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NOVO CPC

PROCESSO CIVIL

Novas reflexões em torno da teoria geral dos procedimentos especiais

AÇÃO

ART. 292

ART. 327

PROCEDIMENTO

PROCEDIMENTO COMUM

PROCEDIMENTO ESPECIAL

PROCESSO

TEORIA GERAL DOS PROCEDIMENTOS ESPECIAIS

Heitor Vitor Mendonça Sica

Heitor Vitor Mendonça Sica

26/04/2017

1. Nota introdutória

Diversas dificuldades se impõem a quem se aventura a estudar a “teoria geral dos procedimentos especiais”: a ausência de qualquer sistematização legislativa acerca dos diversos procedimentos especiais; a dispersão da matéria a ser examinada no Código de Processo Civil e em numerosas leis extravagantes; a notável importância das normas de direito material para correta compreensão do respectivo procedimento especial destinado a tutelá-lo; a coexistência de procedimentos especiais criados em contextos legislativos distintos; a dificuldade de aplicar subsidiariamente aos procedimentos especiais as regras do procedimento comum, dentre outras.

Contudo, o advento de um novo Código de Processo Civil nos convida a enfrentar esses obstáculos para incursionar no tema, até porque ele ficou em segundo plano nas discussões em torno do próprio diploma, assim como historicamente vem sendo tratado sem a devida atenção pela doutrina, até os dias atuais[1].

Nosso objetivo não é outro senão aprofundar o exame de alguns pontos que, segundo nos consta, não têm merecido a devida atenção, sobretudo no tocante à subsidiariedade das normas do procedimento comum aos procedimentos especiais e à cumulabilidade de demandas sujeitas a procedimentos diversos, quando ao menos um deles é especial.

Optamos por analisar os procedimentos especiais de jurisdição contenciosa, no âmbito do processo de conhecimento. No entanto, não se pode duvidar de que também no campo da jurisdição voluntária e do processo de execução há um procedimento comum e procedimentos especiais,[2] os quais, contudo, não cabem nos modestos limites deste estudo.

2. Premissas conceituais: ação, processo e procedimento

Mostra-se imprescindível assentar, como premissa, o que se entende por “procedimento especial”.

Para tanto, mostra-se necessário diferenciar “ação”, “processo” e “procedimento”, que são termos usados de modo bastante impróprio ­­pela legislação brasileira.

Modernamente, compreende-se “ação” como garantia constitucional ampla de acesso ao Poder Judiciário, para obtenção da tutela jurisdicional efetiva, por meio do devido processo legal.[3]

O primeiro ato decorrente do exercício desse direito de índole constitucional provoca a instauração do “processo”,[4] assim entendido como uma relação jurídica de caráter público, desenvolvida sob o signo do contraditório, autônoma com respeito à relação jurídica de direito material existente entre os litigantes, e cujo objetivo é a pacificação do litígio, a aplicação do direito objetivo e a afirmação do poder soberano estatal.[5]

Por sua vez, o “procedimento” é entendido como um conjunto complexo de atos encadeados em sequência lógica com vistas à produção de um resultado, pelo qual se exterioriza o processo[6].

Embora haja relativo consenso quanto a esses três conceitos, nem por isso a definição do que se entenderia por procedimento especial está livre de dúvidas.

A exemplo do que ocorre na generalidade dos sistemas jurídicos, o ordenamento processual civil brasileiro tradicionalmente estabeleceu um procedimento padrão para prestação de tutela jurisdicional, denominado de “procedimento comum”[7], que se coloca como modelo a ser seguido na generalidade dos casos, independentemente do direito material versado pelos litigantes.

Contudo, não raro impõe-se, a bem da efetividade da tutela jurisdicional, que o instrumento processual seja adaptado a particulares características do direito material posto em conflito[8].

Embora sejam bem conhecidas as dificuldades de separar com absoluta clareza o que são normas processuais e procedimentais[9], pode-se dizer[10] que tais adaptações são feitas tanto no plano do procedimento (ou seja, atinentes à forma, sequência, encadeamento e sumarização dos atos praticados pelos sujeitos processuais), quanto no plano do processo (relativo às situações jurídicas processuais, isto é, ônus, poderes, deveres e sujeições das partes). Em todos os casos veem-se técnicas empregadas pelo legislador, com a finalidade de promover a adequação do instrumento de prestação de tutela jurisdicional ao conflito a ser dirimido[11].

3. Criação dos procedimentos especiais no quadro das técnicas destinadas à adaptação procedimental

Assentadas as premissas no item anterior, entendemos haver cinco formas distintas de realizar adaptações da técnica processual – tanto no tocante a normas processuais, quanto procedimentais – para melhor adequação do instrumento à situação conflituosa e ao direito que a ela se aplica:

a) Criação de microssistemas legislativos[12], calcados em princípios e institutos próprios, com ou sem conjugação com normas de direito material, como os dos Juizados Especiais[13] e da tutela coletiva[14]. Trata-se da solução complexa, adotada com menor frequência, pois depende de grau elevado de inadequação do standard de prestação de tutela jurisdicional em relação à natureza do conflito e das normas que o regem;

b) Criação legislativa de procedimentos especiais[15], seja no corpo do Código, seja na legislação extravagante. Essa opção foi tradicionalmente prestigiada pelo legislador brasileiro[16]. A exemplo dos dois diplomas nacionais que o antecederam, o CPC de 2015 reserva o Título III do Livro I da Parte Especial a eles[17], os quais convivem com dezenas de outros procedimentos especiais sediados em legislação extravagante. Costuma-se identificar o procedimento especial pela posição que ocupa, pela atribuição legal de um nomen iuris[18] e, principalmente, pela existência de um conjunto de normas processuais e procedimentais criadas com o objetivo de adequar o instrumento padrão de prestação de tutela jurisdicional à configuração da relação jurídica litigiosa ou a um aspecto do direito material em conflito;[19]

c) Promulgação de disposições legais especiais, destinadas à adaptação processual e procedimental, a serem observadas no procedimento comum, sem que ele se converta em procedimento especial[20]. Exemplos não faltam no CPC de 2015: (i) norma que impõe citação dos cônjuges nos processos que disserem respeito a direito real imobiliário (art. 73, §1.º); (ii) normas que permitem a denunciação da lide nas situações de direito material previstas no art. 125, I e II e o chamamento ao processo aludidas no art. 130, I a III; (iii) normas que impõem citações na ação que requerer a declaração de usucapião (arts. 246, §3.º, 259, I) e a recuperação ou substituição de título ao portador (art. 259, II); (iv) previsão de tutela provisória de evidência em caso de “pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito” (art. 311, III); etc[21]. Trata-se de solução mais racional que a criação de diversos procedimentos especiais, sobretudo nos casos em que esses apresentam modificações pequenas em relação ao procedimento comum[22]. Evitam-se, assim, diversos problemas teóricos[23] e práticos, como, por exemplo, dúvidas em torno da subsidiariedade do regime do procedimento comum, quanto ao regime de cumulabilidade de pedidos etc.[24]

d) Adaptação e flexibilização de disposições processuais e procedimentais por decisão judicial à luz das circunstâncias do caso concreto, nos casos especificados no ordenamento. O art. 107, V, do anteprojeto de novo CPC, elaborado pela Comissão de Juristas nomeada pelo Senado Federal em 2009, previa amplos poderes judiciais para “adequar as fases e os atos processuais às especificações do conflito, de modo a conferir maior efetividade à tutela do bem jurídico, respeitando sempre o contraditório e a ampla defesa”. Tal alternativa apresentaria vantagens e desvantagens. Atribuir ao juiz o poder de adaptar o procedimento tornaria desnecessária a criação de novos procedimentos especiais (ou até mesmo, em último grau, a manutenção de grande parte daqueles já presentes em nosso ordenamento), mas, por outro lado, essa adaptação procedimental poderia causar graves atrasos na marcha processual, seja pela necessidade de observância do contraditório (preferencialmente prévio), seja pela falta de habitualidade dos juízes com o exercício de tal poder[25]. Esse dispositivo foi duramente combatido no Senado Federal[26] e, em seu lugar, subsistiu no art. 139, VI, do CPC de 2015, que confere ao juiz apenas o poder “dilatar os prazos processuais e alterar a ordem de produção dos meios de prova, adequando-os às necessidades do conflito de modo a conferir maior efetividade à tutela do direito”. Além disso, há outros exemplos, no CPC de 2015, de poderes judiciais para adaptação processual e procedimental à luz da situação litigiosa e do direito material a ela aplicável, tal como: (i) realização ou não de audiência de conciliação (art.334, §4.º, II) e de saneamento (art. 357, §3.º), a depender da natureza do direito controvertido; e (ii) dinamização do ônus da prova (art. 373, §1.º);

e) Adaptação e flexibilização de disposições processuais e procedimentais por convenção processual, seja em hipóteses típicas espalhadas no texto do CPC de 2015[27], seja, principalmente, com base na cláusula geral de negociação processual prevista no art. 190 que expressamente permite adequação procedimental (“mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa”) e processual (“convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais”).

4. Análise do Título III do Livro I Parte Especial do CPC/2015 à luz das premissas até aqui assentadas

Considerando-se o conceito de procedimento especial referido no item 3, alínea ‘b’ supra, podemos observar que ele não se aplica a vários dos institutos regulados no Título III do Livro I da Parte Especial do CPC de 2015. Com efeito, os seis primeiros capítulos (arts. 539 a 673) efetivamente encerram procedimentos especiais conforme conceito aqui acolhido, isto é, ação de consignação em pagamento, ação de exigir contas, ações possessórias, ações de divisão e demarcação de terras particulares, ação de dissolução parcial de sociedade, inventário e arrolamento. Em todos esses casos, há adaptação processual e procedimental para permitir a veiculação de demanda em determinadas situações de direito material que o legislador entendeu que precisariam ser tuteladas de forma mais adequada que o procedimento comum.

Outros dois instrumentos regulados nessa parte do CPC – habilitação (arts. 687 a 692) restauração de autos (arts. 712 a 718) – constituem meros incidentes processuais[28], e não procedimentos especiais, pois neles não se veicula demanda, na acepção estrita do termo[29], não encerrando objeto litigioso próprio. O primeiro (restauração de autos) é empregado em qualquer situação em que os autos do processo se percam, independentemente do direito material nele versado, e não tem por objetivo solucionar um conflito, mas apenas restabelecer a documentação dos atos processuais pretéritos. Do segundo (habilitação) se valem os litigantes que pretendam alterar a formação subjetiva do processo em razão de sucessão ocorrida no plano do direito material, independentemente de qual é a situação litigiosa, igualmente sem o objetivo de solucioná-la, mas apenas a de permitir o prosseguimento do processo em direção a esse fim. Nesse passo, ambos os instrumentos estão mal colocados no Título III do Livro I da Parte Especial do CPC de 2015. A restauração de autos deveria ter sido tratada na Parte Geral, notadamente no Capítulo I (“Da forma dos atos processuais”) do Título I (“Da forma, do tempo e do lugar dos atos processuais”) do Livro IV (“Dos Atos Processuais”)[30]. Já a habilitação deveria figurar no Capítulo IV (“Da sucessão das partes e dos procuradores”) do Título I (Das Partes e dos Procuradores”) do Livro III (“Dos sujeitos do processo”) [31].

Igualmente os embargos de terceiro, a oposição e a ação monitória não merecem o rótulo de procedimento especial, na acepção aqui acolhida, pois nos três casos não há adaptação do instrumento processual a características do direito material controvertido.

Os embargos de terceiro constituem remédio para todo aquele que não for parte no processo combater ato de constrição ou ameaça de constrição de seus bens, independentemente do direito material versado; trata-se, pois, de instrumento atípico de defesa de terceiro[32]. Se entendermos que os embargos de terceiro pertencem ao rol dos procedimentos especiais em sentido estrito, também o seriam os embargos à execução. Ademais, a proximidade entre os embargos de terceiro e as ações possessórias, visível à luz do CPC de 1973, fornecia munição para a doutrina sustentar que se trataria, de fato, de um típico procedimento especial. Entretanto, ao ampliar claramente o cabimento dos embargos de terceiro para a tutela petitória (art. 674), o CPC de 2015 fez com que essa semelhança se reduzisse.

Já a oposição, como bem se sabe, figurava no CPC de 1973 dentre os mecanismos de intervenção de terceiro (arts. 56 a 61). O anteprojeto de novo CPC, elaborado por comissão de juristas nomeada pelo Senado Federal em 2009, pretendia excluir essa figura, o que foi acolhido no Senado. Apenas na tramitação do projeto junto à Câmara dos Deputados é que se reintroduziu a figura, não mais no campo das intervenções de terceiro, mas sim dentre os procedimentos especiais.

Por fim, a ação monitória se presta a exigir qualquer modalidade de obrigação com base em prova escrita sem eficácia de título executivo, de modo que é conotada por atipicidade[33]. Se entendermos que a ação monitória é procedimento especial, com maior razão também deveria sê-lo a execução de título extrajudicial (mormente porque o art. 784 do CPC de 2015 encerra diversas hipóteses específicas de direito material, tais como os incisos V a IX).

Já as normas relativas às “ações de família” não implicam criação de um ou mais procedimentos especiais, mas estabelecem normas especiais a serem observadas em todos os processos que versam direitos atinentes às relações familiares, tanto os de jurisdição contenciosa quanto voluntária[34]; sejam os que adotam o procedimento comum, sejam os que adotam procedimentos especiais[35]. Em suma, aqui, a forma de adaptação do instrumento padrão de prestação de tutela jurisdicional segue lógica distinta à dos procedimentos especiais, conforme letra “c” do rol acima apresentado neste intróito.

5. Justificação técnica e política dos procedimentos especiais, e seus diferentes graus de “especialidade”

Conforme destacado, é absolutamente assente a ideia de que os procedimentos especiais só se justificam na medida em que houver a necessidade de adequar regras inconvenientes ou insuficientes para prestação jurisdicional eficiente em face das peculiaridades do direito material.[36]

Exatamente por isso é que existem no sistema procedimentos especiais que são “mais especiais” que outros,[37] por apresentarem mais ou menos diferenças em relação ao procedimento comum regrado no Código de Processo Civil.[38]

Ao disciplinar qualquer procedimento especial, o legislador se depara com dois riscos: o de deixar de alterar o procedimento comum naquilo que seria necessário para uma adequada tutela dos direitos materiais, ou modificá-lo sem benefício algum à atividade jurisdicional. Ambos os deslizes produzem consequências insidiosas.

Por um lado, deixar de alterar regras gerais do Código de Processo Civil inadequadas ou insuficientes para tutelar os litigantes em determinadas situações de direito material conspira contra a efetividade do processo, que pressupõe adequação de seus instrumentos em relação ao direito material.

Entretanto, a postura inversa é também bastante prejudicial. Não raro, procedimentos especiais simplesmente não se justificam como um todo,[39] ou trazem regras diferenciadoras do padrão do Código de Processo Civil sem qualquer razão de ordem prática, e que atentam contra a celeridade e a efetividade processuais, bem como à isonomia.[40]

Em uma primeira vista, nosso sistema incorreu mais frequentemente no segundo erro aqui apontado, pois prevê uma quantidade exagerada de procedimentos especiais, muitos deles injustificáveis tecnicamente. As causas dessa descontrolada proliferação são também conhecidas: (i) a crônica ineficiência do procedimento ordinário[41]; (ii) o apego injustificado a tradições históricas[42]; e (iii) razões de conveniência política.[43]

A par desse exagero na quantidade de procedimentos especiais, é notável outro fenômeno nesse campo. Não raro, os procedimentos especiais introduzem novidades que não são propriamente adaptadas ao particular tipo de conflito de interesses que pretendem tutelar. A impressão que se tem é a de que o legislador, ao criar ou modificar procedimentos especiais (especialmente no caso de leis extravagantes), frequentemente aproveita para criar mecanismos que acelerem o processo independentemente das peculiaridades do direito material que lhe constitui a base. E, não raro, essas experiências, por se terem revelado frutuosas, tornaram-se gerais por reformas no Código de Processo Civil.[44]

Talvez esse fenômeno se explique pela dificuldade e demora na tramitação legislativa de normas gerais que reformem pontos sensíveis do Código de Processo Civil, e/ou pela ausência de estatísticas que comprovem o bom resultado de novas disposições processuais e procedimentais, o que sugeriria que o legislador fizesse “testes” em determinados procedimentos especiais.

Naturalmente que essas explicações não passam de especulação, mas não encobrem o fato de que os procedimentos especiais com frequência instituem normas que não se prestam, apenas, a adequar a prestação da tutela jurisdicional às vicissitudes do direito material controvertido, trazendo também novidades cuja utilidade se espraia para todo o sistema processual.

6. Subsidiariedade do procedimento comum, regulado pelo Código de Processo Civil

Outro aspecto de que cuida a “teoria geral dos procedimentos especiais” refere-se à subsidiariedade das normas gerais do procedimento comum regulado pelo Livro I do Código de Processo Civil. Trata-se de um princípio aplicável a todo e qualquer procedimento especial, mesmo naqueles casos de procedimentos “muito especiais” (como o mandado de segurança ou as “ações coletivas”).

Todavia, a prática demonstra que muitas vezes essa subsidiariedade é mal compreendida, conduzindo a duas ordens diversas de equívocos.

Por vezes, as normas gerais do Código de Processo Civil se sobrepõem indevidamente a normas específicas dos procedimentos especiais. Essa é uma das críticas recorrentemente feitas à realidade prática dos Juizados Especiais, que, como normalmente se diz, tem sido com indesejável frequência “ordinarizado”.

No entanto, esse fenômeno não é tão comum quanto o inverso, em que as normas subsidiárias do Código de Processo Civil, embora efetivamente aplicáveis, não são observadas, principalmente nos procedimentos especiais da legislação extravagante.

O mandado de segurança encerrava uma extensa quantidade de exemplos, sendo uma das mais gritantes o descabimento de fixação dos honorários sucumbenciais (pacificada havia décadas pela Súmula 512 do STF e repetida pela Súmula 105 do STJ).[45] A Lei n. 12.016/2009 perdeu uma ótima oportunidade de corrigir esse problema e positivou o entendimento jurisprudencial que desprezava a correta subsidiariedade do Código de Processo Civil em relação ao procedimento especial do writ. Pelo menos temos hoje norma legal a respeito, em vez de entendimentos jurisprudenciais construídos em desacordo com a lei, mas ainda assim percebe-se a dificuldade de aplicar subsidiariamente o Código de Processo Civil ao mandado de segurança. Nesse passo, persiste válida a crítica de Barbosa Moreira:

[…] convém reiterar asserto que há muito tempo vimos pondo como premissa de qualquer argumentação em torno de problemas do mandado de segurança: esse instituto não é um monstrum sem parentesco com o resto do universo, uma singular esquisitice legislativa, uma peça exótica, uma curiosidade a ser exibida em vitrine ou em jaula para assombro dos passantes.[46]

A Lei de Locações de Imóveis Urbanos ainda encerra dois exemplos. É bastante difundido o entendimento de que a revelia não operaria a plenitude de seus efeitos na ação revisional e na renovatória, que sempre exigiram perícia para fixação do valor do locativo, salvo acordo expresso das partes.[47]

Mesmo os procedimentos disciplinados pelo CPC de 2015 não ficam imunes a esse fenômeno. Ainda ecoa o entendimento de que não se aplicariam a procedimentos especiais a reconvenção[48] ou a tutela antecipada fundada nas normas gerais do CPC[49].

Não bastassem os problemas decorrentes tão somente da má interpretação da subsidiariedade do Código de Processo Civil aos procedimentos especiais, constata-se com frequência que reformas do Código não vêm acompanhadas de alterações na legislação extravagante, criando graves problemas práticos.[50]

A melhor forma de minimizar esses problemas seria a codificação da maior quantidade possível de procedimentos especiais atualmente dispersos em diversos diplomas legais, deixando-se para a legislação extravagante apenas aqueles inseridos no contexto de microssistemas, como no caso dos Juizados Especiais Cíveis, Federais e da Fazenda Pública, e dos processos coletivos.[51] Lamentavelmente não foi esse o caminho escolhido pelo Projeto do novo Código de Processo Civil, repetindo, nesse particular, o que ocorreu quando do advento do Código de Processo Civil de 1973.[52]

7. Cumulabilidade de demandas sujeitas a procedimentos distintos, sendo um deles procedimento especial: qual é a margem de escolha do autor?

Cumpre também examinar o regramento da cumulação, em uma única demanda, de pedidos submetidos a procedimentos diversos, sendo ao menos um deles procedimento especial.[53]

À luz do CPC/1973, o referencial normativo obrigatório está no art. 292, § 2.º, que assim dispunha: “Quando, para cada pedido, corresponder tipo diverso de procedimento, admitir-se-á a cumulação, se o autor empregar o procedimento ordinário”.

Já sob a vigência do CPC/2015, a norma que rege a espécie está no art. 327, § 2.º, assim redigido: “Quando, para cada pedido, corresponder tipo diverso de procedimento, será admitida a cumulação se o autor empregar o procedimento comum, sem prejuízo do emprego das técnicas processuais diferenciadas previstas nos procedimentos especiais a que se sujeitam um ou mais pedidos cumulados, que não forem incompatíveis com as disposições sobre o procedimento comum”.

A leitura isolada do dispositivo do CPC/1973 permitiria inferir que o autor estaria sempre autorizado a preterir voluntariamente o(s) procedimentos(s) especial(is) previstos em favor do comum. Justificando essa linha de pensamento, autores costumavam destacar que essa escolha seria possível porque militaria exclusivamente em prejuízo do próprio autor, que abriria mão da sumariedade típica da maioria dos procedimentos especiais,[54] sem trazer, ao menos em princípio, prejuízo ao réu, a quem assegurar-se-ia amplo contraditório, próprio do procedimento que permite a cognição mais ampla.[55] Com isso, abrir-se-ia possibilidade para a cumulação objetiva de demandas, com ganhos em termos de economia processual e da harmonização de julgados, ainda que com algum sacrifício da celeridade processual.[56]

Contudo, esse raciocínio padecia de alguns equívocos.

Primeiramente, nem sempre o réu se beneficia da adoção do procedimento comum em detrimento do especial (tanto à luz do CPC/1973, quanto em face do CPC/2015).[57] Como exemplo tem-se a ação possessória ou a ação consignatória, em que ao réu é facultado formular pedidos em face do autor sem observar as formalidades inerentes à reconvenção[58] (arts. 922 e 899, § 2.º, do CPC/1973 e arts. 556 e 545, § 2.º, do CPC/2015).

Em segundo lugar, à luz de ambos os Códigos analisados, nem todos os procedimentos especiais são caracterizados pela sumariedade,[59] seja em termos de cognição, seja no âmbito procedimental. Grande parte dos procedimentos especiais abrigam cognição exauriente, ao passo que vários outros se mostram bem mais complexos que o procedimento comum, por exemplo, a ação divisória, a ação demarcatória, a ação de exigir contas etc,.

Por fim, à luz de ambos os diplomas também se deve reconhecer que existe uma margem limitada de liberdade do autor em escolher o procedimento. A análise do art. 292, § 2.º, do CPC/1973 indicava certa liberdade do autor em preterir o procedimento especial em favor do comum, ao passo que o art. 295, V, do mesmo diploma revelava que a margem de escolha do autor quanto ao procedimento era reduzida, dado que, segundo doutrina largamente majoritária produzida com base naquele diploma, as normas procedimentais eram de “ordem pública”, não podendo ficar à livre disposição das partes.[60] Diante dessa aparente antinomia, ponderamos, à luz do CPC/1973, que haveria que se reconhecer uma solução intermediária, de modo que a escolha do procedimento a ser adotado não é inteiramente livre, mas há alguma “margem de manobra” por parte do demandante[61].

À luz do CPC de 2015, o cenário se altera um pouco. De um lado, o art. 327, § 2.º, continua a atribuir ao autor o poder de preterir o procedimento especial aplicável em favor do procedimento comum, embora com “adaptações” a respeito das quais se falará no item seguinte. Por outro lado, não figura no art. 330 do CPC/2015 hipótese de indeferimento da petição inicial fundada em inadequação do procedimento escolhido pelo autor. Acrescente-se o art. 785 do mesmo Código, que permite que o autor munido de título executivo extrajudicial pode optar por ajuizar demanda de conhecimento. Somando-se todos esses elementos à maior amplitude da adaptação procedimental por força da vontade das partes (cujo ponto culminante se encontra no art. 190 do diploma atual), tem-se um cenário de maior liberdade na escolha do procedimento por parte do autor.

Contudo, ainda assim, a exemplo do que sucedia à luz do CPC/1973, essa liberdade não é total.

Primeiramente, os procedimentos especiais insertos em microssistemas diversos não costumam ser renunciáveis por parte do autor e, consequentemente, não há como aceitar que a cumulação de demandas provoque a adoção do procedimento comum, como manda o art. 327, § 2.º, do CPC/2015. Nessa linha, não há como aceitar que se cumulem, em uma mesma demanda, pedidos de tutela coletiva com pedidos de tutela individual, em face da evidente incompatibilidade, o que impede a aplicação do § 2.º do mesmo diploma, na linha do § 1.º, III, do mesmo dispositivo.[62]

Mesmo que se excluam as hipóteses de procedimentos insertos em microssistemas, ainda assim se impõem outras restrições à renúncia do autor ao procedimento especial aplicável em abstrato para o direito material por ele afirmado.

Há procedimentos especiais que outorgam ao autor tutela jurisdicional tão claramente mais eficiente, célere e adequada do que aquela prestada pelo procedimento comum, que lhe faltaria interesse processual para optar por este último. Nessa situação se acha, por exemplo, a ação de desapropriação, faltando ao autor interesse processual para promovê-la pelo rito comum. Nesse caso, o réu teria a plena possibilidade de arguir qualquer matéria de defesa, não mais limitada apenas ao questionamento quanto ao valor do bem objeto da demanda (art. 20 do Decreto-lei n. 3.365/41). Pelas mesmas razões, não se poderia cogitar a busca e apreensão do bem móvel alienado fiduciariamente por procedimento diverso daquele previsto pelo Decreto-lei n. 911/69.

Temos, aqui, então, exemplos de procedimentos especiais infungíveis,[63] que não podem ser abandonados por livre escolha do autor, e as pretensões neles veiculadas, por consequência, não podem ser cumuladas a outras submetidas a procedimentos diversos. Nos casos de infungibilidade, inviabiliza-se a aplicação do art. 327, § 2.º, do CPC, por força do inciso III do § 1.º do mesmo dispositivo.

Por outro lado, para delimitarmos a categoria dos procedimentos especiais fungíveis, é necessário procurar no sistema hipóteses em que ao autor é facultado renunciá-los em favor do procedimento comum.

O primeiro exemplo que nos ocorre é o mandado de segurança, pois, a nosso ver, não se poderia negar ao autor o direito de veicular sua pretensão pelo procedimento comum mesmo que munido de prova documental pré-constituída e amparado por direito líquido e certo. Não se pode cogitar de falta de interesse processual nesse caso porque se reconhece legítimo ao autor preferir não correr riscos quanto ao juízo de admissibilidade do writ, que depende, em última análise, da formação do convencimento do juiz quanto à suficiência da prova documental pré-constituída.

Por razões muito similares, há que se reconhecer ao autor a possibilidade de optar entre o procedimento comum e o procedimento monitório. Ao autor é legítimo se acautelar quanto ao risco de dúvida acerca da suficiência ou não da prova documental apresentada.

Eis um primeiro critério para reconhecer a fungibilidade: a possibilidade de dúvida objetiva quanto ao cabimento, quando é válido o autor se cercar de cautela, optando pelo procedimento comum. Nos exemplos de procedimentos infungíveis acima enunciados, o cabimento do procedimento especial acha-se livre de dúvidas.

Entretanto, a fungibilidade não se justificaria apenas nesse critério. Podemos acrescentar exemplos em que, embora não haja maiores dúvidas quanto ao cabimento do procedimento especial, a tutela jurisdicional a ser prestada pelo procedimento comum apresenta grau de efetividade parecido. Seguindo esse critério, destaca-se a ação de exigir contas, a qual poderia ser substituída sem maior sacrifício em termos de efetividade por ação de rito comum.[64]

Em resumo, segundo o raciocínio aqui proposto, a dicotomia entre os procedimentos especiais infungíveis e fungíveis não está ligada intrínseca e necessariamente ao grau de diferenciação deles em relação ao procedimento comum,[65] e podem entrar em cena outros critérios, como a existência de dúvida quanto ao cabimento do procedimento especial e à possibilidade de obtenção de tutela jurisdicional de qualidade igual ou muito similar por meio do procedimento comum.

Com efeito, o mandado de segurança e o procedimento monitório, embora substancialmente diferentes do procedimento comum, podem ser perfeitamente substituídos por ele para tutela do “direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data(art. 1.º da Lei n. 12.016/2009) e da pretensão ao “pagamento de quantia em dinheiro”, à “entrega de coisa fungível ou infungível ou de bem móvel ou imóvel” e ao “adimplemento de obrigação de fazer ou de não fazer”  (art. 700, I a III, do CPC/2015) em razão do primeiro critério proposto (dúvida). A ação de exigir contas também é conotada por um procedimento muito diferente do comum (máxime em face da possibilidade de instauração de duas fases, cada qual encerrada por sentença), mas, a despeito disso, essa pretensão pode ser tutelada por meio do procedimento comum com eficiência bastante similar.[66]

Nesse passo, podemos concluir que as pretensões amparáveis por mandado de segurança e procedimento monitório e a pretensão de exigir contas poderiam perfeitamente ser cumuladas com outro(s) pedido(s) não submetido(s) a esses procedimentos especiais, de tal modo que, se isso ocorrer, o art. 327, § 2.º, do CPC aplicar-se-á à risca, adotando-se integralmente o procedimento comum.

8. Cumulabilidade de demandas sujeitas a procedimentos distintos, sendo um deles procedimento especial: qual é a medida de adaptação procedimental à luz do art. 327, § 2.º, do CPC/2015?

Essas constatações ainda não são suficientes para resolver todos os problemas decorrentes da cumulação de demandas submetidas a procedimentos diversos, sendo um deles especial.

A solução dada pela letra fria do referido art. 292, § 2.º, do CPC/1973, era a aplicação do procedimento comum ordinário tout court. Tratava-se de solução insatisfatória, pois implicava o descarte de técnicas presentes no procedimento especial, sem considerar sua eventual compatibilidade com o padrão do Código de Processo Civil.

Contudo, nesse ponto o art. 327, § 2.º, do CPC/2015, apresenta real avanço, pois permite que se preservem “as técnicas processuais diferenciadas previstas nos procedimentos especiais a que se sujeitam um ou mais pedidos cumulados, que não forem incompatíveis com as disposições sobre o procedimento comum”.

Ou seja, haveria a possibilidade de criar procedimentos “mistos” ou “híbridos”, em que a base seria o procedimento comum, mas preservadas algumas técnicas de procedimentos especiais fungíveis.

Resta identificar alguns exemplos em que essa novidade legislativa se aplicaria de forma proveitosa.

Quando o procedimento especial se diferencia do comum pelo acréscimo de fases ou atos processuais, no mais das vezes será altamente recomendável que eles sejam preservados, sem que, com isso, se cause qualquer prejuízo para a marcha e a previsibilidade da causa.

Pense-se no exemplo da ação de consignação em pagamento do saldo do preço avençado em compromisso particular de venda e compra de imóvel, cumulada com pedido de adjudicação compulsória. Apenas a primeira demanda se sujeita a procedimento especial, mas a cumulação não acarretará a adoção integral do procedimento comum, preservando-se as providências relativas ao depósito inicial da coisa devida (arts. 541 a 543), das quais decorrem importantes desdobramentos no restante do procedimento (art. 545, caput, §§ 1.º e 2.º) .[67]

Outro exemplo reside na cumulação do pedido de anulação de ato administrativo considerado ímprobo (que se sujeita ao procedimento previsto na Lei n. 7.437/85) e do pedido de aplicação ao réu das sanções previstas no art. 12 da Lei n. 8.429/92.[68] Nessa situação, não se suprime a fase introdutória prevista no art. 17, §§ 6.º e 9.º, do diploma por último referido, pois isso representaria reduzir as oportunidades de defesa do réu.

A cumulação de demandas também não encontrará maiores obstáculos se a principal característica a diferenciar o procedimento especial aplicável a uma das demandas for a possibilidade de antecipação de tutela. Sem dúvida, essa técnica era a que despertava maior atenção e interesse no tocante a determinados procedimentos especiais, o que minguou consideravelmente após a reforma operada pela Lei n. 8.952/94, em face da generalização dessa técnica para todo o sistema (art. 273 do CPC/1973). O regime geral de tutelas provisórias convive perfeitamente com as normas especiais que preveem requisitos diferenciados para a antecipação de tutela, como a “força nova” da turbação ou esbulho para a ação possessória (arts. 560 a 562) [69] ou as hipóteses específicas de direito material previstas para a decretação liminar do despejo do locatário do imóvel urbano (art. 59, § 1.º, da Lei n. 8.245/91[70]).

Eis, então, exemplos em que se adotaria o procedimento comum com algum tipo de adaptação, mas sem o desfigurar, dando-se ao art. 327, § 2.º, do CPC/2015 uma dimensão um tanto diversa, em homenagem à efetividade processual.

Em resumo, resta evidente que a aplicação do art. 327, § 2.º, do CPC/2015 enseja dificuldades que exigem profunda reflexão. Estas linhas tiveram por objetivo contribuir para essa empreitada, sem a pretensão de esgotá-la, até porque, a nosso ver, o ideal seria proceder a um exaustivo exame casuístico dos diversos procedimentos especiais espalhados em nosso ordenamento processual, tarefa evidentemente trabalhosa e incompatível com os acanhados limites deste trabalho.

9. Síntese conclusiva

A correta compreensão do conceito e da função dos procedimentos especiais representa ferramenta fundamental para bem aplicá-los, visando à sua efetividade, em especial quando entram em cena questões complexas como a subsidiariedade do procedimento comum e a possibilidade ou não de cumular demandas submetidas a procedimentos diversos.

O exame do conceito e da função dos procedimentos especiais revela também a necessidade de os estudiosos do processo reverem constantemente as normas legais a esse respeito, seja para verificar se determinados procedimentos perderam sua utilidade, seja principalmente para aferir em que medida o modelo previsto no Código de Processo Civil apresenta um “déficit de eficiência” para tutelar determinadas situações particulares do direito material. Se constatada a inutilidade de determinado procedimento especial, a omissão do legislador em extirpá-lo do sistema não traz maiores consequências práticas. O ordenamento acha-se repleto de normas tornadas inúteis pelo decurso do tempo. As consequências insidiosas decorrem da segunda hipótese, para as quais há cinco formas diversas de atuação do legislador, conforme destacado no item 3, supra.

De outro lado, a eventual ampliação de adaptações procedimentais determinadas pelo juiz ou convencionadas pelas partes constitui tema que já não mais faz parte do exame da teoria geral dos procedimentos especiais, embora com ela mantenha íntima relação. Afinal, se essas ferramentas de adaptabilidade procedimental se difundirem, a utilidade dos procedimentos especiais decairá sensivelmente. Remotamente, esse cenário poderia evoluir para a eliminação de quase todos os procedimentos especiais,[71] preservando-se, quando muito, aqueles insertos em microssistemas, como os do processo coletivo e dos Juizados Especiais.


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[1] Há muito, o tema dos procedimentos especiais destaca-se como aquele que recebe menor atenção da doutrina processual civil, o que é particularmente visível entre os autores que se dispuseram a publicar cursos, manuais ou tratados, seja ao longo dos mais de quarenta anos de vigência do CPC/1973, seja à luz dos quase dois anos de promulgação do CPC/2015. Não raro, os procedimentos especiais são ignorados. Para comprovar essa assertiva, bastam alguns eloquentes exemplos de obras reiteradamente reeditadas à luz do CPC/1973 (Amaral Santos, Primeiras linhas de direito processual civil, em 3 volumes; José Frederico Marques, Manual de direito processual civil, em 3 volumes e Barbosa Moreira, O novo processo civil brasileiro, em volume único), bem como à luz de obras que foram publicadas ao tempo do CPC/1973, mas que já foram readaptadas ao CPC /2015, como as obras de Fredie Didier Jr. e outros (Curso de processo civil, com 5 volumes editados à lume do CPC/1973, quatro dos quais já atualizados à luz do CPC/2015), Cândido Dinamarco (Instituições de direito processual civil, com 4 volumes editados ao tempo do CPC/1973 e um deles já atualizado em face do CPC/2015).
[2] No âmbito da jurisdição voluntária há o procedimento “comum” regrado pelos arts. 719 a 724 do CPC (aplicável aos casos do art. 725 e em todos os demais em que não houver previsão legal expressa), ao lado dos procedimentos especiais (arts. 726 a 770). Além da execução por quantia certa “comum”, há os procedimentos especiais, como aqueles aplicáveis à Fazenda Pública na condição de credora (Lei 6.830/1980) e de devedora (arts. 534, 535 e 910), e à cobrança da prestação alimentar fundada no matrimônio, união estável ou parentesco (arts. 528 a 533 e 911 a 913). De forma similar, o Livro III do CPC/1973 (sem paralelo no CPC/2015) abrigava normas relativas à cautelar “inominada” (arts. 796 a 812) e às “cautelares em espécie” (arts. 813 a 889).
[3] Luigi Paolo Comoglio assim sintetiza esse raciocínio: “A ‘ação’, em sentido constitucional, como não é mais apenas ‘direito ao processo’ (mas é um ‘direito ao justo processo’), é também um ‘direito à tutela’ (ou, se se preferir, o ‘direito a uma efetiva tutela’), bem se podendo aspirar inseri-lo […] entre os ‘princípios supremos’ do ordenamento constitucional, ou até mesmo entre os ‘direitos invioláveis do homem’, reconhecidos e garantidos pela República (art. 2.º da Constituição italiana)” (Riforme processuali e poteri del giudice. p. 95, já traduzido por nós). Em sentido similar, José Roberto dos Santos Bedaque pontua: “[a]ssim, direito de ação não é direito a uma sentença favorável, a uma sentença qualquer ou à sentença de mérito. (…) [o] direito de ação deve ser visto como garantia da efetividade, isto é, deve conferir ao seu titular a possibilidade de exigir do Estado instrumento apto a solucionar as controvérsias de maneira adequada e útil” (Garantia de amplitude da produção probatória. In: José Rogério Cruz e Tucci (coord.). Garantias constitucionais do processo civil. p. 166-167). Sobre o tema, confira-se ainda o nosso O direito de defesa no processo civil brasileiro – um estudo sobre a posição do réu, cap. 3.
[4] Não se pode olvidar, também, que o exercício do direito de ação não anima, exclusivamente, a instauração do processo, mas, sobretudo, o seu desenvolvimento. Primeiro, porque sempre se reconheceu o exercício incidental do direito de ação em processos já instaurados (caso da reconvenção, da denunciação à lide etc.). Segundo, porque a moderna doutrina processual tem afirmado que a amplitude do direito de ação não se esgota apenas na instauração do processo, desdobrando-se em um leque de poderes e faculdades exercitáveis até que o Estado-juiz tenha efetivamente proferido decisão definitiva sobre o litígio e tendo-a executado forçosamente quando assim necessário. Assim, a instauração do processo seria decorrência de um ato praticado pelo autor – denominado “demanda” – que constitui importante, mas não única, manifestação do direito de ação. Nesse sentido, confira-se, e.g., Cassio Scarpinella Bueno (Curso sistematizado de direito processual civil. v. 1, p. 325): “[n]ão há mais espaço para entender o ‘direito de ação’, ou, simplesmente, a ‘ação’ como a mera ruptura da inércia da jurisdição, quando o tema é inserido em seu devido contexto, do ‘modelo constitucional do direito processual civil’. Muito mais do que isto, é importante entendê-lo e associá-lo com o próprio agir, durante todo o processo, para a obtenção da tutela jurisdicional e de seus efeitos concretos no plano material. O ‘direito de ação’, nestas condições, deve ser entendido como o direito subjetivo público exercitável contra o Estado-juiz ao longo de todo o processo como forma de garantir àquele que o exerce a prestação da tutela jurisdicional de acordo com um processo ‘devido’, assim entendido o processo em que se assegurem todos os direitos assegurados pelos princípios constitucionais do processo civil”. Registre-se apenas que Scarpinella Bueno não emprega o termo “demanda”, preferindo referir-se ao ato postulatório que rompe a inércia da jurisdição (inicial ou incidentalmente) como “pedido”.
[5] Referimo-nos aos três escopos (social, jurídico e político) a que alude Cândido Rangel Dinamarco, na clássica obra A instrumentalidade do processo, passim..
[6] Nesse sentido, vejam-se Humberto Theodoro Jr. (Curso de direito processual civil, v.1, p.134-135) e Flávio Luiz Yarshell (Curso de direito processual civil, v.1, p.298-299).
[7] O CPC de 1939 falava em “processo ordinário” (Livro III, arts. 291 e seguintes). Já os CPCs de 1973 e 2015 preferiram a denominação “procedimento comum” (art. 272, do CPC/1973 e art. 318 do CPC/2015), sendo que o primeiro diploma o dividia em duas espécies (ordinário e, originalmente, sumaríssimo, mas, após reforma operada pela Lei n. 9.245/95, simplesmente sumário). O CPC/2015 eliminou essa dicotomia, mantendo apenas o procedimento comum.
[8] Veja-se, a respeito, Andrea Proto Pisani (Lezioni di diritto processuale civile, p.32 ss.) ao considerar que a adequação da prestação jurisdicional ao direito material invocado é consequência natural e necessária da superação da ideia de ação como direito unitário e completamente autônomo (que é impregnada da concepção de igualdade formal do Estado liberal do século XIX) para a ideia de efetiva tutela jurisdicional (própria do Estado social do século XX, que se baseia em critérios de igualdade substancial). No mesmo sentido, entre nós, Fredie Didier enaltece a importância do chamado “princípio da adequação” (Sobre dois importantes, e esquecidos, princípios do processo: adequação e adaptabilidade do procedimento. Ajuris, n. 83, p. 166-178).
[9] Esse tema foi objeto de reflexões de importantes monografias, tais como as de Fernando da Fonseca Gajardoni (Flexibilidade procedimental, esp. p. 30-41), Paula Sarno Braga (Norma de Processo e norma de procedimentos – O problema da repartição de competência legislativa no direito constitucional brasileiro, passim.) e Maria Carolina Silveira Beraldo (Processo e procedimento à luz da Constituição Federal de 1988: Normas processuais e procedimentais civis, passim.).
[10] Com apoio em Flávio Luiz Yarshell (Tutela jurisdicional, p.186).
[11] Aproximando as adaptações processuais e procedimentais sob o signo da “técnica processual”, confira-se Dinamarco (Instituições de direito processual civil, v.1, p.231 ss.).
[12] Vide, sobre o tema, teoria acerca dos microssistemas jurídicos elaborada por Natalino Irti para descrever a lógica interna das leis especiais em sua obra L’età della decodificazione, p. 65 e ss. Cf. também Ricardo Luis Lorenzetti, Fundamentos do direito privado, p. 42 e ss.
[13] Considerando-se uma particular característica do direito material controvertido em “causas cíveis de menor complexidade”, o legislador houve por bem criar um microssistema pautado nos seus próprios princípios e institutos, por meio das Leis n. 9.099/1995, 10.259/2001 e 12.153/2009. Nesse sentido, confira-se Cândido Rangel Dinamarco (Instituições de direito processual civil, v. 3, p. 803).
[14] O microssistema de tutela coletiva acha-se pautado primordialmente nas leis n. 4.717/1965, 7.437/1985 e 8.078/1990 (CDC). A respeito, confiram-se José Afonso da Silva (Ação popular constitucional: doutrina e processo. p. 210), Rodolfo de Camargo Mancuso (Jurisdição coletiva e coisa julgada: teoria geral das ações coletivas. p. 180) e Bruno Garcia Redondo et al. (Juizados especiais).
[15] Sobre a justificativas políticas, técnicas e práticas da existência de procedimentos especiais, confiram-se Adroaldo Furtado Fabrício (Comentários ao Código de Processo Civil, v. 8, t. 3, p. 7) e Calmon de Passos, (Teoria geral dos procedimentos especiais. Cristiano Chaves de Farias e Fredie Didier Jr. (coord.). Procedimentos especiais cíveis, legislação extravagante. p. 3 e ss.).
[16] Esse fenômeno nada tem de novo. Deixando-se de lado os monumentos legislativos que vigeram no Brasil antes de 1939 (tema tratado por José de Moura Rocha. Sobre os procedimentos especiais. Revista de Processo, n. 53, p. 22-25), temos que o nosso primeiro Código de Processo Civil nacional tratava dos “Processos Especiais”, em posição de destaque, ocupando nada mais, nada menos, do que 376 artigos (ou 35% dos 1.047 artigos do Código). Somando-se esses àqueles constantes do rol bastante heterogêneo de instrumentos lançados no Livro IV do Código sob a rubrica “Processos Acessórios”, tem-se quase metade dos artigos do Código de Processo Civil de 1939, e ao todo 61 procedimentos especiais. Alfredo Buzaid, na Exposição de Motivos ao atual Código de Processo Civil (Capítulo II, item 4), já criticava essa técnica legislativa. Ao publicar seu Anteprojeto, em 1964, Alfredo Buzaid publicou os Livros I, II e III, referentes aos processos de conhecimento, de execução e cautelar, sob a justificativa de que se deveria reservar para momento posterior o livro referente aos procedimentos especiais, que somente se poderia escrever depois de estabelecidos os rumos da reforma do direito substantivo (Anteprojeto de Código de Processo Civil, p. 12 e ss.). Ao fim, no entanto, adotou um “tratamento contemporizador” em matéria de procedimentos especiais (Sálvio de Figueiredo Teixeira, Inovações e estudos do Código de Processo Civil, p. 47), de modo que Buzaid  nada fez para mudar o estado de multiplicidade e fragmentação, dado que dedicou o Livro IV do Código aos Procedimentos Especiais, com mais de 300 artigos (do art. 890 ao art. 1.210), manteve em vigor normas relativas a 16 procedimentos especiais do Código de Processo Civil de 1939 (CPC/1973, art. 1218), e não trouxe para o corpo do Código de Processo Civil nenhum dos procedimentos especiais instituídos pelas leis extravagantes editadas de 1939 a 1973. O CPC/2015 excluiu todos os procedimentos especiais do CPC/1939 que ainda subsistiam (art. 1.046, §3.º), suprimiu seis procedimentos especiais previstos pelo CPC/1973 (ação de depósito, ação de anulação e substituição de títulos ao portador, ação de dar contas, ação de nunciação de obra nova, ação de usucapião de terras particulares e ação de busca e apreensão de bem com reserva de domínio), realocou procedimento que antes figurava no processo cautelar (homologação de penhor legal) e, por fim, criou outros três capítulos que não tinham equivalentes no CPC/1973 (ação de dissolução parcial de sociedade, ações de família, ação de regulação de avaria grossa, sendo que esse último figurava em dispositivos do CPC/1939, mantidos em vigor pelo CPC/1973). Essa opção mereceu severa crítica de Barbosa Moreira, para quem a “exigência de unidade e de sistematização… levaria, a meu ver, à conclusão diametralmente oposta, à de que toda a matéria processual deve ter como sede natural e própria o Código de Processo.” (Estudos sobre o novo Código de Processo Civil, p. 32.)
[17] Convém destacar, nesse particular, uma questão de ordem terminológica. O Livro IV do CPC/1939 era intitulado “Processos especiais”, mas essa expressão foi abandonada pelo Livro IV do CPC/1973 em favor de “Procedimentos especiais”, que gozava da preferência da doutrina (v.g., Adroaldo Furtado Fabrício. Justificação teórica dos procedimentos especiais. Ensaios de direito processual. p. 34), e foi mantida no CPC/2015. Tal variação, contudo, não pode encobrir o fato de que as adaptações do procedimento comum a determinadas necessidades do direito material ora são feitas no plano do processo, ora no plano do procedimento.
[18] O sistema processual civil brasileiro continua a se referir aos procedimentos especiais como “ações”. Trata-se, contudo, de uma impropriedade terminológica, já que as diferentes naturezas do procedimento não implicam exercício de diversos tipos de “ações”, enxergando-se aí reminiscência histórica de um período, superado há muito, em que a ação era reputada remédio típico, taxativa e especialmente criado pela lei para proteger um determinado direito subjetivo, cujo “rótulo” era considerado indispensável para sua admissibilidade. Cruz e Tucci (A causa petendi no processo civil. p. 46) registra a constituição romana emitida por Diocleciano e Maximiniano, de 290 d.C., recolhida no Código Justinianeu (2.10.1), que assentou justamente ser dispensável que o autor atribuísse um nomen iuris à ação proposta, como decorrência das máximas iura novit curia e da mihi factum dabo tibi ius. A mesma diretriz foi prestigiada pelos glosadores e comentadores, na Baixa Idade Média, e acolhida expressamente pelo direito canônico de então (idem, p. 56-59). Ainda hoje a mesma diretriz continua prestigiada na jurisprudência, cumprindo mencionar três acórdãos do STJ nesse sentido, de diferentes épocas: “O nome com o qual se rotula a causa é sem relevância para a ciência processual” (REsp 7591/SP, 4.ª Turma, Rel. Min.  Sálvio de Figueiredo Teixeira, j.: 26.11.91); “A natureza da tutela jurisdicional não está vinculada à nominação dada pelo autor à ação, e sim ao pedido” (REsp 198144/MT, 4.ª Turma, Rel. Min. Barros Monteiro, j.: 19.05.05) e “A jurisprudência desta Corte se firmou no sentido de que é irrelevante a denominação, quando possível o julgamento da ação, sem mudança da causa de pedir ou do pedido” (AgRg no REsp 1169019/RS, 4.ª Turma, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, DJe 19.05.15). Entretanto, não se pode negar que o manejo dessas denominações é bastante útil no dia a dia forense, de modo que vêm bem aqui a calhar as palavras de Cândido Rangel Dinamarco, que pontuou: “enquanto o desvio é meramente terminológico, não há nada a temer” (Das ações típicas. Fundamentos do processo civil moderno, v.1, p. 484).
[19] Na exposição clássica de Alberto dos Reis, “Os processos destinam-se ou a fazer declarar em juízo os direitos substanciais, ou a dar realização efetiva a direitos já declarados. Compreende-se facilmente a necessidade ou a conveniência de que a forma do processo se ajuste à substância do direito que se pretende fazer reconhecer ou executar. Ora, se a grande massa dos direitos materiais pode perfeitamente fazer-se valer em juízo mediante a ritologia do processo comum…, a verdade é que alguns direito substanciais, dada a sua natureza, feição e estrutura peculiar, demandam formas e ritos especiais de processo.” (Processos especiais, v. 1, p. 1-2.)
[20] Conforme tratamos em outro texto (Direito processual civil colombiano, In. Cruz e Tucci, José Rogério (coord.), Direito processual civil americano contemporâneo, p.105-107), trata-se de solução encontrada pelo CPC colombiano, que prevê três tipos de procedimentos – proceso ordinário, abreviado e verbal – os quais se sujeitam a normas processuais e procedimentais especiais a serem observadas em determinados tipos de litígios (arts. 406 e 407, 415 a 426 e 441 a 450, respectivamente). Isso significa que o CPC colombiano preferiu estabelecer, para esses numerosos casos, normas especiais para diferenciar os procedimentos comuns, em atenção à natureza do direito material controvertido, em vez de criar procedimentos especiais. Daí porque a doutrina distingue o proceso ordinário dos procesos ordinario con disposiciones especiales, e o proceso abreviado dos procesos abreviados con disposiciones especiales (terminologia usada, v.g., por Bejarano Guzmán, Procesos declarativos, p. 87 e 139). Ainda assim os arts. 451 a 487 cuidam dos procedimentos de expropriación, deslinde y amojonamiento, division material y venta de la cosa en comun e division de grandes comunidades; os arts. 571 a 624 tratam do procedimento para partilha de bens em razão de sucessão mortis causa, cumprimento de testamento e herança vacante; os arts. 625 a 648 tratam da partilha de bens em razão da dissolução da sociedade conjugal e, finalmente, os arts. 693 a 697 disciplinam a homologação de sentenças estrangeiras e de pedidos de outras diligências feitos por tribunal estrangeiro.
[21] Os incisos I e II do art. 259 do CPC/2015 contêm regras atinentes a dois procedimentos especiais presentes no CPC/1973 e que restaram extintos, quais sejam, a “ação de usucapião” (arts. 941 a 945) e a “ação de anulação e substituição de títulos ao portador” (arts. 907 a 913). O primeiro procedimento já poderia ser considerado um “falso procedimento especial” pois, com as alterações que a Lei n. 8.951/1994 trouxe ao art. 942 do CPC (mormente a extinção da chamada “audiência preliminar de justificação”), corria, por completo, sob o procedimento comum ordinário, sendo conotado apenas por normas diferenciadas no tocante aos sujeitos a serem citados (arts. 942 e 943). No entanto, o art. 1.071 do CPC/2015 inseriu o art. 216-A na Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/73), regulando o procedimento extrajudicial de declaração de usucapião. Já o art. 311, II, do CPC/2015 substitui o procedimento da “ação de depósito”, antes regulado pelos arts. 901 a 906 do CPC/1973.
[22] Conforme notaram, por exemplo, Frederico Marques (Manual de direito processual civil. v. 2, p. 131 e ss.) e Antonio Carlos Marcato (Procedimentos especiais, p. 73-74), existem procedimentos “mais especiais” e outros “menos especiais”, por apresentarem mais ou menos diferenças em relação ao procedimento comum regrado no Código de Processo Civil.
[23] Tal como pontuou Calmon de Passos, o sistema conotado pela pluralidade de procedimentos especiais desnecessários é “desigualizador e complicador” (Teoria geral dos procedimentos especiais, cit., p. 4. Adiante, o autor completa: “[p]éssimo, política e tecnicamente, será optarmos por deixar inadequadamente regulado o que deve servir para a quase totalidade dos litígios, e nos perdermos em elucubrações cerebrinas para institucionalizar excepcionalidades” (idem, ibidem). No mesmo sentido, Moniz de Aragão (Procedimento: formalismo e burocracia. Revista Forense, n. 358, p. 49-58) e Carlos Alberto Alvaro de Oliveira (Procedimento e ideologia no direito brasileiro. Ajuris, n. 33, p. 82-833).
[24] Foram as questões enfrentadas no texto referido na nota 1, supra.
[25] Não temos dúvida de que essa proposição teria maiores chances de sucesso se o grau de oralidade do processo civil brasileiro fosse maior, de modo que as adaptações procedimentais pudessem ser objeto de diálogo imediato entre as partes e o juiz. Contudo, a possibilidade legal de o juiz substituir a maior parte dos atos orais por atos escritos e a cultura largamente disseminada de assim proceder relegaria as adaptações procedimentais ope judicis para serem submetidas às partes e decididas por decisões “de gabinete”, com inegável atraso na marcha do processo.
[26] Durante a tramitação do Projeto, diversos senadores propuseram emenda para excluir o dispositivo sob o fundamento de que causaria insegurança e ampliaria o autoritarismo judicial. Tais críticas desconsideram a obrigatoriedade de observância do contraditório prevista na parte final do dispositivo.
[27] Tais como o “saneamento consensual” (art. 357, §2.º) e a escolha consensual de perito (art. 471).
[28] Segundo lição lapidar de Antonio Scarance Fernandes, incidente se define como “um momento novo no processo, formado por um ou mais atos não inseridos na cadeira procedimental prevista pela lei” (Incidente processual, p. 147-148). Em outo texto (Breves comentários ao art. 20 do CPC, à luz da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Revista de Processo, v.37, n. 207, mai. 2012, p.358-359) propusemo-nos a definir o que seria incidente e o que seria demanda incidental e, embora o foco fosse o CPC/1973, as conclusões lá alcançadas mostram-se úteis e pertinentes aqui: “Parece-nos suficiente afirmar que o ‘incidente’ é palco para solução de questão de cunho processual, que não toca os direitos controvertidos no plano material (o meritum causae), e que notadamente se encerra por decisão interlocutória. O incidente processual não se confunde com a ‘demanda incidente’, a qual é portadora de pedido de tutela jurisdicional quanto ao direito material controvertido. A demanda incidente é apresentada em processo já instaurado (o qual contém a demanda original) e pode ou não implicar instauração de um novo processo incidente. O que importa é que a demanda incidente é destinada a ser resolvida por sentença (…). Na primeira categoria (incidente processual), encaixa-se, por exemplo, a exceção de incompetência, a impugnação ao valor da causa, a expedição de precatório complementar em execução contra a Fazenda Pública, a suscitação de impenhorabilidade de bem por simples petição etc. Na segunda categoria (demanda incidental), incluem-se a reconvenção, a oposição e os embargos à execução.”
[29] Conforme pontuamos em outro trabalho (O direito de defesa no processo civil brasileiro, p. 83-86), com apoio em literatura estrangeira (Vittorio Colesanti, Eccezione (diritto processuale civile). Enciclopedia del diritto. v. 14, p. 188 e Luigi Paolo Comoglio, Note riepilogative su azione e forme di tutela, nell’ottica della domanda giudiziale. Rivista di Diritto Processuale, v. 48, 1993, p. 471) e nacional (Dinamarco, Litisconsórcio, p. 71 e Flávio Yarshell, Tutela jurisdicional, p. 56-57), entende-se por demanda o ato processual decorrente do exercício do direito de ação, que ativa o poder jurisdicional (na expressão de Luigi Paolo Comoglio, Corrado Ferri e Michele Taruffo, Lezioni sul processo civile, p. 228). É o ato de postulação que encerra uma pretensão processual, informada por seus três elementos: partes, pedido e causa de pedir, tendo como objetivo um bem da vida disputado entre as partes no plano material (assim, e,g., Ovídio Baptista da Silva, Curso de processo civil, v. 1, p. 157, e Milton Paulo de Carvalho, Do pedido no processo civil, p. 78).
[30] Tal como se vê dos arts. 232 a 235 da LEC espanhola de 2000.
[31] O CPC português de 2013 trata da habilitação dentre as modalidades de intervenção de terceiros (arts. 351 a 357).
[32] Tal como previsto nos arts. 342 a 350 do CPC português.
[33] Marinoni-Arenhart-Mitidiero (Novo curso de processo civil, v. 3, p. 233) bem a propósito, destacam que “pouco importa a natureza do devedor, ele estará sempre sujeito à ação monitória”.
[34] À guisa de exemplo, veja-se as ações de separação e divórcio, que podem assumir caráter de jurisdição contenciosa ou de jurisdição voluntária (arts. 5º ao 8º da Lei n. 6.515/77 e arts. 731 a 733 do CPC/2015).
[35] Entende-se que a ação de investigação de paternidade adota o procedimento comum, com as peculiaridades determinadas na Lei n. 8.560/92, especialmente arts. 2o, 2o-A e 7o, ao passo que a ação de alimentos conta com procedimento especial (Lei n. 5.478/68).
[36] Já há algum tempo Adroaldo Furtado Fabrício, com amparo em vários estudiosos, fez essa observação: “Em princípio, aliás, pelo menos do ponto de vista da operacionalidade prática do processo, a generalização do procedimento ordinário deveria ser a maior e a mais ampla possível, com a redução do elenco dos especiais; estes, ainda nos limites do referido critério, só se justificariam quando fosse absolutamente inadequado ou suficiente para o tratamento em juízo da matéria considerada” (Comentários…, cit., p. 7). Calmon de Passos afirmou que “A especialidade do procedimento deve ser, portanto, uma exceção, só justificável em face da absoluta necessidade de se atender a algo tão específico que seria disfuncional e até lesivo adotar-se em sua inteireza o procedimento ordinário” (Teoria geral dos procedimentos especiais. In: Cristiano Chaves de Farias e Fredie Didier Jr. (Coord.). Procedimentos especiais cíveis, legislação extravagante. p. 3 e ss.).
[37] Assim notaram, por exemplo, Frederico Marques (Manual de direito processual civil. v. 2, p. 131 e ss.) e Antonio Carlos Marcato (Procedimentos especiais. p. 73).
[38] Nesse sentido, Pontes de Miranda (Comentários ao Código de Processo Civil. t. 13, p. 4) leciona que “[a] especialidade nem sempre significa exclusão da ordinariedade; às vezes, essa ordinariedade persiste e apenas se modifica em algum momento inicial; ou apenas se alude a que se manteve a forma ordinária, a despeito da especialidade da pretensão e da ação”. Exemplo clássico é a ação de manutenção ou reintegração de posse de força nova (arts. 554 e ss. do CPC/2015), na qual o desenvolvimento normal da fase postulatória abre espaço para a análise acerca da concessão ou não de liminar (inclusive mediante a designação da audiência de justificação, com prévia da citação do réu, conforme art. 562 do CPC/2015). No entanto, superada essa questão, o procedimento “converte-se”, por assim dizer, ao comum (art. 566 do CPC/2015), pois, daí em diante, seguir-se-á inteiramente o que prescreve o Livro I da Parte Especial do Código vigente. Há, por fim, determinados procedimentos que, realmente, são especiais, do começo ao fim, como é o caso, evidentemente, do mandado de segurança, entre outros. Essa classificação tripartida já era sugerida por Luís Machado Guimarães (Comentários ao Código de Processo Civil. v. 4, p. 14) na vigência do Código de Processo Civil de 1939, e vem abraçada também, entre outros, por Dinamarco (Instituições…, cit., v. 3, p. 340).
[39] A já mencionada “ação de usucapião” era um exemplo dessa afirmação, conforme nota 22, supra. O mesmo se diga quanto à “ação de nunciação de obra nova”, cuja grande peculiaridade – a possibilidade de embargo liminar da obra (art. 935 e ss. do CPC/1973) – tornou-se obsoleta em face do advento da antecipação de tutela (art. 273 do CPC/1973 com redação dada pela Lei n. 8.952/94), sendo as demais normas especiais pouco relevantes para justificar sua subsistência. Aliás, a possibilidade de o réu prestar caução para continuação da obra (art. 940 do CPC/1973) tornava, a nosso ver, a medida urgência prevista nesse procedimento especial menos efetiva que o regramento geral constante do art. 273 do CPC/1973, que não continha regra similar.
[40] No campo das “ações coletivas,” há um exemplo eloquente dessa afirmação. Referimo-nos aos §§ 7.º a 9.º do art. 17 da Lei n. 8.429/1992, introduzidos pela Medida Provisória 2225-45, de 04.09.2001 (ainda em tramitação, eis que não atingida pela EC 32/2001). É certo que essa disciplina sofreu influência do processo penal (CPP, arts. 513 a 518 e dos arts. 4.º ao 7.º da Lei n. 8.038/90), como bem lembrou Teori Albino Zavascki (Processo coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. p. 129). Essa alteração não se justifica em face da possibilidade de “indeferimento da inicial“ (arts. 267, I e 295 do CPC/1973 e arts. 485, I, e 331 do CPC/2015) e do “julgamento antecipado do mérito” (art. 330 do CPC/1973 e art. 356 do CPC/2015).
[41] Essa circunstância não apenas enseja a proliferação de procedimentos especiais, mas também a largueza da lista de títulos executivos extrajudiciais (art. 784 do CPC/2015), como destaca Adroaldo Furtado Fabrício (Comentários…, cit., p. 7).
[42] Claríssima prova disso é a ação de reintegração de posse de “força nova” que, com contornos muito similares (mormente o do requisito de posse de menos de “ano e dia”), já vinha prevista desde a legislação de Afonso III, em 1254-61 (Portugaliae Monumenta Historica: Leges et Consuetudines, v. 1, p. 246) e consagrada pelas Ordenações Afonsinas, de 1446 (Livro III, Título 106).
[43] Podemos destacar, para comprovar tal afirmação, a criação da ação de busca e apreensão de bem móvel alienado fiduciariamente. Como se sabe, essa modalidade de contrato foi criada por um artigo (art. 66) inserido, totalmente fora de contexto, no corpo da Lei n. 4.728/65 (editada no início do regime militar para regular o mercado de capitais). Depois, o Decreto-lei n. 911/69 alterou sua redação e conferiu ao credor (instituição financeira) procedimento especial absolutamente célere e sumário, que permite a concessão de liminar de busca e apreensão com a simples apresentação de documento que satisfaça os módicos requisitos formais do art. 2.º, § 2.º, do Decreto para o fim de provar a mora do devedor. Alvaro de Oliveira (Procedimento e ideologia no direito brasileiro, cit., p. 82-83) vê, nesse e em outros exemplos lá listados, traço da influência da ideologia que inspirava o aparelho estatal, e se traduzia em uma criação de vários procedimentos especiais tendentes à proteção dos interesses das classes dominantes.
[44] Exemplos dessas afirmações não faltam. Não se pode negar que a tutela antecipada se inspirou em diversos procedimentos especiais, principalmente no mandado de segurança. Do mesmo modo, parece inegável que as regras atinentes à execução específica das obrigações de fazer, não fazer e dar (arts. 461 e 461-A do CPC/1973 e arts. 497 a 501 e 536 a 538 do CPC/2015) sofreram forte influência do art. 11 da Lei da Ação Civil Pública (Lei n. 7.347/85) e do art. 84 do CDC.  A já bastante referida lei de locações de imóveis urbanos (Lei n. 8.245/91) inovou quanto à possibilidade de citações e intimações pela via postal para pessoas físicas (art. 58, IV), que acabou generalizada para o CPC/1973 pela Lei 8.710/1993 (art. 222), solução ainda prestigiada pelo CPC/2015 (arts.247 e 248). A mesma lei de locações também inovou ao estabelecer que, nas causas por ela regidas, a apelação, como regra, não teria efeito suspensivo (art. 58, V), mas até hoje o Congresso Nacional tem relutado em generalizar essa norma para todo o sistema (o que se revela na leitura do art. 1.012 do CPC/2015), a despeito dos vistosos resultados práticos obtidos a partir desse dispositivo legal. É fato notório que o (extinto) Segundo Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo, a quem competia (até a EC 45/2004) julgar as causas em matéria de locação predial urbana, experimentou uma queda vertiginosa no número de recursos de apelação, que refletiu numa diminuição sensível do trabalho de seus juízes, permitindo-se que para aquela Corte fossem transferidas matérias cuja competência recursal cabia, antes, ao (também hoje extinto) Primeiro Tribunal de Alçada (como cobranças de despesas condominiais).
[45] Tais problemas deviam-se a uma má compreensão dos arts. 19 e 20 da Lei n. 1.533/51. O primeiro dispositivo previa que as normas sobre litisconsórcio previstas no Código de Processo Civil de 1939, vigente à época, se aplicavam, ao mandado de segurança, passando a falsa impressão de que as demais regras do Código não o seriam. O segundo dispositivo limitou-se a revogar as disposições que o Código de Processo Civil então vigente continha sobre o mandado de segurança, sem afastar sua aplicação subsidiária em face do silêncio da Lei n. 1.533/51.
[46] Recorribilidade das decisões interlocutórias no processo do mandado de segurança. Temas de direito processual: sexta série, p. 211-224.
[47] Conforme Francisco Carlos da Rocha Barros (Comentários à lei do inquilinato. p. 538 e 609). A tese encontra eco também no TJSP: Agravo de instrumento n. 2119952-80.2016.8.26.0000, 36ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Jayme Queiroz Lopes, j.: 30/06/2016).
[48] Para amplo exame da matéria, confira-se Luis Guilherme Aidar Bondioli (Reconvenção no processo civil. passim.).
[49] À guisa de exemplo, vejam-se acórdãos proferidos em ações de despejo (TJSP, Agravo de instrumento n. 1170221002, 25ª Câmara de Direito Privado, Rel.: Des. Vanderci Álvares; j.: 29/07/2008 e TJSP, Agravo de Instrumento n. 0453047-72.2010.8.26.0000, 26ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Vianna Cotrim, j.: 29.09.2010 e Agravo de Instrumento n. 2143659-77.2016.8.26.0000l, 30ª Câmara de Direito Privado, Rel.: Des. Andrade Neto; j.: 03/08/2016), bem como em ação de reintegração de posse de “força velha” (TJSP, Agravo de Instrumento n. 0229289-14.2011.8.26.0000, 12ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Cerqueira Leite, j.: 19.10.2011).
[50] Para ilustrar essa afirmação, convém servirmo-nos de outro exemplo extraído da lei de locação de imóveis urbanos. A ação revisional de aluguéis foi disciplinada pela Lei n. 8.245/91, que estabeleceu a aplicação supletiva do procedimento comum sumaríssimo (art. 68 da Lei n. 8.245/91), que foi profundamente alterado e rebatizado de sumário pela Lei n. 9.245/95 e, finalmente, abolido pelo CPC/2015. É bem verdade que o art. 1.046, §1.º, do CPC/2015, determina que apenas às ações propostas e não sentenciadas até o início da vigência do CPC/2015 se aplicam as disposições relativas ao procedimento sumário e que o § 4o do mesmo artigo contém uma cláusula geral de conversão, pela qual as remissões ao CPC19/73 na legislação pátria passam a se entender como remissões aos dispositivos correspondentes no CPC/2015. No entanto, quando há remissão em legislação extravagante sem estrita correspondência entre os códigos, como é o caso do art. 68 da Lei de Locações Urbanas, a cláusula geral é insatisfatória. Sobre as dificuldades geradas nesse caso específico, cf. Guilherme Tambarussi Bozzo, Repercussões do Novo Código de Processo Civil nos procedimentos da Lei de Locações, Legislação extravagante p. 199-202.
[51] Aliás, esse microssistema das ações coletivas também carece de melhor sistematização legislativa, em face da multiplicidade de leis dedicadas ao tema. Referimo-nos à Lei da Ação Popular (Lei n. 4.717/65), à Lei da Ação Civil Pública (Lei n. 7.437/85), ao Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90) e à Lei de Improbidade Administrativa (Lei n. 8.429/92).
[52] Logo após promulgação do Código de Processo Civil de 1973, Barbosa Moreira lembrou que a Exposição de Motivos do seu Anteprojeto prometera unificar todos os procedimentos especiais no mesmo diploma, o que não foi cumprido no projeto apresentado ao Congresso Nacional e que veio a se converter em lei. A propósito, o notável jurista assim se manifestou: “[…] quando se anunciou a reforma do nosso processo civil, uma das aspirações generalizadas entre todos aqueles que lidam com esses problemas – professores, advogados, juízes –, era a de que se aproveitasse a oportunidade para proceder à reunificação de todas as normas processuais em um corpo único, sob uma única sistemática”. Contudo, o autor manifestou sua “decepção” com o fato de que Buzaid não apenas deixara de incluir, no projeto, a disciplina desses procedimentos especiais regulados por leis extravagantes, mas até fizera mais: retirara ou deixara de “contemplar no projeto ações que, atualmente, são reguladas pelo C. Proc. Civ. Isto é, não apenas não se tomou a providência de fazer voltar ao redil as ovelhas tresmalhadas, mas até se chegou ao requinte de afugentar outras ovelhas [os procedimentos referidos pelo art. 1.218 do CPC de 1939]” (A estrutura do novo Código de Processo Civil. Revista Forense, v. 246, p. 40, abr.-maio-jun. 1974).
[53] Araken de Assis entende que “[o] art. 327, § 1o, III, veta a cumulação simples de duas ações dotadas de procedimento especial, ou uma ação de rito especial com outra de rito comum, conquanto empregado para tal efeito o rito comum,” (Processo civil brasileiro, volume 1, p. 786) sendo apenas admitida a cumulação sucessiva ou eventual, “ficando as ações sucessivas ou subordinadas, tratando-se de cúmulo inicial de pedidos, presas ao rito da ação principal, quer seja comum, quer seja especial” (Processo civil brasileiro, volume 1, p. 787.) Trata-se de reafirmação de posição doutrinária já defendida pelo autor sob a égide do CPC/1973 (Cumulação de ações, p. 273.), que não nos parece admissível dada a redação do art. 327, § 2o, que muda substancialmente o art. 292, § 2o, do CPC/1973. Adotar o parti pris da não cumulabilidade representaria um verdadeiro regresso ao ius ciuile clássico. Na lição histórica, mas sempre atual, de Pascoal de Mello Freire: “A cumulação de ações em um só libelo era desconhecida do direito romano, l. 6, de except. rei judic. [Digesto, 44, 2]; na praxe, no entanto, se obtêm. E primeiramente porque hoje todas as ações se consideram actiones in factumm não havendo fórmulas constritivas e não sendo necessário declinar seus nomes… Assim, podem-se cumular as ações que tendem ao mesmo fim, e essa é a regra máxima.” (Institutiones iuris civilis lusitani, v. 4: De obligationibus et actionibus, § XXXIV, p. 94.)
[54] Aspecto destacado, à luz do CPC de 1973, por, v.g. Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery (Código de Processo Civil [de 1973] comentado e legislação processual em vigor. p. 293).
[55] Conforme leciona Cassio Scarpinella Bueno (Código de Processo Civil interpretado. Antônio Carlos Marcato (Coord.), p. 957).
[56] Calmon de Passos. Comentários ao Código de Processo Civil. v. 3, p. 209.
[57] Nesse sentido se manifestaram Adroaldo Furtado Fabrício (Comentários ao Código de Processo Civil. 8.. ed. v. 8, t. 3, p. 19-23) e Luiz Orione Neto (Teoria geral dos procedimentos especiais. Procedimentos especiais cíveis, legislação extravagante, cit., p. 30-34).
[58] Muitos doutrinadores invocam esses dispositivos para enquadrar os procedimentos na categoria das “ações dúplices”. Preferimos seguir a linha de Luis Guilherme Aidar Bondioli (Reconvenção no processo civil. passim.) de enxergar nessas normas (e em outras similares) fenômeno diverso, por ele denominado de maneira inovadora de “contestação com conteúdo reconvencional”. A duplicidade da demanda, entendemos, se traduz em fenômeno mais restrito caracterizado pela natureza do direito material controvertido, de tal modo que ao réu possa ser outorgada tutela jurisdicional idêntica àquela pleiteada pelo autor, independentemente de qualquer pedido por parte do réu. O exemplo mais claro é a ação possessória.
[59] A nota de sumariedade que marca alguns dos procedimentos especiais seria o âmbito a que se aplicaria a noção de tutela jurisdicional diferenciada, no entender de Ricardo de Barros Leonel: “A sumariedade da cognição, em síntese, seria a essência da qual partiria o conceito de tutela jurisdicional diferenciada.” (Tutela jurisdicional diferenciada, p. 21.)
[60] Confiram-se, e.g., Gajardoni (Flexibilidade procedimental, p. 80-84), e Sidnei Amendoeira Jr. (Fungibilidade de meios. p. 79-100), ambos com ampla referência doutrinária.
[61] No texto já referido: Reflexões em torno da teoria geral dos procedimentos especiais. Revista de Processo, n. 208, p.61-90
[62] No microssistema dos Juizados Especiais – Cíveis, Federais e da Fazenda Pública – as coisas se passam de modo um tanto diverso. Se uma das demandas cumuladas não observar a competência estabelecida pelo art. 3.º da Lei n. 9.099/95, art. 3.º da Lei n. 10.259/2001 e art. 2.º da Lei n. 12.153/2009, respectivamente, aplicar-se-á o procedimento comum. No mais, o Juizado Especial Cível tem competência concorrente à da “Justiça comum”, de modo que, embora inserto em um microssistema, o seu procedimento é renunciável. No âmbito dos outros dois Juizados, já há norma expressa quanto à irrenunciabilidade.
[63] Adroaldo Furtado Fabrício, com apoio em Pontes de Miranda, prefere a expressão “procedimentos irredutíveis ao ordinário” (Justificação teórica dos procedimentos especiais, cit., p. 33).
[64] Não logramos encontrar excerto doutrinário ou jurisprudencial que corroborasse essa proposição. Ainda assim, entendemos que ela pode ser adequadamente demonstrada. Poderíamos cogitar de o autor formular pedido de obrigação de fazer (consistente na exibição de livros, documentos e registros contábeis) cumulado com pedido de cobrança do valor que o autor supõe lhe seja devido pelo réu. Outra alternativa seria desmembrar esses pedidos em um pedido de exibição de documentos e em uma ação de cobrança, respectivamente. Ou ainda se cogitaria de o autor pedir o valor que entende que lhe é devido, relegando-se para a fase instrutória a conferência de documentos em poder do réu. Aliás, tais alternativas apresentariam ao menos uma vantagem em relação ao procedimento especial, que seria dispensar a sua primeira fase (no caso em que, na contestação, o réu nega a obrigação de prestar contas, mas é vencido pelo autor), que é encerrada por sentença apelável com efeito suspensivo.
[65] Como propôs Antônio Cláudio da Costa Machado (Código de Processo Civil interpretado: artigo por artigo, parágrafo por parágrafo. p. 306): “a especialidade de um procedimento pode ser tão acentuada de forma a inviabilizar o desenvolvimento do processo pelo rito ordinário (v.g., consignação, anulação e substituição de título, usucapião)”. Aliás, os exemplos dados, a nosso ver, sequer caracterizam procedimentos muito diferentes do procedimento comum.
[66] Nessa linha, não há que se cogitar de conversão do procedimento. Nas hipóteses tratadas, a escolha feita pelo autor seria considerada legítima, não podendo o juiz suprimi-la pela conversão.
[67] Na prática, é comum o expediente de rotular a demanda de “ação de consignação em pagamento cumulada com pedido de adjudicação compulsória”, dando-se primazia ao primeiro pedido em relação ao segundo. A primazia existe, dado que a cumulação de pedidos é sucessiva (a análise do segundo depende da procedência do primeiro). A nosso ver, tal expediente simplório visa (consciente ou inconscientemente) contornar o disposto no o art. 327, § 2.º, do CPC/2015 – para cuja aplicação é irrelevante a modalidade de cumulação de pedidos –, de modo a preservar as peculiaridades da ação de consignação em pagamento.
[68] Conforme pontuamos em outro ensaio – Aspectos do pedido na ação de improbidade administrativa. Revista de Processo, n. 178, p. 76-105 –, a ação de improbidade administrativa, tal como disciplinada na Lei n. 8.429/92, pode perfeitamente trazer cumulado o pedido de nulidade do ato reputado ímprobo, para o que o Ministério Público detém legitimidade ativa mercê do art. 25, IV, “b”, da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei n. 8.625/93).
[69] A título de exemplo, vejam-se dois julgados do TJSP: Agravo de Instrumento 890.733-0/4, 26.ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Felipe Ferreira, j. 02.05.2005, e Agravo de Instrumento 990.10.526528-6, 12.ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Osvaldo de Oliveira, j. 13.04.2011.
[70] Vide os seguintes julgados recentes do TJSP em matéria de despejo (Agravo de instrumento n. 2197885-32.2016.8.26.0000, 35ª Câmara de Direito Privado, Rel.: Des. Morais Pucci, j.: 31/10/2016) e reintegração de posse de “força velha” (TJSP, Agravo de Instrumento n. 2210961-60.2015.8.26.0000, 21ª Câmara de Direito Privado, Rel.: Des. Silveira Paulilo, j.: 09/06/2016).
[71] Desenhar-se-ia, assim, um horizonte em que “as normas abertas permitem a construção da ação e do procedimento adequados à tutela do direito material no caso concreto.” (Marinoni-Arenhart-Mitidiero, Novo curso de processo civil, v. 3, p. 54)

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