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Victor Hugo Pereira Gonçalves

Victor Hugo Pereira Gonçalves

11/05/2017

O Marco Civil vem sendo interpretado como subpretexto para justificar a opinião ou posição pessoal ou profissional, de juízes a operadores do direito, já constituída e definida, invariavelmente, a priori e confeccionada ao arrepio dos direcionamentos do legislador e longe do tecnicismo exigido ao intérprete da norma. Em muitos casos, mesmo a regra definindo claramente os pontos a serem enfrentados, o intérprete tergiversa a análise e flerta com o contra legem petita para nadar a largas braçadas na inconstitucionalidade.

É neste espírito geral em que a segurança jurídica nos é arrancada à fórceps que vem a decisão recente do juiz Fernando Henrique de Oliveira Biolcati, juiz do Tribunal de Justiça de SP[1].

Num exercício de futurologia, ao estilo hollywoodiano de Minority Report, filme estrelado por Tom Cruise, o Digníssimo Magistrado prevê:

“No evento designado ‘Virada Cultural na Casa do João Dorian’, busca-se somente determinar uma forma de protesto contra o autor, diante de sua alegação de que a Virada Cultural de São Paulo seria transferida para o autódromo de Interlagos, inexistindo mínimo indício de que se destine o evento à balbúrdia. Aliás, dificultar ou impedir, por via transversa, manifestação de cunho político e reivindicatório, sob o argumento da perturbação pública, significa afronta à base do Estado Democrático do Direito, estabelecida no artigo 1º, da Constituição Federal”.

Primeiramente, o D. Magistrado acabou de se esquecer que o direito à crítica ainda está inserto ao princípio constitucional da liberdade de expressão. Aliás, o direito à crítica é salutar ao Estado Democrático de Direito. Em recente julgado do TJDFT, entende-se que a crítica é de interesse social:

5. No caso em exame, as publicações supostamente ofensivas trazidas na petição inicial consubstanciam tão somente a opinião crítica de usuário da rede social a respeito da estrutura da Polícia Federal, além de insatisfação com a corrupção e violência que assolam o país. Ou seja, são frutos do seu direito de livre manifestação.
6. Ainda que as críticas possam desagradar alguns, não se vislumbra ofensa a qualquer direito de personalidade dos filiados da Associação autora, mostrando-se descabida a pretensão da autora/apelante, para que seja determinada a indisponibilidade do perfil de usuário da rede social e a retirada do ar de seu conteúdo.[2]

A liberdade de expressão em tela, além da crítica formulada ao Sr. Prefeito de São Paulo, tinha o intuito de sair às ruas em direção à residência do governante. A liberdade de associar-se a outras pessoas para fazerem críticas ou até mesmo protestar não é inconstitucional ou, ao menos, ilegal. Aliás, a Constituição brasileira defende o contrário em seu art. 5º, inc. XVII.

Neste espírito de liberdades, defendidas ao longo do Marco Civil da Internet, que em seu art. 22, determina que será somente passível de medidas restritivas de acesso aos dados dos usuários de internet, desde que: fundados indícios da ocorrência do ilícito; justificativa motivada da utilidade dos registros solicitados para fins de investigação ou instrução probatória; e período ao qual se referem os registros.

O indício de ocorrência de ilícito tem de ser plausível e bem visível, o que não ocorre neste caso, pois a liberdade de expressão trazida nos documentos não ensejam a ocorrência de um ilícito presente. Só o exercício de futurologia do magistrado preencheu este inciso.

Por outro lado, a justificativa para esta liberação não encontra apoio legal no Marco Civil. Já dissemos anteriormente no Marco Civil Comentado ao analisar a justificativa do inc. II, do parágrafo único do art. 22:

“A busca pelos dados de registros deve ser a última solução numa investigação. É a conclusão final e pontual de um procedimento investigatório que necessita desses dados para ser melhor concluído e instruído. Contudo, muitos casos, por falta de preparo, têm se utilizado desse artifício (requerer registros de conexão e de acesso a aplicações de internet) como primeiro passo investigatório. O caso se constrói em torno do acesso aos registros e não o contrário, o que fere mortalmente os princípios constitucionais de sigilo dos dados, da privacidade, da intimidade, da segurança jurídica, do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório. Esse inciso reforça essa prática diuturna nesses processos investigatórios eivados de nulidade e ilícitos”[3].

Por outro lado, a medida restritiva não foi específica no período que pretende obter estes dados. A decisão não enfrenta esta questão e que pode ser anulada se questionada no duplo grau de jurisdição.

Em nenhum momento da decisão, o D. Juízo enfrentou estas questões de forma direta e técnica. Utilizou-se do seu senso comum e da futurologia para liberar o acesso aos dados dos usuários em questão, o que é inconstitucional e ilegal sob o viés do Marco Civil.

Poderia o juiz dizer que as pessoas que estavam ali no Facebook estavam anônimas, mas o que não era o caso concreto. As pessoas estavam identificadas nos seus perfis e de fato não realizaram crimes utilizando pseudônimos.

O meu posicionamento acerca do anonimato é que ele somente pode ser utilizado a fim de acionar o gatilho do art. 22 do Marco Civil, quando a pessoa fizer uso dele para fazer ataques e acusações a outrem, que obstem o seu direito de defesa.

O grande jurista José Affonso da Silva justifica a vedação do anonimato em matéria constitucional:

“A liberdade de expressão do pensamento tem seu ônus, tal como o de o manifestante identificar-se, assumir claramente a autoria do produto manifestado, para, em sendo o caso, responder por eventuais danos a terceiros. Daí porque a Constituição veda o anonimato”[4]. (grifo nosso)

Este é também o entendimento do STF sobre o mesmo tema:

“O veto constitucional ao anonimato, como se sabe, busca impedir a consumação de abusos no exercício da liberdade de manifestação do pensamento, pois, ao exigir-se a identificação de quem se vale dessa extraordinária prerrogativa político-jurídica, essencial à própria configuração do Estado democrático de direito, visa-se, em última análise, a possibilitar que eventuais excessos, derivados da prática do direito à livre expressão, sejam tornados passíveis de responsabilização, ‘a posteriori’, tanto na esfera civil, quanto no âmbito penal.” (grifo nosso) (STF, MS nº 24369 MC/DF. Relator: Ministro Celso de Mello. Julgado em 10/10/2002)

Mesmo que a sentença tente com transparência argumentar no sentido da limitação e sopesamento dos princípios constitucionais, não parece que seguiu um caminho adequado a esta situação. Alegar futuros vandalismo sem a abertura do debate é fazer “tábula rasa” do direito de defesa de quem tem direito à liberdade de expressão.

Assim, há que se considerar a liberdade de expressão deve ser protegida, pois marcar um encontro para fazer críticas ao Sr. Prefeito ainda não é ilegal e nem inconstitucional. Devemos ter em mente que os direitos fundamentais, com estas decisões, estão em risco e totalmente frágeis diante de argumentos do senso comum sem fundamentação jurídica ou tecnológica, que os tornem sustentáveis no escrutínio de constitucionalidade e defesa das garantias constitucionais de todos os envolvidos.

Infelizmente, o juiz caminhou por vias autoritárias que abrem o caminho, contra os princípios do Marco Civil, a decisão arbitrárias e vigilantistas em prol de interesses não muito claros.


[1] GONÇALVES, Victor Hugo Pereira Gonçalves. Marco Civil da Internet Comentado. São Paulo: Ed. Atlas, 2016, p. 175.
[2] DA SILVA, José Afonso da. Direito Constitucional Positivo. 35ª Edição rev. E atual. Editora Malheiros. 2012, p. 207.
[3] Veja mais em https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2017/04/21/juiz-dribla-marco-civil-e-da-a-doria-direito-de-identificar-criticos-no-facebook.htm, acessado no dia 03.05.2017, às 17h45min.
[4] A Ementa completa encontra-se neste endereço: http://omci.org.br/jurisprudencia/113/opiniao-critica-e-liberdade-de-expressao/, acessado no dia 03.05.2017, às 17h45min.

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