2ª Turma, num verdadeiro leading case, aceitou denúncia contra senador, acusado de ter recebido propina de empreiteira, de expressivo valor, para apoiar a organização criminosa atuante na Petrobras, conforme resultou de delação premiada de outro envolvido. Nada causaria qualquer furor, não fosse o fato de que a propina teria sido paga ao senador por meio de doação declarada na justiça eleitoral, isto é, através do “Caixa 1”, que, em tese, se apresenta como legítima ou, ao menos, tem a presunção de sê-lo.

Entretanto, nada há, afinal, de tão esdrúxulo no caso, quando se aplica a teoria do desvio de finalidade, situação marcada exatamente pela aparência de legalidade. Essa forma ilegítima de agir indica a modalidade de abuso de poder “em que o agente busca alcançar fim diverso daquele que a lei lhe permitiu”, como já tivemos a oportunidade de assinalar, com base em ensinamento de Andrè de Laubadère, na doutrina francesa. (1)

A teoria não é nova, embora de difícil aplicabilidade, e isso porque a ilegalidade vem escamoteada numa aparência de legalidade. É a verdadeira simulação de legitimidade escondida na roupagem formal de que se reveste o ato ou a medida. É clássica, aliás, a lição de Hely Lopes Meirelles de que “o desvio de finalidade ou de poder, é assim, a violação ideológica da lei, ou, por outras palavras, a violação moral da lei, colimando o administrador público fins não queridos pelo legislador”. (2)

Na doutrina estrangeira, o desvio de finalidade também tem pleno reconhecimento. García de Enterría e Tomás-Ramón Fernández registram acertadamente: “Para que se produza o desvio de poder, não é necessário que o fim perseguido seja um fim privado, um interesse particular do agente ou autoridade administrativa…, senão que basta que dita finalidade, ainda que pública, seja distinta da prevista ou fixada pela norma que atribua a potestade administrativa”. (3)

De fato, o que caracteriza o desvio de finalidade é a perseguição, pelo agente, de finalidade diversa daquela que a lei efetivamente estabelece. Trata-se, pois, de vício no elemento finalidade do ato, que rende ensejo, inevitavelmente, à sua invalidação.

Além disso, o desvio de finalidade ostenta um ponto essencial: o disfarce. Ou seja: o ato tem a aparência de legalidade; mas é mera aparência, porque, em seu âmago, está o desvio perpetrado pelo agente. O ato, assim, serve como verdadeira “mula” para consumação do desvio.

A grande dificuldade está na prova do desvio. Vejam-se, a propósito, as imorredouras palavras de José Cretella Junior: “É fácil compreender que quando o administrador usa os poderes de que é detentor para fim negando, não será ingênuo em confessá-lo ou em deixar vestígios palpáveis de sua conduta. Disfarça, então, os motivos verdadeiros do ato editado e apresenta, oficialmente, um pretexto legal. Trata-se de desmascarar o embuste, o que nem sempre é fácil”. (4)

Com esse delineamento, não é difícil concluir que o STF, ao admitir que haja ilegalidade até mesmo em doação eleitoral efetuada pelo “Caixa 1”, devidamente declarada à justiça eleitoral, nada mais fez do que reafirmar a teoria do desvio de poder, exatamente porque a ilegalidade do recebimento de propina vem disfarçada pelo revestimento formal do ato, no caso a doação. Indispensável, porém, é que se produza a prova necessária à constatação do desvio.

Inexiste, pois, motivo para pirotecnia pelo que se decidiu. Há, sim, talvez, a novidade de que, pela tradicional cultura social, tem sido mais cômodo achar que, se o ato parece legal, deve ser legal. Ilusão de ótica, é claro.

O certo é que, na teoria do desvio de finalidade, três lições nunca poderão ser afastadas. Uma delas é a de que a forma não pode prevalecer sobre a substância da vontade. Outra é a de que a aparência de legalidade esconde muitas vezes o desvio resultante da vontade do autor do ato. Por fim, urge apresentar a prova.

Verificados tais elementos, o efeito não poderá ser outro senão o da invalidação do ato. Por tudo isso, o STF decidiu corretamente ao admitir a doação feita com desvio de finalidade, apesar de sua falsa aparência de legitimidade.


NOTAS E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

(1) JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO, Manual de direito administrativo, Gen/Atlas, 31ª ed., 2017, p. 51.
(2) HELY LOPES MEIRELLES, Direito administrativo brasileiro, Malheiros, 39ª ed., 2013, p. 119.
(3) EDUARDO GARCÍA DE ENTERRÍA e TOMÁS-RAMÓN FERNÁNDEZ, Curso de derecho administrativo, Civitas Edic., Madri, vol. I, 10ª ed., 1977, pp. 467/8.
(4) JOSÉ CRETELLA JUNIOR, Curso de direito administrativo, Forense, 8ª ed., 1986, p. 329.

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